Entrevista

04/08/2023 20:00h

Em entrevista ao Brasil 61.com, Rodrigo Terra explica que aumentar impostos sobre produtos reciclados importados é positivo, mas não é o bastante. Ele defende a desoneração da cadeia produtiva de reciclagem

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O governo federal aumentou para 18% o imposto de importação de resíduos sólidos na tentativa de incentivar a cadeia produtiva de reciclagem nacional. A alíquota estava zerada para resíduos de papel e vidro e em 11,2% para plástico. O governo argumenta que a elevação na importação dos resíduos afeta o preço de venda dos materiais recicláveis comercializados no país. 

Em entrevista ao portal Brasil 61.com, o especialista em direito tributário e consultor jurídico do Instituto Nacional de Reciclagem (Inesfa), Rodrigo Terra, afirma que a medida contribui com o setor de reciclagem no país, mas avalia que não é o suficiente. Ele defende a desoneração da cadeia produtiva e argumenta que, atualmente, a venda de reciclados tem a mesma tributação da matéria-prima extraída da natureza.  

Brasil 61: Como esse aumento no imposto de importação de resíduos sólidos contribui com o setor de reciclagem?

Rodrigo Terra: Eu acho que contribui, de alguma forma contribui, mas acho que ainda é muito pouco. Eu acho que é preciso muito mais para de fato se incentivar a cadeia nacional de reciclagem e digo o porquê. Você desincentivar a importação de resíduos, claro, é uma medida que tem sentido, mas hoje a quantidade de resíduos importada não representa uma quantidade gigantesca capaz de causar uma variação tão grande no mercado nacional. É uma quantidade ainda pequena frente à totalidade de resíduos que são comercializados aqui no Brasil.

Brasil 61: Na sua avaliação, o que deve ser feito para incentivar o setor no país?

RT: O que de fato o governo deveria fazer para incentivar a reciclagem no Brasil, seria desonerar a venda desses recicláveis dentro do mercado nacional. Aumentar o imposto sobre o que vem de fora é uma medida boa? Sim, é uma medida boa, tem sentido, mas ainda é pouco. É preciso que pare de cobrar tributos sobre a venda de materiais recicláveis que são vendidos aqui dentro do Brasil. Hoje em dia, aqui no Brasil, quando a gente fala da venda de insumos recicláveis, a gente está falando que a venda desses insumos reciclados tem exatamente a mesma tributação do que a venda daqueles insumos  extraídos da natureza. Então, quando a gente olha para uma indústria de transformação, por exemplo, que precisa comprar matéria-prima, ela tem opção de comprar matéria-prima reciclada ou matéria-prima virgem extraída da natureza, pensando pelo ponto de vista tributário, ela não tem absolutamente nenhum incentivo para escolher a matéria-prima reciclada frente à matéria-prima extraída da natureza.

Brasil 61: A reforma tributária aprovada na Câmara traz alguma previsão no sentido de desoneração dessa cadeia?

RT: A reforma tributária tem uma previsão de dar um tratamento diferenciado para a cadeia de recicláveis. Basicamente o texto que foi aprovado pela Câmara dos Deputados prevê um crédito presumido para aquelas empresas processadoras que comprarem materiais recicláveis de pessoas físicas. Mas ainda é pouco, é preciso mais. Hoje em dia, só para que se tenha uma ideia, pensando pelo ponto de vista financeiro, é mais vantajoso para a indústria de transformação adquirir uma matéria-prima virgem do que uma matéria-prima reciclada. Isso acontece, por exemplo, no plástico. É mais barato produzir plástico com matéria-prima virgem do que produzir plástico com matéria-prima reciclada. Então, o governo precisa, para conseguir mudar essa realidade, se utilizar de políticas públicas tributárias para conseguir fazer o efeito inverso. Para que seja mais barato produzir um plástico novo com base em uma matéria-prima reciclada. E o governo precisa então desonerar a cadeia por completo. No meu ponto de vista pelo menos, essa seria a ferramenta mais adequada para conseguir alcançar esse objetivo. 

Brasil 61: Pensando em desoneração, a Câmara analisa o PL 4035/2021. O senhor acredita que esse projeto contempla as mudanças necessárias?

RT: Minha avaliação em relação a esse projeto é a melhor possível. Acho que é um projeto importantíssimo para a cadeia de reciclagem. Basicamente,  o projeto isenta de PIS e Cofins as empresas e as cooperativas que vendem insumos reciclados e ainda assim permite que o adquirente desses insumos se aproprie de um crédito presumido nessa compra. Então, quem vende não tem que pagar PIS/Cofins e quem compra, ainda assim, toma um crédito tributário em relação a essa compra. Essa, sim, é um exemplo claro de uma política pública tributária que, se aprovada, incentivaria a cadeia de reciclagem e poderia vir a tornar a aquisição de insumos reciclados mais vantajosa frente à aquisição  de insumos extraídos da natureza.  
 

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10/07/2023 04:30h

Em entrevista ao Brasil 61, presidente da Frente Parlamentar das Micro e Pequenas Empresas cobra apoio dos governos federal, estadual e municipal para o setor

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A abertura de micro e pequenas empresas bateu recorde no primeiro trimestre de 2023, superando a marca de 214,4 mil novos empreendimentos. O número é 9,2% superior ao mesmo período do ano passado, de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Em entrevista ao portal Brasil 61.com, o deputado federal Helder Salomão (PT-ES), que preside a Frente Parlamentar Mista das Micro e Pequenas Empresas, ressaltou a importância do segmento para o desenvolvimento do país. 

Ao portal, Helder Salomão ressaltou o caráter pluripartidário do colegiado, pautado no diálogo, para construção de políticas de Estado para apoiar as microempresas. O parlamentar defende desburocratizar e facilitar o acesso ao crédito e à capacitação dos pequenos empreendedores. Além disso, ressalta a importância da atuação conjunta do Congresso Nacional com o Sebrae — e com os governos federal, estadual e municipal. 

Brasil 61: Deputado, qual a importância e objetivo dessa frente parlamentar? 

HS: É importante a gente dizer que os pequenos negócios, considerando empreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, representam 99% do total dos 20 milhões de empresas que nós temos no Brasil. As micro e pequenas empresas movimentam 30% do PIB nacional e são responsáveis por 52% dos empregos formais. Estamos falando de quase a totalidade das empresas. E o nosso objetivo é trabalhar para que haja, efetivamente, um fortalecimento do desenvolvimento nacional do país, desenvolvimento regional em cada estado e também no desenvolvimento local, nas cidades brasileiras. 

Brasil 61: Como esse colegiado vai atuar para oferecer um apoio efetivo aos pequenos empreendedores?

HS: Essa frente vai trabalhar em permanente diálogo com o governo federal, com os estados, os municípios e as instituições da sociedade civil, sejam elas ligadas aos trabalhadores, aos empresários. E o nosso objetivo é que nesse diálogo, que começa aqui no Congresso Nacional entre os parlamentares, a gente possa ter mudança na lei para garantir mais apoio à micro e pequena empresa, garantir a desburocratização, acesso ao crédito, ampliação da participação da micro e pequena empresa nas compras públicas, nas compras governamentais e outras formas de incentivar e de apoiar o crescimento das empresas. Porque elas são fundamentais para gerar empregos e também para movimentar o mercado interno e garantir que o Brasil cresça de maneira sustentável. As micro e pequenas empresas têm uma importância grande para o desenvolvimento do país.  

Brasil 61: Como presidente dessa frente parlamentar, qual cenário o senhor considera mais próximo do ideal para o setor?

HS: Eu diria que é uma frente estratégica porque, como eu disse, as micro e pequenas empresas movimentam 30% do PIB  nacional. Nós precisamos chegar a pelo menos 50%. Na União Europeia, nós temos o caso da Itália que as micro e pequenas empresas representam 65% do PIB do país. Então nós temos um grande caminho pela frente. Estamos falando de quem gera emprego, de quem produz e de quem gera riqueza e renda para o nosso país. Portanto, nós temos certeza que o governo federal em aliança com os governos estaduais e municipais e aliança com o Sebrae, com o apoio da frente, nós haveremos de construir alternativas para fortalecer esse segmento tão importante da economia. 

Brasil 61: De acordo com o IBGE, a sobrevivência de uma micro ou pequena empresa no Brasil é de 5 anos. O que deve ser feito para mudar isso?

HS: Temos que trabalhar algumas coisas. Primeiro é que as empresas precisam ter uma gestão profissional. Então, o Sebrae e outras instituições podem ajudar muito a possibilitar a capacitação dos empreendedores para que eles profissionalizem a gestão. Um outro aspecto é que a gente garanta mais facilidade de acesso ao crédito com juros baratos — o que fica muito difícil com esse juros estratosféricos que nós temos hoje no país, na casa de 13,75%. É um absurdo que os juros no Brasil estejam tão altos. Então, acesso ao crédito. E barato. E uma outra coisa é desburocratizar os procedimentos para abertura e fechamento de empresas, mas especialmente para abertura para evitar fechamento. 

Brasil 61: Por que a taxa de fechamento de empresas no Brasil é tão alta?

HS: A taxa de mortalidade no Brasil é alta por falta de apoio a esse segmento tão importante. Mas eu tenho certeza que nós avançaremos, como outros países já fizeram, com apoio, com políticas estruturadas, com articulação política, com mudança de legislação, com favorecimento no debate tributário para que a gente possa garantir que os pequenos possam crescer. Nosso objetivo é que as micro não fechem as portas ao mesmo tempo que elas cresçam.

Brasil 61: O senhor citou a necessidade de um favorecimento tributário. Como a reforma tributária pode contribuir para o setor?

HS: Ela vai tratar de aspectos mais gerais, mas nós temos duas garantias que estão no texto preliminar, a gente espera que sejam mantidas, que é não criar nenhuma dificuldade para o Simples Nacional, então na reforma o Simples está preservado. E outra coisa que a reforma está propondo é o fim do regime de  substituição tributária, que é a tal da bitributação, quando as empresas são tributadas duas vezes com uma mesma transação, com um mesmo negócio realizado, em alguns casos. Então neste caso vai ser muito importante porque vai reduzir a carga tributária para a micro e pequena empresa, especialmente de alguns segmentos que são bitributados. Já são duas conquistas importantes que estão asseguradas no texto. A partir da reforma, a gente vai ter que discutir, obviamente, outras medidas e outras mudanças na lei. 

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26/06/2023 04:30h

O gestor de projetos do Instituto Livres, Lucas Rodrigueiro, criticou mudanças de prazo e exigências para prestadores de serviços de saneamento, mas afirma que sustação integral pelo Congresso deve ser avaliada com cuidado, devido aos pontos positivos trazidos nos textos

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O projeto de decreto legislativo (PDL) 98/2023 pretende sustar dispositivos dos decretos do governo federal (11466 e 11467) considerados inconstitucionais e prejudiciais à meta de universalizar os serviços de saneamento básico até 2033, prevista no marco legal do saneamento (Lei 14.026/2020). Aprovado no último dia 3 de maio na Câmara dos Deputados, o PDL 98 agora tramita no Senado, em conjunto com outros três projetos de senadores para sustar os decretos integralmente. O senador Confúcio Moura (MDB-RO) foi designado relator da proposta na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado. 

O Brasil tem o prazo de 10 anos para levar água potável a 99% da população e acesso à coleta e ao tratamento de esgoto a 90% dos brasileiros, conforme determina o marco legal do saneamento (Lei 14.026/2020). O desafio é grande, já que, hoje, 15,8% não possui abastecimento de água, enquanto 44,2% da população ainda não tem rede de esgoto.

Em entrevista ao portal Brasil 61.com, Lucas Rodrigueiro, gestor de projetos do Instituto Livres, explicou a importância do marco do saneamento e alertou sobre as mudanças feitas à lei por decretos do Executivo. A organização do terceiro setor elaborou uma nota técnica crítica a pontos dos decretos do governo federal que podem prejudicar a universalização. 

Brasil 61: Qual a importância do marco do saneamento básico para o país?

LR: A gente entende que o marco do saneamento tem uma importância fundamental para o Brasil. Ele visa elevar o atendimento da população, tem essa meta de oferecer água potável a 99% dos brasileiros, estender os serviços de coleta e tratamento de esgoto a 90% dos cidadãos até 2033. Então a gente vê isso como algo fundamental. Além disso, a gente vê o novo marco tendo esses objetivos ambientais sustentáveis, uma revitalização de bacias hidrográficas, conservação do meio ambiente, redução de perda de água. Isso também para a gente é importante. A gente entende que a lei promove mais qualidade de vida para a população, estimula a economia e gera empregos. 

Brasil 61: Na avaliação do Instituto Livres, quais os principais pontos abordados no marco regulatório?

LR: A abertura de licitação para prestador de serviços nessa área  de saneamento, disponibilização de água potável. possibilidade de formação de bloco de municípios para a contratação coletiva, a criação do Comitê Interministerial de Saneamento Básico para facilitar toda essa alocação de recursos, e nós destacamos também a autonomia da Agência Nacional de Águas para fazer essa regulamentação do setor. 

Brasil  61: Como essas medidas contribuem para a qualidade de vida da população?

LR: Você melhora a assiduidade escolar, você potencializa a qualidade de vida e o convívio familiar. A água potável, o saneamento básico geram tempo para que uma mãe tenha um tempo de qualidade com o filho. Você está reduzindo um tempo em que ela vai buscar água a vários quilômetros de distância da sua casa para um lugar próximo da sua casa. E gera esse tempo para que ela cuide dos filhos, busque uma educação, crie algum negócio, gere renda. A gente está falando de fomentar a economia circular através de hortas, através de quintais produtivos — e isso gera alimento de qualidade, gera alimento saudável, orgânico na mesa. 

Brasil 61: No início de abril, o governo federal editou dois decretos que modificam o marco legal. Quais pontos o senhor destaca em relação a essas alterações?

LR: O Instituto Livres analisa esses decretos com atenção. As mudanças negativas que a gente vê que esses decretos trazem estão relacionadas ao prazo estabelecido para a capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços de saneamento, bem como a possibilidade de inclusão de contratos provisórios ou irregulares no processo de comprovação. A gente entende que essas alterações podem gerar insegurança jurídica e comprometer a qualidade e a eficiência dos serviços prestados. Por outro lado, a gente vê as mudanças positivas que incluem a atribuição de responsabilidade à União para auxiliar as empresas no processo de adaptação do setor, por meio de ações desenvolvidas pelos ministérios do Desenvolvimento Regional e da Economia. Além disso, os decretos também buscam incentivar a participação do setor privado por meio da concessão dos serviços de saneamento, o que pode trazer investimentos e melhorias na infraestrutura. 

Brasil 61: Esses decretos podem prejudicar, de alguma forma, a universalização dos serviços de saneamento?

LR: Nós ficamos temerosos com desvios de recursos e não-entrega dos projetos contratados — o que acarretaria na continuação dos males sociais vividos pela falta de água potável e saneamento básico. Destaco aqui que  se faz necessário um processo de austeridade, auditoria e transparência na gestão de cada contrato de serviço. A gente entende isso como algo essencial, porque ficamos realmente temerosos com essa situação. É possível também que haja uma retração de investimentos, qualidade  e eficiência dos serviços prestados, vide essa flexibilização e essa inclusão de contratos provisórios e irregulares, até que haja esse processo de comprovação. 

Brasil 61: A Câmara dos Deputados aprovou recentemente o PDL 98/2023, que agora está em análise no Senado. O projeto susta parte dos decretos do Executivo. Qual a opinião do senhor sobre o PDL?
 
LR: Sobre o PDL 98/2023, o Instituto Livres reconhece a importância do debate no Congresso Nacional sobre os decretos e os projetos de decretos legislativos, que buscam sustá-los. A análise desses PDLs, especialmente o 98/2023, é fundamental para avaliar os impactos e os possíveis caminhos para o aprimoramento do marco regulatório do saneamento básico. A possibilidade de sustação integral dos decretos, incluindo os pontos positivos, é uma questão delicada. Deve ser avaliada com cuidado. Embora seja importante corrigir eventuais problemas, incongruências nos decretos, é fundamental garantir que as mudanças positivas sejam preservadas para impulsionar o avanço do setor do saneamento básico. É necessário encontrar um equilíbrio, que permita a modernização e o fortalecimento do setor, estimulando a participação do setor privado, sem comprometer a universalização dos serviços e a garantia do acesso aos mais vulneráveis.
 

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09/06/2023 04:00h

Especialista em direito tributário, Maria Carolina Gontijo diz que simplificar o sistema deve ser o principal objetivo da reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional, sob pena de "jogar todo nosso esforço fora". A especialista ficou conhecida nas redes sociais por explicar de um jeito simples assuntos complicados do mundo dos impostos

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Especialista em direito tributário, Maria Carolina Gontijo se tornou conhecida nas redes sociais por explicar de um jeito simples assuntos complicados do mundo dos impostos e o seu impacto na vida das pessoas e empresas. Em entrevista ao Brasil 61, a "Duquesa de Tax" afirmou que a reforma tributária em curso no Congresso Nacional deve seguir o mesmo caminho. Ou seja, nada de querer complicar o texto com diversas alíquotas ou regimes com tratamentos diferenciados. Para a professora do Insper, não se pode abrir mão do principal objetivo da reforma: simplificação. 

Durante a conversa, Gontijo explicou as causas por trás do "manicômio tributário", o que o país tem a ganhar com a modernização dos impostos sobre o consumo de produtos e serviços e afirmou: nunca houve um momento tão propício para a aprovação da reforma tributária como agora.  

Confira a entrevista completa com a especialista. 

Brasil 61: O Grupo de Trabalho da Reforma Tributária da Câmara apresentou o relatório com as diretrizes para a PEC da reforma. Agora vai? 

Maria Carolina Gontijo: "Eu acho que a gente nunca teve um ambiente tão propenso para o "agora vai". As pessoas foram tomando consciência do quão difícil é o sistema tributário brasileiro que isso acabou virando não só movimento da sociedade, como um movimento até dos próprios políticos. As pessoas falam assim comigo: 'cê acha que agora vai?'. Eu falo: 'agora é a hora certa da gente discutir'. Se vai, aí já envolve questões políticas, enfim, mas acho que nunca esteve tão propenso."

Brasil 61: O sistema tributário brasileiro é tão complexo que ficou conhecido como "manicômio tributário". Na sua avaliação, quais são os principais problemas desse modelo de cobrança de impostos sobre o consumo?

M.C.G.: "Uma das nossas grandes dificuldades é que o nosso sistema não foi pensado como um sistema e a gente foi criando puxadinhos ao longo do caminho sempre que a gente tinha uma necessidade urgente. A gente precisava de uma fonte de arrecadação e acabava criando algum tipo de tributo do consumo. Eu costumo brincar que baldes foram sendo colocados para segurar algumas goteiras. A gente foi criando algumas coisas para tentar não enfrentar uma uma reforma, que é um assunto complicado, que envolve muitos interesses". 

Brasil 61: Quais foram os puxadinhos que o país criou ao longo dos anos? 

M.C.G.: "O que a gente tem? Um tributo sobre serviços que é da esfera municipal, o ISS; um [imposto] de mercadorias, que é o ICMS [estadual], mas também tem os federais: PIS, Cofins e IPI. Alguns têm sistemática cumulativa, como PIS e Cofins. Outros tem uma sistemática não-cumulativa. A gente criou um emaranhado tão grande de possibilidades nesse sistema, que acabou virando um castelinho de cartas, em que mexendo em uma carta a gente acaba mexendo em todo o sistema. Veja que no ano passado o governo tentou reduzir o IPI para alguns produtos e acabou esbarrando na questão da Zona Franca de Manaus e, aí, o IPI dos produtos que são feitos na Zona Franca de Manaus não puderam ser reduzidos. Existem tantos tributos sobre o consumo, que absolutamente ninguém sabe efetivamente quanto paga de tributo quando está consumindo alguma coisa. Então, você vai lá e compra no supermercado alguma coisa, você não sabe quanto, de fato, existe de tributos ali. Não é um sistema transparente". 

Brasil 61: As propostas que estão com as discussões mais avançadas no Congresso Nacional para a reforma tributária propõem a substituição dos cinco principais tributos sobre o consumo por um único imposto, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Elas conseguem resolver ou minimizar a complexidade do sistema atual? 

M.C.G.: "Sem sombra de dúvidas. E eu acho que elas têm um ponto muito importante, principalmente, que é transformar o sistema em algo mais transparente. Hoje, a gente tem alguns tributos que, se você aumenta, as pessoas não conseguem perceber exatamente que aquilo foi um aumento de preço do produto. No início do ano, vários estados começaram a praticar alíquotas maiores de ICMS de combustível. Eu não vi ninguém desses estados criando algum tipo de protesto por isso. Por quê? As pessoas não conseguem perceber efetivamente onde que aquilo ali está impactando no dia a dia delas. [A reforma] vai deixar isso transparente, porque a partir do momento em que determinado governador precisar aumentar alíquota, que isso fique claro e as pessoas consigam cobrar efetivamente esses tributos que elas pagam". 

Brasil 61: Dá para chamar de reforma tributária uma reforma que não diminua o peso dos impostos sobre os cidadãos e o setor produtivo? 

M.C.G.: "Eu não tenho esperança de nenhum tipo de diminuição da carga tributária. O que a gente precisa é criar esse ambiente para simplificação, porque pagar muito já estamos pagando. Se a gente chegasse agora nessa confusão e dissesse: 'vamos ter uma redução da carga tributária', a gente sabe que não existe espaço pra isso. A gente precisa ser racional nesse ponto. Precisa simplificar, porque a partir do momento em que a gente simplificar, vai ter um espaço grande para um ganho de desenvolvimento econômico. Existem inúmeros estudos a respeito: melhorando a economia, depois a gente vê o que a gente consegue para equalizar essa carga para que não fique tão alta. Eu bato muito na questão da simplificação e na questão da percepção das pessoas. Se a gente tiver isso, eu acho que já é um passo em direção a um sistema que seja mais justo." 

Brasil 61: Você acredita que, mesmo sem redução de carga tributária, a mera simplificação do sistema vai contribuir para diminuição dos custos sobre as empresas? 

M.C.G.: "A gente tem não só empresas com inúmeras pessoas focadas na apuração e no cumprimento de obrigações acessórias, que são as informações que as empresas precisam prestar aos fiscos. A gente tem a parte onde as empresas planejam a questão tributária. Todo o esforço que está sendo colocado ali para tentar apurar ou informar corretamente a tributação é uma força econômica que está no lugar errado. E a simplificação já melhora tudo, inclusive a questão da segurança jurídica. Hoje a gente tem um contencioso tributário gigantesco, absurdo e que atrasa o país, por quê? A gente vê discussões que demoram muitos anos. Essa questão da insegurança jurídica é muito ruim pra nós. Primeiro, porque ela acaba espantando o investimento, porque se a gente está aqui e acha que esse sistema é um manicômio, imagina quem está vindo de fora. A gente paga um preço muito alto por essa complexidade que a gente podia estar investindo em outras coisas. Só da gente fazer isso já vai ser um ganho tremendo". 

Brasil 61: Por todos esses custos com as obrigações acessórias, além da quantidade das obrigações principais e diferentes legislações, as empresas brasileiras perdem muito tempo e gastam muito para produzir, o que encarece os bens e dificulta a competitividade delas no nível internacional. Acredita que este problema será resolvido com essa simplificação proposta?

M.C.G.: "Eu acho que não só vai melhorar, como essa simplificação vai acabar naturalmente diminuindo essa questão, especialmente no contencioso tributário. A gente tem a questão do PIS e COFINS. Tem 20 anos praticamente e a gente fica pensando: isso dá crédito ou isso não dá crédito? Até porque nós estamos numa economia que está mudando todos os dias. Se a gente continuar parado no tempo e esperando que muitos anos depois o Supremo venha decidir se software é serviço ou mercadoria, isso atrasa o nosso desenvolvimento econômico de uma maneira que é difícil até para a gente mensurar. E aí a gente fica naquela de saber se Crocs, por exemplo, é sapato de borracha ou sandália impermeável. No fim, é engraçado, a gente usa, mas a gente está rindo da própria desgraça, porque é muito ruim para o país esse tipo de discussão Então, a simplificação é essencial para as empresas, principalmente para que elas possam focar em outra coisa e não administrar contencioso. Ter um sistema simples é o que a gente precisa se a gente quiser ter uma economia forte e respeitada no resto do mundo". 

Brasil 61: Para você, o que seria uma boa reforma tributária? 

M.C.G.: "O que a gente precisa principalmente é simplificação. A gente não pode correr o risco de tentar fazer uma reforma e que depois tenha um milhão de alíquotas diferenciadas, um milhão de regimes diferenciados, porque cada setor vai pedir o seu, a gente sabe como é que funciona o lobby. A gente não pode tentar complicar o sistema sob pena de jogar todo esse nosso esforço fora. A gente precisa ficar no mais simples possível. A reforma ideal seria um IVA simples, não um IVA Dual. Mas a gente precisa fazer o que dá pra fazer. O Brasil é um país de dimensões continentais. Então, nosso desafio não é pequeno. É como se a gente tentasse colocar uma reforma num continente inteiro. A gente sabe que é complicado. Se o IVA Dual não é o ideal, é o que dá pra fazer e já melhora muito. Este é o ponto principal pra mim: a gente não pode abrir mão da simplificação." 

Reforma tributária: relatório de GT da Câmara dos Deputados propõe IVA Dual

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Política
22/05/2023 03:30h

Novo presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Radiodifusão alerta que deputados e senadores se encham de coragem para votar o projeto de controle das redes sociais, caso contrário “é o STF quem vai ditar as normas”. O colegiado presidido por Cezinha de Madureira foi instalado há poucos dias e já reúne 240 congressistas. O objetivo da Frente é defender os interesses do setor, como a atualização das leis e a desburocratização da atividade.

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A Frente Parlamentar Mista em Defesa da Radiodifusão, instalada recentemente no Congresso Nacional, é presidida pelo deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP) e tem o objetivo de defender os interesses dos proprietários das emissoras de rádio de todo o Brasil.

Nesta entrevista, Cezinha argumenta sobre a necessidade de regulamentação da internet através do PL 2630 – chamado de “PL das Fake News” pelo governo e carimbado como “PL da Censura” pela oposição. De acordo com o parlamentar, “a proposta não visa censurar as pessoas". No entanto, segundo ele, isso pode acontecer por obra do STF (Supremo Tribunal Federal) “se o Congresso não regular as redes sociais no país”.

O presidente da Frente também detalha uma série de dificuldades enfrentadas por centenas de radiofusores do Brasil, "causadas pela desatualização da lei que rege o funcionamento da rádio brasileira".

Confira:

BRAIL 61: Deputado, qual é a importância da modernização do Código Brasileiro de Telecomunicações, antiga demanda do setor dos radiodifusores, que o Sr. está representando no Congresso Nacional?

CEZINHA: Essa demanda sempre atingiu muito os brasileiros. Diretamente, os empresários que sempre quiseram estar na legalidade. Mas a falta de legislação impôs a ilegalidade nesses radiodifusores. Como por exemplo: em 2013, nós temos a migração do AM para o FM. E, ali, muitos empresários que tinham mais de cinco, a média de FM e 5 AM no Brasil, os comunicadores, tiveram que optar pela ilegalidade e ficar com suas rádios indevidas, porque não cabia essas emissoras. Que não é o caso de todas, algumas. É uma demanda antiga no setor, no ano passado nós tentamos discutir, mas não houve avanço com o governo. Nós não tivemos como aprovar nada neste sentido. Tivemos que recuar.

BRASIL 61: Como está a situação neste momento?

CEZINHA: Neste momento, nós organizamos alguns parlamentares que participam da Comissão de Comunicação da Câmara e do Senado, ali no Senado, sob a presidência do Senador Viana, que também é radiodifusor, e nós conversamos com os parlamentares, e o projeto que eu relatei na Comissão de Comunicação da Câmara foi aprovado por unanimidade. Aumentando de cinco para 20 essa quantidade que já é um avanço muito grande para nós termos a possibilidade de dar sequência e  mexer no capital social, estrangeiro, mexer em outras demandas que existe no setor de radiodifusão. Então, para nós que somos comunicadores, foi uma vitória muito grande e eu tenho certeza que vai avançar muito mais, até porque já estamos conversando também na Comissão de Constituição e Justiça, que será terminativo lá esse projeto, e se Deus quiser muito em breve estará aprovado lá, e vai para o Senado também já com acordo.

BRASIL 61: O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, esteve presente ao lançamento da Frente Parlamentar Mista de Radiodifusão. Além dele, também estiveram lá outros representes do governo, além da Anatel e de entidades ligadas à comunicação. O que ficou acordado?

CEZINHA: Olha, inicialmente nós havíamos pedido ao ministro Juscelino, no início da sua gestão, tivemos ainda antes da posse dele uma conversa muito boa referente à legislação brasileira de rádio - que é de 62 e 67.

BRASIL 61: Legislação antiga?

CEZINHA: Antiga, não teve nenhuma atualização. E explicando pra ele sobre o setor, sobre a necessidade do setor e ele entendeu muito bem o que precisa fazer como por exemplo: tinha uma regra muito pesada sobre fiscalização. E ele começou cumprindo na eleição ali da frente parlamentar. Ele assinou uma portaria de flexibilização dessas demandas do setor com relação à fiscalização trazendo uma clareza ao assunto e também facilitando o contato lá na ponta da radiodifusão. Porque, com o aumento da internet, com o crescimento das Big tags tem muito radiodifusor que não conseguiu alcançar junto com a internet esta integração e é um desafio muito grande isso para o setor e nós temos que fazer isso acontecer.

BRASIL 61: Quais são as consequências desse atraso, para o radiodifusor?

CEZINHA: Com isso, veio alguns ficando com falta de condições financeiras e muitas coisas pendentes. Eu digo assim, porque eu conheço vários casos. E foi ficando para trás, a fiscalização tem que ir lá, para ver, cumprir a lei e acaba que onera o radiodifusor lá na ponta. Então, vários outros temas, o ministro Juscelino se comprometeu conosco, e nós vamos trabalhar junto, em conjunto, para atender o radiodifusor. No ano passado, ainda no governo anterior, eu consegui trazer alguns avanços, como por exemplo: eu criei ali um parcelamento de dívidas, para os radiodifusores que estavam com pendência de seus pagamentos; nós criamos ali, tirando a regra, criamos uma nova portaria, fizemos uma proposta ao governo - via projeto de lei - que mudasse a regra dos dois anos para o aumento de potência; e várias outros temas que nós avançamos, ali, como o carregamento das TVs na capital nas TVs a cabo, e assim sucessivamente.

BRASIL 61: Há possibilidade de avanço no uso das rádios para melhorar a Educação à distância, que já é implementada por algumas plataformas?

CEZINHA: Sim sim, onde já existe uma demanda quando você pega a aprovação do 5g foi uma conquista do governo passado ali nós temos alguns valores se eu não me recordo se eu não tô errado são quase quatro bi para investimento para internet nas escolas. Nós que estamos em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, nas grandes capitais é estamos cobertos com a internet uma boa parte. mesmo aqui na capital de São Paulo você pega internet. Mesmo aqui em São Paulo você tem hora que pega lugares aqui sem internet - ou 3G ou 4G ou 5g - não pega direito ainda. Então tem muitos lugares no Brasil que ainda não tem acesso à internet principalmente no norte e no nordeste do Brasil e essas pessoas precisam ser assistidas então o ministro Juscelino com sua equipe está estudando uma forma dessa integração também da rádio e da TV em conexão com internet com suas programações para estar atendendo lá na ponta a necessidade do nosso povo.

BRASIL 61: Então, de uma maneira geral, as perspectivas são boas?

CEZINHA: Eu tenho certeza que como ele está muito empenhado, e nós também estamos, cobrando também como parlamentares, e ele é um parlamentar que entende as nossas necessidades, vai dar um resultado muito bom.

BRASIL 61: O senhor tem o levantamento de quantas rádios existentes que já se modernizaram a ponto de ter essa integração entre rádio e internet através de um sistema multimídia, para usar melhor o sistema radiofônico e alavancar a educação?

CEZINHA: Nós temos sim. Nós temos alguns estudos. Eu posso te passar aí para te dar uma informação. Hoje, por exemplo, eu estou aqui com os estudos. Em um estudo da tudo Rádio, nós temos 68% das emissoras de rádio no Brasil que já se adaptaram à rádio com vídeo com a internet. Então, além do acesso ao daion no carro, lá na sua casa, no YouTube, no Facebook, nos aplicativos e assim sucessivamente. Mas tem uma grande quantidade que eu não sei te quantificar agora, te dar números exatamente. Mas eu me recordo aqui que é mais ou menos 1.900 e poucas rádios que ainda não fizeram essa migração e que passam por dificuldades, precisam aí de fato de um incentivo do Ministério das Comunicações do governo Federal.

BRASIL 61: Já estamos nos aproximando do final da entrevista. O Sr., enquanto presidente de Frente, quer adiantar ou trazer mais algum assunto importante voltado para esse setor que você está representando no Congresso Nacional?

CEZINHA: Nós temos também uma demanda muito grande de uma discussão que se tem agora no Congresso, que é do PL 2630, que é chamado de PL da Fake News, que na verdade fizeram uma Fake News com esse PL. Deram publicidade a algumas falas dizendo que esse PL viria censurar o radiodifusor, censurar o jornalista, censurar a população na internet e não é verdade.

BRASIL 61: O Sr. não acha que a população tem seus motivos para desconfiar que seja uma forma de normatizar uma censura que já está acontecendo, no Brasil?

CEZINHA: Eu mesmo, junto com o relator, crendo ali que ia ter um avanço, ajudei a construir o texto, para assegurar a liberdade de expressão, assegurar a liberdade religiosa e banir o crime de homofobia para quem fala o que dentro das regras da Constituição, dentro da liberdade de expressão, o que falam na internet e no rádio. É necessário fazer essa integração do rádio com as Big Tecs, da TV com essas Big Tecs, com a internet, para que a população consiga estar segura, lá na ponta. O mundo vive de comunicação e a internet ganhou um espaço muito grande, mesmo lá nos rincões do país, aonde não tem muito acesso, mas a pessoa tem o seu celularzinho lá e acessa a internet de alguma forma. E não é justo que essa pessoa acredite em uma mentira, que uma pessoa conta lá na internet e é irresponsabilidade. Não vai ter censura. Não é para ter censura.

BRASIL 61: Mas deputado, a Deep Web, por exemplo, é uma área da Internet usada ostensivamente por criminosos há cerca de 30 anos e nem o Congresso nem o Poder Judiciário nunca se mobilizaram para impedir que funcionasse ou que fosse regulada. Inclusive, a polícia descobriu recentemente que os autores do massacre da escola em Suzano planejaram o crime na Deep Web. Sem falar dos golpes em contas bancárias, que os bancos demoram a solucionar. O Sr. não acha que a população tem motivos para desconfiar que esse projeto de regulamentação de redes sociais seja apenas uma forma de validar juridicamente a censura e calar opositores do governo, uma vez que as autoridades nunca fizeram nada para impedir a ação do crime organizado, que não é novidade na era digital?

CEZINHA: Censura pode acontecer se nós deixarmos o STF legislar no nosso lugar. Aí pode vir. O chicote pode estalar. Mas se nós do Congresso tivermos a coragem, e o respeito com o cidadão, de discutir esse tema e aprovar algo seguro como está proposto, nós vamos trazer benefícios para o país, benefícios para o radiodifusor. Pense bem comigo: como o radiodifusor, seja rádio ou televisão, sempre teve uma estrutura muito grande para se manter, na área do cinema etc. E aí, pagam muitos impostos e tem a responsabilidade de falar a verdade. Tem que ter fonte a notícia, tem que ter fonte a informação. Eu não posso aceitar que um sujeito vá lá na internet e fale uma mentira de alguém na véspera de uma eleição, ou fale uma mentira de uma empresa. E depois volte lá e fale 'olha, mas não era'. Já tem milhões de compartilhamentos, como é que vai tirar isso do ar? Não tem para quem reclamar, não tem com quem falar.

 

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07/05/2023 18:15h

O advogado e mestre em Gestão de Riscos e Inteligência Artificial da Universidade de Brasília (UnB) destaca as implicações do avanço da inteligência artificial (IA) para o mundo contemporâneo

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A capacidade de plataformas de inteligência artificial (IA) como o Chat GPT imitarem a criatividade humana levanta questões como: a quem se atribui o direito autoral e a propriedade intelectual de um conteúdo criado por inteligência artificial? Uma vez que esta ferramenta utiliza uma extensa base de dados já existentes para desenvolver determinado conteúdo, como seria a definição de autoria?

Frank Ned Santa Cruz, advogado e mestre em Gestão de Riscos e Inteligência Artificial da Universidade de Brasília (UnB), explica que a IA realiza milhares de cálculos utilizando bases de dados distintas para chegar ao desenvolvimento de uma obra, por exemplo. Portanto, segundo o especialista, não é possível apontar a quem pertence o direito autoral de uma determinada criação de IA, já que várias obras existentes foram utilizadas como referência. Santa Cruz alerta, ainda, para a necessidade de o governo promover um “letramento digital” para que as pessoas não tenham seus espaços de trabalho ocupados por máquinas.  


Brasil 61: Qual a diferença entre propriedade intelectual e direito autoral? 

FN: A propriedade intelectual protege a ideia de uma inovação, a ideia de uma melhoria, a ideia posta no mercado, a nova ideia, para que outros não copiem livremente. Então propriedade intelectual protege a ideia, já direito autoral protege associação do criador à ideia. Uma coisa é desvinculada da outra. Propriedade intelectual, então, uma vez por meio de concessão de cessão, pode ser explorada comercialmente, mas não perde-se o vínculo do autor com a sua ideia. Nesse sentido, o direito autoral protege o vínculo do autor com a ideia. Sendo que o autor pode, claro, comercializar, ceder, vender a ideia, mas a ideia uma vez explorada comercialmente,  o autor sempre será o autor daquela ideia. 

Brasil 61: É possível atribuir autoria de um conteúdo criado por inteligência artificial?

FN: Atualmente, não é possível fazer atribuição de autoria a uma inteligência artificial. Por outro lado, nós percebemos atualmente uma grande evolução dessas técnicas. E quando eu digo grande evolução, não estou dizendo que existam novos algoritmos, muitos dos algoritmos utilizados são algoritmos dos anos 60, 70, mas nós temos atualmente uma grande capacidade de processamento, uma grande quantidade de dados. Dados esses cada vez mais estruturados e quando você une esses elementos, você tem uma equação que permite então algoritmos que realizam resultados bastante interessantes e impressionantes, que dão uma percepção de criação como se fosse uma mente humana. Entretanto, quando se fala em mente humana, nós falamos de uma coisa chamada ideação mental. E atualmente esses algoritmos  não possuem ainda ideação mental. Isso não quer dizer que no futuro isso não possa vir a acontecer, mas não é a realidade atual. 

Brasil 61: A inteligência artificial, como o Chat GPT, se baseia em obras já disponíveis na rede para criar um conteúdo. Nesse contexto, seria possível atribuir direito autoral ao criador da obra utilizada como base?

FN: Quando nós falamos de algoritmos que utilizam técnicas de machine learning e, dentro dela, deep learning, eles são treinados a partir de base de dados. Entretanto, as redes neurais artificiais realizam centenas ou milhares de cálculos. Então veja que necessariamente ela não é pautada em uma única base de dados, mas em um conjunto de base de dados. Da mesma forma, a mente humana, a mente criativa, mesmo quando ela produz uma nova obra, uma nova arte, ela não faz isso, necessariamente, a partir de uma única referência. Ela utiliza um complexo de referências. Então quer dizer que, se for comprovado que um algoritmo gerou uma nova visão de realidade a partir de uma única base de dados que está protegida por direito autoral e propriedade intelectual, poderia, sim, eventualmente, ter aí um viés de plágio. Mas isso não é algo fácil de ser comprovado. Por outro lado, se você fala para um algoritmo: produza um quadro semelhante a Van Gogh. Ele vai produzir uma nova obra que pode ter o traço de Van Gogh, mas que não foi produzida por Van Gogh e é uma nova obra. Isso é perfeitamente permitido no direito, aí não há nenhum problema de você ter essa nova obra, porque você não está fazendo um plágio ou fazendo uma comercialização indevida. Ele teve como referência um pintor de renome. 

Brasil 61: Quais pontos positivos e negativos da IA?

FN: A inteligência artificial tem uma infinidade de pontos positivos a partir do momento que utilizada para aumentar a prontidão ao risco. Por exemplo, podemos ter, e já temos, algoritmos que conseguem detectar com mais precisão que especialistas humanos, por exemplo, padrões de câncer de pele, de micro tumores cerebrais, onde o algoritmo que trata com padrões a partir de uma formação, uma preparação, baseada em  milhares ou milhões de ressonâncias magnéticas, ele tem uma acurácia muito maior que a do ser humano. Por outro lado, os algoritmos cada vez mais, a inteligência artificial dominando, por meio de técnicas computacionais  e matemáticas, esses espaços de reflexão, de aprendizagem, ela pode sim, e já vem acontecendo, colocar em risco a colocação no mercado de profissionais. Até então retirava-se o emprego de pessoas não qualificadas, agora ela traz uma ameaça concreta também a profissionais qualificados. 

Brasil 61: O que precisa ser feito para que a IA seja uma aliada e não uma substituta do ser humano no mercado de trabalho?

NF: O desafio que se apresenta em relação à sociedade e ao governo, para não ter o seu espaço laboral ocupado pela inteligência artificial, perpassa uma série de elementos. Entre eles podemos citar que, primeiro, precisamos acelerar o letramento digital para então as pessoas aprenderem a utilizar esses componentes de formas complementares a sua atuação profissional. Por outro lado, existe esse grande risco de os algoritmos de IA ocuparem um espaço que, até então, é um espaço unicamente humano, que é o espaço da criatividade. A partir do momento que nós temos algoritmos com potência, capacidade de serem criativos, existe o risco de o homem, cada vez mais, deixar de exercer essa criatividade, entregando isso a algoritmos e termos uma certa regressão. O risco já é estudado e mapeado, um conceito chamado de pós-humanidade. Então, enquanto sociedade e governo, eu penso que a primeira grande medida é o Estado instrumentalizar a sociedade por meio de campanhas, curso de formação, centro de pesquisa para acelerar o letramento digital.
 

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Infraestrutura
01/05/2023 04:00h

Em entrevista ao Brasil 61, o parlamentar mineiro que preside a frente disse que derrubada de vetos que afetam a ANM, sustentabilidade e modernização do setor serão prioridades da Frente Parlamentar da Mineração

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Lançada há pouco mais de um mês, a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável tem um plano de trabalho ambicioso. Em entrevista ao portal Brasil 61, o presidente do grupo, deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG), detalhou que a frente tem entre suas prioridades derrubar os vetos à melhoria da estrutura da Agência Nacional de Mineração (ANM) – responsável por regular e fiscalizar barragens e garimpos – modernizar o setor e ampliar de "4% para 30% o conhecimento geológico da riqueza mineral brasileira". 

Durante a conversa, o parlamentar descartou aumento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) cobrada das mineradoras, mas defendeu que os recursos arrecadados por estados e municípios com os chamados royalties da mineração sejam direcionados para investimentos que garantam o desenvolvimento e diversificação da economia dos entes da federação, uma vez que os minérios são "finitos". 

Confira a entrevista abaixo: 

Brasil 61: Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), o quadro de servidores está defasado em 68,7%. Além disso, funcionários públicos do órgão ganham 49% a menos, em média, do que os semelhantes que trabalham em outras agências reguladoras. Desde sua criação, a ANM também sofre com seguidos bloqueios orçamentários. A estruturação da agência está entre as prioridades da frente?

Deputado federal Zé Silva: "Sim. Caso não tenhamos uma agência forte em termos de orçamento e de profissionais qualificados e valorizados, o Brasil, além de correr riscos ao meio ambiente e à população, perderá competitividade. Se não tem uma agência com capacidade de avançar nos processos de autorização de mineração; depois de autorizar, fiscalizar, acompanhar e monitorar e também não tiver recursos de tecnologia moderna para fazer isso de forma ágil e com segurança jurídica, com certeza iremos – e já estamos – perdendo muitos recursos". 

Brasil 61: Os senhores também querem garantir que a agência possa utilizar, de fato, os recursos previstos na lei?

ZS: "Nós não estamos pedindo algo que venha onerar o Tesouro, porque a agência teria que ter 7% da CFEM. Ela está recebendo menos de 1%, sendo a segunda maior arrecadadora entre as agências reguladoras. A grande dissonância é que ela é a segunda que menos recebe recursos do governo federal. Ela garante a arrecadação e o governo não dá essa reciprocidade. Há, inclusive, uma prospecção de que, para cada um fiscal que nós aumentarmos, aumenta R$ 100 milhões na arrecadação de recursos que são sonegados. Para se ter uma ideia, tem aproximadamente um fiscal para [cada] sete mil empreendimentos. Ou seja, não há fiscalização"

Brasil 61: Na sua avaliação, qual será a decisão dos deputados e senadores sobre os vetos que impediram o destino de R$ 74 milhões para a ANM aumentar o quadro de funcionários e equiparar os salários de seus servidores aos de outras agências reguladoras? 

ZS: "Há um consenso para que os vetos sejam derrubados por essa compreensão do Congresso Nacional da importância de ter uma ANM estruturada. Há inclusive o apoio de outras frentes parlamentares pela derrubada, como a Frente Parlamentar da Agropecuária, até pela sinergia da mineração com a produção de insumos para o agro brasileiro. É fundamental a ANM estruturada, porque energia solar, energia eólica precisam muito da mineração. A reindustrialização do Brasil precisa e muito da mineração e só teremos esse insumo básico para esses eixos de desenvolvimento do país se a ANM for forte". 

Brasil 61: O próprio nome da frente parlamentar dá indícios de que os parlamentares vão trabalhar para que a exploração dos recursos minerais no país esteja acompanhada de medidas que garantam a sustentabilidade. Quais iniciativas para promover essa exploração consciente os senhores estão propondo?

ZS: "Sustentabilidade é uma ordem mundial. Não é nem questão de opção, mas o mundo precisa que todas as atividades desenvolvidas estejam cada vez impactando menos o meio ambiente. Estaremos desenvolvendo uma série de ações, conhecendo práticas no Brasil e fora do Brasil de mineração sustentável". 

Brasil 61: Outro objetivo da frente é aprimorar a legislação do setor, tendo como argumento que o Código de Mineração data de 1967. Que modernizações os parlamentares desejam discutir?

ZS: "Não só o Código de Mineração. Por exemplo, a legislação trabalhista de minas subterrâneas, que é de 1943, é excludente. Ela não permite a utilização da tecnologia da informação, com a chegada do 5G. Essa modernização do Código de Mineração é no sentido de adequar os desafios atuais, já que o código é muito antigo e, naquela época, nós não tínhamos o conhecimento da pesquisa, da ciência para o aproveitamento minerário utilizando técnicas modernas de recuperação, de mitigação dos impactos causados pela mineração e também a internet das coisas". 

Brasil 61: Há projetos de lei, como o 840/2022, que querem aumentar a taxação sobre as mineradoras. A frente vai apoiar a elevação da CFEM? 

ZS: "Há um consenso de não aumentar as alíquotas de arrecadação da CFEM. Há um consenso em torno de um projeto de minha autoria para garantir que os recursos da CFEM sejam melhor aplicados. Que ao invés da CFEM ser utilizada para despesas de custeio, que grande parte dela seja usada para investimento. Não aumentar a arrecadação, mas otimizar e dar mais transparência à aplicação da CFEM nos municípios e nos estados". 

Brasil 61: Quais são os outros objetivos da Frente da Mineração? 

ZS: "Há um trabalho para evitar o que nós chamamos de minério-dependência. Nós já estamos trabalhando para que quando começar uma exploração minerária, imediatamente as universidades e instituições, como a Embrapa, comecem a pesquisar atividades integradas à mineração para ter uma diversificação das atividades econômicas, porque a mineração é um bem finito. Tem também o conhecimento geológico. O Brasil conhece só 4% das suas riquezas minerais. Nós queremos que chegue a pelo menos a 30%. O Vale do Jequitinhonha, por exemplo. É a grande reserva de lítio do Brasil e quase que do mundo. É uma região deprimida economicamente, que precisa de riquezas para gerar renda, qualidade de vida e emprego, já que as questões climáticas para o agro lá não são tão favoráveis como em outras regiões". 

Agência que fiscaliza garimpos ilegais tem corte de R$ 75 milhões

Diretora da Agência Nacional de Mineração afirma que falta de funcionários prejudica arrecadação da CFEM

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24/04/2023 04:00h

Augusto Coutinho, deputado federal (Republicanos-PE) e coordenador da Frente Parlamentar Mista do Setor de Serviços, pontua que com o avanço da tecnologia está clara a necessidade de regulamentação do telesserviço

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No Congresso Nacional, parlamentares apreciam o Projeto de Lei 4326/21, que cria o Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas (Fuget). O Fundo é constituído, sobretudo, pelo valor de multas de condenações trabalhistas e administrativas impostas pela fiscalização do trabalho. Há, inclusive, uma ação no STF que questiona a demora para instituição do Fundo. Atualmente, o PL aguarda designação de relator na Comissão de Trabalho. 

O Fuget é um dos temas abordados na entrevista com o deputado federal Augusto Coutinho (REPUBLICANOS – PE), coordenador da Frente Parlamentar Mista do Setor de Serviços. O parlamentar também aborda pontos relacionados à reforma tributária e à regulamentação do telesserviço ou telemarketing, termo mais conhecido. 

Brasil 61 - Deputado, acerca do PL 4326/2021, que trata da criação do Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas, a Frente vê o avanço dessa medida como uma necessidade? Que tipo de benefício ela traria para o setor?

Deputado Augusto Coutinho - O grande benefício desse fundo é que o trabalhador fique agasalhado e assegurado de que efetivamente tem direito. Isso é algo muito importante, pois sabemos que, atualmente, as causas trabalhistas são o maior motivo de falência de uma empresa, por exemplo. Na verdade, à medida que se tem um fundo que garanta essas execuções, acredito que isso seja um avanço importante e, inclusive, uma das metas que a frente tem e que nós consolidamos nessa matéria.

Brasil 61 - No Brasil, muitas profissões ainda não são regulamentadas e entre elas está o telesserviço. O senhor entende que essa ocupação precisa passar por essa regulamentação? Que iniciativas a Frente propõe para alcançar esse objetivo e quais seriam os ganhos reais para esses trabalhadores?

AC - Eu não tenho dúvida. Hoje, com o avanço da tecnologia, das comunicações e da interação entre as pessoas, fica clara a necessidade de adequarmos a realidade dos serviços prestados. O telesserviço é, de fato, algo que tem uma tendência de crescimento muito grande e, portanto, é fundamental que haja essa regulamentação.

Brasil 61 - Uma das prioridades destacadas pela Frente é o alongamento do prazo para as execuções tributárias. No que consiste essa extensão, qual a problemática referente a esse ponto e como o colegiado pretende reverter esse quadro? Há algum impacto para o contribuinte?

AC - Primeiro, você regulamenta a profissão; segundo, à medida que se regulamenta e se aumenta a base de uso dessa profissão, estão sendo proporcionados ganhos reais ao trabalhador, para que ele tenha um maior campo de atuação nessa área de serviço. Tudo isso está atrelado e agregado, por exemplo, à reforma tributária. Esse sim é um tema de maior importância, porque temos que preservar e cuidar para que o setor de serviço não seja onerado ou prejudicado com essa reforma. E por isso, estamos muito atentos ao acompanhamento e ao desdobramento dessas ações.

Brasil 61 - Ainda dentro desse contexto tributário, mas falando especificamente da reforma tributária, o senhor avalia que se trata de uma medida prioritária para o setor?

AC - Hoje, principalmente em decorrência da pandemia, muitas empresas enfrentam problemas de ordem tributária e questões que incluem também os problemas previdenciários. Atualmente, existe uma demanda muito grande desse setor, pedindo para que o governo e o poder público façam algo para que possam renegociar esse passivo previdenciário, trabalhista e fiscal que as empresas têm, permitindo que elas se regularizem e retornem de forma escalonada a uma atividade normal.
 

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Saúde
17/04/2023 00:15h

Enfermidade acomete o fígado e pode provocar sérias consequências. Crianças menores de um ano devem tomar três doses da vacina para garantir a imunização

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Caderneta de Vacinação em dia é sinônimo de saúde bem cuidada. O documento colabora na prevenção de uma série de doenças, entre elas a hepatite B. Nos últimos anos, contudo, o Brasil não tem conseguido cumprir a meta de imunizar 95% das crianças menores de um ano contra a doença. Em 2022, segundo dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, 80,03% das crianças de até 30 dias tomaram a primeira dose da vacina.

Para saber mais sobre a importância da imunização e detalhes sobre a doença conversamos com a pesquisadora e coordenadora do Observa Infância Patricia Boccolini. O Observa Infância é uma iniciativa conjunta entre a Fiocruz e o Centro Arthur de Sá Earp Neto (Unifase), a Faculdade de Medicina de Petrópolis, que investiga, monitora e divulga dados e informações sobre a saúde de crianças de até 5 anos no país.

Brasíl 61: Patrícia, seja muito bem-vinda ao Brasil 61. Queria que você explicasse  o que é uma hepatite e qual a diferença entre os diferentes tipos de hepatites que existem no Brasil.

Patrícia Boccolini: O que diferencia é o vírus, o da Hepatite B, por exemplo, é um vírus que pode causar danos no fígado, e para ele a gente tem vacina. A vacina da Hepatite B é a principal forma de prevenção, porque depois a gente não tem um tratamento medicamentoso ou uma cura, digamos assim, então a principal forma é a prevenção com a vacinação ainda na infância, para crianças menores de um ano, a gente três doses, que é uma dose ao nascer, depois seguindo de duas doses, ou seja, é uma vacina multidoses, e que ela protege praticamente para a vida inteira, a criança e depois o adulto fica a vida inteira protegido contra esse vírus dessa hepatite B. A gente tem outras hepatites também de origem bacteriana, só que essa tem essa característica específica de a gente ter a vacina, e é uma vacina aplicada ainda na infância.

Brasil 61: Como está atualmente a situação da cobertura vacinal contra a Hepatite B no Brasil?

PB: Infelizmente, seguindo como os outros imunizantes, a cobertura vacinal está baixa. A cobertura vacinal para Hepatite B deveria ser, a nossa meta para essa faixa etária de menores de um ano, seria vacinar pelo menos de 95% de todo esse público menor de um ano e, por exemplo, no ano passado, a gente chegou a cerca de 75%, isso cobertura nacional. 
A gente tem umas disparidades regionais, estaduais e municipais muito grandes, a  gente tem uma heterogeneidade muito grande. Ou seja, nacionalmente a gente tem esse dado, que é bem abaixo dos 95%, só que a gente tem disparidades, ou seja, a gente tem municípios que essa cobertura não chegou nem a 20%, ou seja, a gente tem essas disparidades, e a gente sabe que a vacina funciona coletivamente, ela é uma proteção coletiva, então de muito pouco vai adiantar, por exemplo, uma cidade como o Rio de Janeiro ter atingido a meta, porém todas as cidades da região metropolitana não, porque as pessoas circulam, então por isso é importante a gente atacar essa heterogeneidade, ou seja, ter uma cobertura mais homogênea, aumentar a cobertura vacinal como um todo.
Então esse número nacional já traz um impacto por estar longe da meta, mas também vamos precisar ter um olhar particular porque ainda temos alguns municípios com uma cobertura que está muito aquém da que a gente precisa para realmente as crianças estarem imunizadas.
E um outro fato, como eu falei anteriormente, essa é uma vacina multidoses, e isso traz um outro complicador, por quê? A primeira dose é basicamente ao nascer, a gente toma ela junto com a BCG, nos primeiros dias de vida, e depois você toma mais duas doses com menos de um ano. 
Porém é muito comum a cobertura dessa primeira dose é até bem alta, só que depois a gente tem uma dificuldade em fechar esse ciclo, em completar essas três doses, e isso também é bem problemático porque a criança não está protegida se ela tomou só uma ou duas doses ela não está protegida contra  hepatite B, então é importante também isso, não só tomar a vacina mas completar o ciclo das três doses.

Brasil 61: E quais estratégias têm sido adotadas para completar esse  ciclo vacinal, aumentar a quantidade de crianças vacinadas, principalmente por causa dessa situação da peculiaridade de cada cidade, que faz que a cobertura seja tão heterogênea.

PB: As iniciativas obviamente vão variar de município para município, porque tem alguns questões que não são tão problemáticas em algumas cidades mas podem ser em outras. Por exemplos: a questão da busca ativa que está sendo muito usada agora, ou se não foi está começando a ser muito usada em alguns municípios, só que ela vai ser mais eficaz naqueles municípios onde a cobertura da atenção primária também é maior, onde você tem mais agentes, não é à toa que cobertura vacinal está intrinsecamente relacionada com a cobertura da atenção primária. 
Um dos resultados nossos do Observa Infância é esse: aqueles municípios que têm maiores coberturas de atenção básica eles geralmente também são municípios com melhores coberturas vacinais como um todo. Isso destaca a importância dessa busca ativa, desse agente comunitário, ele conhece seu território mais do que ninguém, então ele sabe quantas crianças tem ali, quantas crianças menores de um ano e quantas crianças que não tomaram, que estão com a caderneta incompleta por algum motivo, então esse é um recurso.
Tem municípios que já estão deixando o posto aberto por mais tempo, ou mais tarde, ou abrindo aos sábados, que a gente sabe que isso também é questão importante, de ter mais tempo para poder levar, os pais trabalham e muitas vezes não conseguem chegar a tempo para vacinar seus filhos. A questão que também está ali ligada à própria atenção básica, que são as dúvidas, que é essa questão de comunicação com a população. 

Não é só a vacina da hepatite B que é multidoses, existem outras vacinas multidoses. Nesse primeiro ano de vida, a criança vai quase mensalmente tomar várias doses de vacinas ao mesmo tempo, e isso muitas vezes pode confundir aquele pai, então por isso é importante não só a caderneta mas esse diálogo com esse profissional de saúde que está lá no posto para tirar as dúvidas e apontar a importância de estar vacinando, que é proteção contra várias doenças E isso é um ganho para a gente, porém muitas vezes faz surgir dúvidas na população. 

Se não vacinar seu filho a gente tem uma chance real de que doenças já erradicadas voltem, a gente tem sim, aconteceu com o sarampo por exemplo, em 2019 perdemos nosso selo de erradicação do sarampo em território nacional, porque em 2018 a gente teve várias surtos de sarampo no Brasil e desde então, esse é um dado também do Observatório Infância, de 2019 para cá a gente 26 óbitos de crianças menores de cinco anos por sarampo no Brasil. 26 óbitos de crianças por uma doença que a gente já tem a vacina e a vacina está disponível no SUS, e isso é uma situação que a gente tem tinha a décadas, e num intervalo de menos de cinco anos teve 26 óbitos, isso é muito chocante e é preciso que a gente explique para esses pais o que pode acontecer com seus filhos. 
Óbito é uma questão extrema, mas tem algumas doenças que também deixam sequelas importantes, como a pólio, que está erradicada do território nacional, mas a gente está com a cobertura  de poliomielite muito baixa, ou seja, é um risco real de retorno se a gente mantiver nossas coberturas baixas sim, porque a pólio ainda circula no mundo, a gente tem países ainda que a pólio é endêmica, então a gente precisa estar explicando para esses pais que não é porque ele não está vendo nenhuma criança com pólio de pólio que ela não existe mais, que ela foi erradicada do mundo. 

Brasil 61: E quando a pessoa já está infectada com hepatite B? Quais os principais sintomas, como essa doença é transmitida e como a pessoa se sente após a infecção?

PB: Ela vai começar a apresentar enjoos, dores, muitas vezes  a pessoa vai apresentar isso já na idade adulta, essa é uma vacina relativamente recente no calendário vacinal. Então a gente tem que tomar depois de adulto, agora para aquela pessoa que não tomou é importante que tome. Ela pode ser passada por contato sexual também, então ela é altamente contagiosa, e a única prevenção é a vacina. 
E os sintomas são muito semelhantes aos de uma virose, então muitas vezes a pessoa demora a procurar atendimento porque ela acha que é algum resfriado, alguma coisa com pouca gravidade, porém é importante estar atento a isso principalmente se você nunca tomou a vacina, é importante estar atento a esses sintomas, porque ela pode acarretar danos permanentes ao fígado, câncer de fígado, e a óbito também. E conviver com uma doença crônica no fígado tem realmente muita gravidade, e a gente tem óbitos de hepatite B no Brasil, mas não recente de crianças.

Brasil 61: Como acontece o diagnóstico?

PB: Após esses primeiros sintomas você vai ter que procurar o médico e aí ele vai começar a fazer algumas perguntas e descartar. A primeira pergunta que é feita é se você foi ou não vacinado. Aí você tem alguns testes que você pode fazer para fechar o diagnóstico da doença, que não é um diagnóstico apenas clínico, ele também tem alguns exames que você pode fazer.

Brasil 61: E o tratamento?

PB: O tratamento é basicamente você ficar convivendo, não tem uma cura, por isso é importante a vacina. Você tem uma prevenção contra a  doença, porque uma vez que você tenha a doença os tratamentos vão ser a depender da  gravidade de cada paciente e você não tem medicamento direcionado para isso. Você vai ter que conviver com aquilo e algumas questões mais paliativas para você conviver com o vírus. Isso é importante frisar, a gente não tem uma cura. Você vai tratando os sintomas daquela doença, você não trata a doença, por isso que é importante a gente estar frisando a importância da vacinação, que o principal remédio, digamos assim, é a vacina.

Brasil 61: Agora a gente deixa o espaço aberto para suas considerações finais.

PB: É importante que a gente sempre mantenha as cadernetas das crianças atualizadas, nosso calendário vacinal é muito rico, protege contra várias doenças, e doenças que podem gerar sequelas e gerar óbitos nas crianças, e são vacinas que estão disponíveis no SUS de forma gratuita. 
Então é importante que a gente vacine nossos filhos, entenda a importância disso e fique atento também a essas vacinas que são um pouquinho mais complexas no sentido de ter duas ou três doses, que é importante a gente fechar o ciclo para de fato estar protegido contra aquela doença específica. E que não tem problema nenhum tomar várias vacinas juntas, o calendário está dividido a ponto de, se tem alguma vacina que não pode ser tomada junta, ela já está separada, como a da febre amarela, que se dá quando a criança está com 11 meses, e se dá sozinha. Então é importante a caderneta estar sempre atualizada, que é uma das principais coisas que a gente pode fazer pelos nossos filhos.
 

 

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Educação
10/04/2023 04:15h

Em entrevista ao Brasil61.com, o coordenador do curso de Pedagogia da UnB, Paulo Henrique de Felipe, pontua principais motivos que levaram ao impasse causado sobre a proposta, suspensa por 60 dias pelo atual governo

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O Ministério da Educação anunciou, no último dia 4 de abril, a suspensão,  por 60 dias, do cronograma do modelo de ensino conhecido como Novo Ensino Médio. A implementação da medida já estava em vigor e avançava  por etapas. 

No ano passado, o projeto foi incorporado na rotina dos estudantes do 1º ano do Ensino Médio. Em 2023, o modelo estava em curso para adoção pelo 2º ano. A previsão era de que, em 2024, a reforma chegasse ao 3º ano e ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Para entender as mudanças, o Brasil61.com conversou com o coordenador do curso de Pedagogia noturno da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Henrique de Felipe.

Brasil 61:  O que é o Novo Ensino Médio e porque existe esse debate sobre o tema?

Paulo Henrique: O novo Ensino Médio é uma proposta que surgiu como uma Medida Provisória em 2016, ainda durante o governo do presidente Michel Temer. Ele surge como uma Medida Provisória e, um ano depois, em 2017, ele se tornou uma Lei, a 13.415. O que essa Lei propõe? Ela propõe, de fato, uma reforma do Ensino Médio que, basicamente, envolveria duas coisas: o aumento da carga horária do Ensino Médio, então a gente teria de 2022 a 2024 o aumento da carga horária em mil horas. Em 2022, a gente teria o 1º ano do Ensino Médio com mil horas; em 2023, o 2º ano com mil horas e, por fim; em 2024, o 3º ano com mil horas. Então, o Ensino Médio passaria a ter 3 mil horas-aulas. Além disso, basicamente aumentar essa quantidade de carga horária, propõe uma reorganização do currículo, que passaria a ser composto por disciplinas de uma formação geral comum, que são as disciplinas da Base Nacional Comum Curricular, que a gente já conhece, basicamente português, matemática, ciências, história. A carga horária seria composta, em parte, por essas disciplinas de formação geral comum, e uma outra parte composta pelo que a proposta chama de itinerários formativos, que seriam disciplinas ligadas a essas áreas que os alunos podiam fazer também durante o Ensino Médio. Então, basicamente, o que a gente teria era a divisão dessas três mil horas para cumprir. A gente teria 1.800 horas para cumprir na formação geral comum, e as outras horas para a gente cumprir os itinerários formativos.

Brasil 61: Quais as principais diferenças entre os modelos que estão sob debate?

Paulo Henrique: É basicamente essa diferença em relação à carga horária e à proposta de reorganização. O debate em torno disso é em relação a como essa proposta do governo, de 2016 para cá, implementada em 2017, tem sido recebida e se, de fato, essa proposta beneficia a educação pública do país. 

Brasil 61: Quais os principais pontos que têm dividido opiniões dentro do atual governo?

Paulo Henrique: A gente aumenta a carga horária das escolas. Então a gente está aumentando a carga horária do Ensino Médio para três mil horas. Isso significa que os alunos vão ter que ter mais tempo na escola. Isso significa que os alunos também vão ter que ter mais disciplinas dentro da escola. Bom, se o aluno vai ficar durante mais tempo na escola, isso significa que as escolas precisam de salas de aula, que as escolas precisam de novos espaços, precisam de novos professores. Então, a gente vai precisar de sala de aula, a gente vai precisar de professor, a gente vai precisar do corpo técnico da escola preparado, mas a gente não tem. Então, o que acontece? O grande debate é porque existe uma medida que é imposta, mas essa medida não diz como e não dá meios pra que a gente consiga fazer isso de forma eficiente.

Brasil 61: Como essa possível mudança altera a vida dos estudantes? 

Paulo Henrique: De muitas formas. Primeiro, porque o estudante não é só o estudante, o estudante é a escola, e a escola é o estudante. Quando você, por exemplo, tem uma proposta que é feita sem reflexão, você está desrespeitando o próprio estudante, porque o estudante está recebendo de forma passiva uma proposta pela qual não houve discussão. Você desconsidera e desrespeita os estudantes, porque você desconsidera as especificações das escolas. 

Brasil 61: Com essa suspensão, considerada provisória, a situação não vai ficar ainda mais confusa nas escolas? Que tipo de solução poderia ser dada?

Paulo Henrique: A suspensão é de 60 dias, então acho que ela não vai causar nenhum prejuízo para as escolas, porque essa implementação demoraria um tempo para acontecer. Essa suspensão é necessária para que a gente possa ouvir o setor. 


 

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