Em votação simbólica, a Câmara dos Deputados aprovou nesta sexta-feira (7), o texto-base do projeto de lei que retoma o voto de qualidade nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O texto agora segue para o Senado Federal. Com a aprovação da matéria a União passa a ter direito ao voto de minerva no caso de empate nas análises.
O Carf julga disputas entre contribuintes e o Fisco. Com a reintegração do voto de qualidade, os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que são os presidentes de turmas e câmaras no Carf, poderão em tese desempatar as votações a favor da União.
Durante a votação, o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) destacou que a volta do voto de qualidade prejudica o contribuinte.
“Nós vamos voltar a prejudicar o empresário, o empreendedor, aquele que emprega nesse país que se pagou algo errado, segundo o fisco. Estou falando aqui que em caso de desempate, nós vamos prejudicar o contribuinte, o empregador, aquele que gera emprego nesse país que gera renda. Aí é prejudicial mesmo”, disse.
Desde 2020, a Lei 13.988/20 estabelecia que os empates no Carf fossem decididos a favor do contribuinte. O projeto trazia como justificativa a busca de decisões mais imparciais no julgamento dos processos fiscais em âmbito administrativo.
Segundo a advogada especialista em direito tributário Mirian Lavocat, de acordo com a lei, havendo empate no julgamento do caso, o correto seria a decisão ser resolvida em favor do contribuinte. Para a tributarista, a volta do voto de qualidade é uma ofensa ao processo constitucional.
"É inaceitável você tem que ter uma ampla defesa, tem que ter um contraditório, que são princípios mínimos que nós temos dentro da Constituição de 88. Quando você tem oito pessoas julgando e elas não chegam a uma conclusão, a quem você daria o desempate: a favor do contribuinte ou a própria Fazenda?”, ressalta.
As mudanças nas regras fazem parte de uma medida anunciada pelo governo em janeiro, como parte do pacote fiscal para conseguir contornar a previsão de um déficit público de R$ 231,5 bilhões. Segundo o governo, poderiam ser arrecadados R$ 59 bilhões com a medida.
Além da retomada do voto de qualidade, o texto estabelece prazo de 90 dias para que o contribuinte apresente uma proposta de pagamento do valor principal da dívida sem incidência de juros nos processos em que o voto de qualidade for favorável ao fisco. O pagamento do débito poderá ser feito em 12 meses. Caso não se utilize dessas condições, o contribuinte pode recorrer ao Judiciário sem precisar apresentar uma garantia, como é feito hoje.
Os contribuintes que confessarem de forma espontânea que têm débitos tributários e efetuar o pagamento, à vista ou parcelado, dos tributos federais devidos terá a multa perdoada e descontos nos juros. Se for à vista, o desconto será de 100% nos juros. Se a quitação ocorrer em 12 vezes, haverá redução de 75% nos juros, por exemplo.
O texto também limita em 60 salários mínimos (79,2 mil), a alçada para que os contribuintes possam recorrer ao Carf. No texto inicial, o governo havia proposto 1.000 salários mínimos (1,32 milhão).
O PL do Carf impedia a votação de uma outra matéria que está em discussão na Câmara: o arcabouço fiscal. O texto do arcabouço fiscal foi aprovado pela Câmara, mas, no Senado, sofreu alterações. Agora, os deputados têm de analisar as mudanças aprovadas pelos senadores. A proposta que também é prioritária para o governo deverá ser votada somente em agosto após o recesso parlamentar.
Após dois adiamentos, o projeto (PL 2.384/2023) que muda as regras de funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) deve ser votado nesta semana, na Câmara dos Deputados. A principal mudança é a retomada do chamado voto de qualidade, que serve como desempate em julgamentos de recursos que tratam de demandas tributárias. O texto prevê ainda que apenas as disputas que envolvam quantias superiores a mil salários mínimos poderão ser objeto do Carf. Antes, o limite era de 60 salários.
As alterações, propostas no relatório do deputado Beto Pereira (PSDB-MS), tendem a ser positivas apenas para o governo, apesar das emendas que afastam multas e juros dos contribuintes em casos decididos pelo voto de qualidade. Esta é a avaliação do advogado tributarista Sérgio Cavalheiro.
“O melhor para os contribuintes e empresas seria o formato da Lei 13.988 de 2020, que previa que, em situações de empate, o critério para desempatar os julgamentos do Carf seria uma decisão favorável aos contribuintes. Portanto, o impasse sempre seria favorável às empresas. Então, o que se tem é uma solução de meio do caminho: desempatou para o governo, mas o governo cobra o principal que seria o montante a recolher de tributo e expurga o que seriam os acréscimos”, pontua.
O Carf é um órgão colegiado, formado por representantes do Estado e da sociedade, responsável por julgar em segunda instância administrativa pendências judiciais em matéria tributária e aduaneira, como importação e exportação de mercadorias. O projeto prevê que o contribuinte tenha até 90 dias para propor um acordo de pagamento do valor principal sem a incidência de juros nos processos em que o voto de qualidade for favorável ao fisco. O prazo para pagamento é de 12 meses. Caso não se utilize dessas condições, o contribuinte pode acionar o Judiciário quando entender que há divergências em relação à aplicação das leis tributárias, antes do depósito de garantia.
Inicialmente, a retomada do voto de qualidade foi inserida na Medida Provisória 1160/2023, anunciada pelo governo em janeiro, como parte do pacote fiscal de R$ 59 bilhões que pretendia melhorar as contas públicas. Para o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), apesar das melhorias na proposta, o ideal seria prevalecer o direito do contribuinte em caso de empate.
“Nós ainda continuamos firmes na nossa posição de que o melhor seria, em caso de dúvida, o voto pró-contribuinte. Este é o teor do que foi votado há dois anos nessa Casa, nada mudou de lá para cá, apenas o governo. E o governo entende que esse é o momento de arrecadar e o Carf não é feito para isso. O Carf é uma instância administrativa, temos certeza que as empresas que perderem por voto de qualidade vão ajuizar os seus débitos. E isso não vai gerar arrecadação tão cedo”, alerta.
A previsão é que a matéria seja votada na Câmara dos Deputados nesta semana, até para destravar a pauta da Casa que impede a votação do arcabouço fiscal e da reforma tributária.
Em nota, deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) criticaram, na última terça-feira (4), a possível volta do voto de qualidade.
“Acreditamos que o Governo Federal não deve tentar promover a arrecadação a qualquer custo, notadamente quando pretende ferir de morte os preceitos constitucionais que protegem os contribuintes. De tal forma, o CARF deve funcionar como um tribunal administrativo que garanta a imparcialidade necessária de tratamento entre os interessados. Não se pode esperar do Conselho um favorecimento ao Fisco e tampouco ao contribuinte”, diz trecho do comunicado oficial publicado no site da FPA.
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A cada 100 autos de infração lançados pela fiscalização tributária, 47 são revistos já pela Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ). O dado é da Lista de Alto Risco de Administração Tributária Federal, do Tribunal de Contas da União (TCU).
Além disso, dos 53 autos apreciados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), 24 são julgados a favor do contribuinte, de modo que apenas 29 autos de infração, em média, são confirmados. O TCU também aponta que, do total do valor dos lançamentos fiscais, apenas 5% são realmente arrecadados aos cofres públicos.
A professora de contabilidade Marina Prieto explica que a Receita Federal utiliza um sistema de cruzamento de dados para realizar o processo de fiscalização de forma a ser mais eficiente.
“O sistema que foi desenvolvido pela RFB trabalha tanto os dados que já estão em sua base quanto os dados que estão sendo lançados atualmente por terceiros. Com isso, é possível identificar se está acontecendo alguma irregularidade fiscal. Quando há divergência nas informações do sistema, instaura um procedimento para fiscalizar o ocorrido e apurar se houve fraude. Detectando essa irregularidade, a pessoa fica sujeita a penalidades, como cobrança de crédito, incluindo multas e juros, e corre o risco de ter que se defender administrativamente”, explica.
No entanto, de acordo com os dados do TCU, o processo que se destina a resolver os conflitos entre fisco e contribuinte (contencioso) pode estar comprometido em âmbito administrativo e judicial. Além dos dados que são revistos, a Lista de Alto Risco de Administração Tributária Federal indica que o tempo médio de duração do contencioso administrativo tributário é superior ao prazo legal de 360 dias (Lei 11.457/2007), sendo de: 2,6 anos nas DRJs; 4 anos no Carf; e 9 anos na execução fiscal, a cargo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
As informações do TCU indicam que fiscalização tem sido pouco efetiva, além de gerar custos de defesa do contribuinte e da própria atividade de fiscalização e de julgamento do lançamento. Segundo a agenda “12 compromissos para um Brasil Competitivo”, lançada pelo Movimento Brasil Competitivo, o Brasil possui um contencioso tributário de R$ 5,4 trilhões, o que representa 7% do PIB. Os problemas apontados são as múltiplas legislações, interpretações e conflitos entre os entes federativos e 1.500 horas gastas para o pagamento de impostos, sendo que mais da metade delas (885) destinadas a tributos indiretos.
Para o deputado federal Domingos Sávio (PL-MG), a atividade de fiscalização da Receita Federal reflete a necessidade de uma reforma tributária no Brasil.
“A nossa legislação é tão complicada que nem o auditor fiscal consegue interpretá-la corretamente. Você já pensou, um país que tem uma legislação fiscal em que o auditor fiscal tem quase 80% das multas aplicadas sendo revistas ou sendo consideradas inadequadas? Então tem alguma coisa muito errada na legislação tributária brasileira, que precisa ser corrigida”, ressalta.
O retorno do voto de qualidade não é o único nó a ser desatado entre governo e Congresso na medida provisória do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a MP 1160/2023. O texto prevê ainda que poderão ser objeto do Carf apenas questões que envolvam quantias superiores a mil salários mínimos. Antes da mudança, o limite era de 60 salários. Com a alteração, o conselho apreciará apenas processos acima de R$ 1,3 milhão, muito além do limite anterior de R$ 78,1 mil.
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Autora de três emendas à MP do Carf, a deputada federal Greyce Elias (AVANTE-MG) ressalta que a medida prejudica o pequeno e o médio empresário, pois retira o direito à discussão no nível administrativo.
“Quando a gente tem o direito garantido para que todos possam ter uma discussão a nível recursal, administrativo, temos a possibilidade de tentar solucionar as questões tributárias de forma mais célere e também menos onerosa. O Poder Judiciário no Brasil, hoje, além de obrigar o contribuinte a ter acesso a um advogado a entrar na Justiça, a pagar todas as taxas, ainda temos o problema de não saber quando ele vai ser julgado”, aponta.
Na regulação que trouxe a alteração da alçada, existe ainda a previsão de que o fisco pode judicializar a disputa, quando sair derrotado das esferas administrativas, como explica o advogado e sócio do escritório Carvalho & Cavalheiro, Sérgio Cavalheiro.
“Quando o fisco perdia no Carf, não poderia ir para o Judiciário questionar a decisão e a interpretação legal dada pelo Carf. Agora não, com essa mudança normativa, existe a possibilidade de ida do fisco ao judiciário para questionar a decisão em sede administrativa. Talvez se reduza um pouco o volume de casos de disputas administrativas, mas, por outro lado, a gente pode estar trazendo um aumento de litigiosidade no Judiciário”, explica.
Para o advogado, além do aumento da litigiosidade no Poder Judiciário, a medida pode afetar negativamente os contribuintes.
“Em casos de valores menores, se o fisco resolver litigar, obviamente, isso traz novos custos aos contribuintes. Eles vão ter que enfrentar a disputa judicial, pagar advogados etc. Em valores de causa menores, isso pode trazer um efeito econômico financeiro importante”, diz.
Vale ressaltar que, em setembro de 2022, a comissão de juristas criada pelo Senado Federal e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o trabalho de modernização dos processos administrativo e tributário, mediante a apresentação de dez projetos de lei.
As propostas estão tramitando pelo Senado e tem como objetivo realizar melhorias no contencioso administrativo de forma não unilateral em todo o território nacional. O texto visa garantir o direito constitucional da duração razoável do processo, evitando, inclusive, a judicialização das questões tributárias.
Um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa e Ensino (Insper) mostra que, de 2017 a 2020, o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) garantiu 79% do valor dos créditos tributários em disputa para a Fazenda Nacional. Isso quer dizer que dos R$ 248 bilhões envolvidos em julgamentos entre os contribuintes e a União, o voto de minerva no colegiado assegurou cerca de R$ 196,3 bi para o governo federal, contra R$ 51,7 bi para cidadãos e empresas.
O Carf é um conselho paritário que julga em última instância os litígios tributários entre os contribuintes e a União. Até 2020, quando a votação sobre um processo terminava empatada, cabia ao presidente da turma – um representante da Fazenda – desempatar o julgamento, o chamado voto de qualidade. Mas o Congresso Nacional aprovou uma lei que determinava que, em caso de empate, a vitória deveria ficar com o contribuinte, isto é, a pessoa física ou jurídica envolvida no processo.
No início deste ano, o governo Lula editou uma medida provisória que restabeleceu o voto de qualidade. A decisão gerou críticas do setor produtivo, especialistas e parlamentares, porque, com a volta do voto de desempate pelo representante da Fazenda, teme-se que as decisões comecem a pender para o lado do Fisco, como o estudo publicado pelo Insper aponta.
Especialista em impostos, Mateus Ribeiro, coordenador tributário no escritório Macedo & Andrade, diz que a complexidade do sistema tributário onera as empresas brasileiras em mais de R$ 180 bilhões por ano, o que contribui para o aumento dos litígios em torno dos tributos. Ele diz que, em um contexto em que as contas públicas estão fragilizadas, o voto de qualidade pode ferir a imparcialidade dos julgamentos no Carf. "Estamos passando por um cenário de crise fiscal e isso, infelizmente, tem levado os julgadores para um apelo que, ao invés de julgar de acordo com regras de direito, julgam de acordo com regras políticas, visando aumento de arrecadação e também tem sido impostas regras diferentes para situações iguais, que favorecem o Fisco e não o contribuinte."
O deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) acredita que a retomada do voto de qualidade vai prejudicar o contribuinte. Ele é autor de uma emenda que pede o fim do voto de minerva no Carf. "O grande prejudicado é o contribuinte. É bem provável que esse voto desempate seja em benefício do governo e não do contribuinte. Então, quero manter a possibilidade de que os beneficiários sejam os contribuintes."
Segundo o parlamentar, o fato de o Executivo ter anunciado a MP como parte de um pacote que tem o objetivo de aumentar a arrecadação federal indica que o Carf poderá se tornar parcial.
"O governo está numa sanha arrecadatória. Esse tipo de política é destrutiva da sociedade. Vejo essa perversão atingindo o que deveriam ser instituições isentas para estabilização do nosso país. As agências reguladoras e o Carf não são entidades para cobrar, multar. São para dar conselhos e dar resolução de algumas disputas. A gente tem que tirar essa motivação de ser mais um órgão arrecadatório e que também pode agir como alavanca política dentro dos setores da economia", critica.
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O voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) prejudica o contribuinte e sobrecarrega o Judiciário. Essa é a posição da advogada tributarista Mirian Lavocat.
“Muitas vezes são situações impagáveis que limitam o acesso do contribuinte ao Judiciário, diferentemente da Fazenda. Além de sobrecarregar o Judiciário, isso é muito caro para o contribuinte, seja ele uma pessoa física, seja ele uma pessoa jurídica. Sempre há uma dificuldade natural de você ter que depositar um determinado valor para poder discutir se você é inocente ou não”, afirma.
O Carf voltou ao foco das discussões desde que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou mudanças no voto de qualidade como uma das formas de reajuste fiscal. O conselho, criado em 2009, tem como objetivo discutir os autos de infração lavrados.
Autor de duas emendas à MP 1160/2023, o deputado federal Tenente Coronel Luciano Zucco (Republicanos-RS) considera o texto que beneficia o fisco na hipótese de empate no Carf uma injustiça fiscal com os contribuintes brasileiros.
“É preciso seguir o princípio in dubio pro reo. Segundo o qual, em caso de dúvida, a decisão é em benefício do réu no processo penal, ou seja, a condenação só pode ser imposta na certeza do cometimento do crime. Eu até entendo a necessidade da Fazenda em querer fazer caixa. No entanto, isso não pode ser feito à custa de quem gera emprego e renda no país”, aponta.
O governo federal vem cedendo e fazendo concessões para evitar a derrubada da MP do Carf. Após deliberações com a OAB, o ministro aceitou a proposta encaminhada pela entidade para isentar multas e juros do contribuinte derrotado pelo voto de desempate do governo nos julgamentos do órgão.
A MP 1160/2023 está em análise pela comissão mista que é formada por deputados e senadores. Caso seja aprovado o parecer na comissão mista, o texto segue para o Plenário da Câmara e, em seguida, para o Plenário do Senado.
O Carf tem composição paritária, ou seja, possui integrantes da Fazenda Nacional e integrantes indicados pelos contribuintes. Segundo a tributarista Mirian Lavocat, por esse motivo, o voto de qualidade é utilizado toda vez que se tem um empate no conselho.
“As câmaras baixas contam com oito representantes, quatro da Fazenda e quatro contribuintes. Quem preside a Câmara é sempre um representante da Fazenda e o vice-presidente dos conselhos de contribuintes, quando nós temos um julgamento e esse julgamento termina em empate, é necessário, então o voto de qualidade”, explica.
O voto de qualidade havia sido extinto em 2020 pela Lei 13.988/2020. De acordo com a legislação, nos casos de empate no julgamento, prevaleceria o entendimento favorável ao contribuinte.
Com a edição da medida provisória 1160/2023, em janeiro deste ano, o voto de qualidade voltou a ser regra, o que leva as decisões a serem desempatadas a favor da Fazenda.
Uma portaria da Receita Federal regulamentou os recursos dos contribuintes em disputas tributárias com a União consideradas de baixa complexidade. A norma dá contornos mais claros à parte da medida provisória 1160/2023, que retomou o voto de qualidade no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A portaria foi publicada pela Secretaria da Receita Federal em 22 de fevereiro.
Além de restabelecer o voto de qualidade para o desempate de disputas tributárias entre contribuintes e o Fisco, a MP do governo Lula ampliou de 60 para mil salários-mínimos (o equivalente a R$ 1,3 milhão) o valor mínimo para que os pequenos litígios sejam julgados pelo Carf. Segundo a regra que estava em vigor antes da medida provisória, as pessoas ou empresas cujas disputas envolviam, ao menos, R$ 78.120,00 teriam o direito de recorrer ao colegiado.
O que a portaria da Receita Federal faz é regulamentar essa alteração, que terá impacto, sobretudo, para pessoas físicas, pequenas, micro e médias empresas. De acordo com a norma, as disputas sobre tributos consideradas de baixa complexidade, ou seja, de até R$ 1,3 mi, passam a ser julgadas apenas pelas Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJ).
Segundo o deputado federal Evair Vieira de Melo (PP-ES), as mudanças promovidas pelo governo via medida provisória não são positivas para os contribuintes. O parlamentar defende que o Congresso Nacional retome as regras que estavam em vigor.
"[O nosso objetivo é] manter o texto da forma que está hoje. Está funcionando, está incentivando os consumidores, o sistema absorveu. E é fácil observar que não tem nenhuma clareza que essa mudança vai trazer algum benefício para as pessoas. Vai ser um retrocesso, vai ser lamentável se nós dermos esse passo atrás."
O julgamento desses processos vai ocorrer nas DRJs, em primeira instância, por decisão monocrática. Caso o contribuinte ou o Fisco não concordem com a decisão, a análise se dará em última instância, por decisão colegiada, também na DRJ. Assim, o Carf passa a concentrar os casos de maior valor.
A vice-presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Letícia Amaral, lembra que a limitação para acesso dos pequenos litígios ao Carf foi aprovada em 2020 pelo Congresso Nacional. Mas se antes os processos de, pelo menos, 60 salários-mínimos podiam recorrer ao colegiado, agora o limite ficou mais alto.
"Eles limitaram o acesso ao Carf, mas mantiveram uma dupla jurisdição dentro da delegacia de julgamento. Então, para não tornar inconstitucional a medida, previram uma segunda instância, dentro da DRJ, para que o Carf concentre os casos de maior representatividade em termos financeiros", explica.
A expectativa da Receita Federal é de que a regulamentação vai diminuir o tempo médio de julgamento dos processos de pequeno valor e de baixa complexidade. O órgão também estima que as mudanças vão reduzir em cerca de 70% a quantidade de processos que vão parar no Carf, o que tende a impactar o tempo médio de permanência em contencioso dos processos mais complexos e de quantias significativas.
A portaria também prevê a formação de lotes repetitivos para agilizar os julgamentos nas DRJs. Na prática, quando recursos que tratem de assuntos parecidos forem avaliados, apenas um processo será submetido à relatoria e o resultado será aplicado aos demais processos do chamado lote de repetitivos.
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Além da volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais Carf), a medida provisória 1160/2023 ampliou de 60 para mil salários mínimos o valor mínimo para que as disputas tributárias entre contribuintes e o Fisco possam ser julgadas pelo colegiado. A medida é alvo de críticas de parlamentares, especialistas e do setor produtivo, pois torna a apreciação pelo Carf acessível apenas às grandes empresas.
Na prática, apenas os processos administrativos que superem o valor de mil salários mínimos, o equivalente, hoje, a mais de R$ 1,3 milhão, seriam julgados pelo Carf. Segundo a regra que estava em vigor antes da medida provisória, os contribuintes com disputas envolvendo, pelo menos, R$ 78.120,00 teriam direito de apelar ao Carf.
O deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA) afirma que a mudança vai prejudicar os contribuintes cujas disputas tributárias com a União não sejam tão elevadas.
"A maioria das empresas brasileiras nem tem faturamento de R$ 1,3 milhão. Imagina multa. Então, você vai deixar o Carf restrito a grandes empresas. Ou seja, o pequeno e o médio no Brasil não vão ter chance de recurso administrativo. Você está tolhendo pequenas e médias empresas a poder questionar o seu débito ou a sua multa de forma administrativa e não de forma judicial", critica.
Segundo a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Letícia Amaral, as disputas tributárias entre empresas ou pessoas físicas e a União começam a ser julgadas, em primeira instância, em uma das Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJ). O Carf, portanto, funciona como uma segunda e última instância para que os contribuintes que se sintam prejudicados possam recorrer ainda na esfera administrativa, ou seja, sem envolver o Judiciário.
Ela explica que, em 2020, quando o Congresso Nacional acabou com o voto de qualidade, os parlamentares definiram o valor mínimo de 60 salários mínimos para que as disputas tributárias pudessem ser analisadas pelo Carf. "Eles limitaram o acesso ao Carf, mas mantiveram uma dupla jurisdição dentro da delegacia de julgamento. Então, para não tornar inconstitucional a medida, previram uma segunda instância, dentro da DRJ, para que Carf concentre os casos de maior vulto, de maior representatividade em termos financeiros", explica.
A MP do governo tornou mais restrito ainda o acesso ao conselho. Com isso, todos os processos administrativos tributários de até R$ 1,3 milhão, aproximadamente, serão apreciados apenas na DRJ, não tendo mais a possibilidade de irem para o Carf.
De acordo com Passarinho, para continuar se defendendo, o pequeno contribuinte terá que levar a disputa para o Judiciário, o que tende a aumentar os custos para as empresas e os cidadãos, além da duração do processo tributário. Micro, pequenas e médias empresas, segundo o parlamentar, saem no prejuízo.
"Isso vai trazer uma demanda maior ainda para cima do Judiciário, que não tem uma especialização tributária para fazer esse acompanhamento e julgamento de um débito tributário, porque é muito específico. Se a maioria dos tributaristas não conseguem resolver, como você vai jogar isso pra justiça se você está tirando mais de 80% das empresas que podem procurar o Carf", avalia.
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Desde 2020, a Lei 13.988/20 estabelecia que os empates fossem decididos a favor do contribuinte. O projeto trazia como justificativa a busca de decisões mais imparciais no julgamento dos processos fiscais em âmbito administrativo.
Com a reintegração do voto de qualidade, os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que são os presidentes de turmas e câmaras no Carf, poderão desempatar as votações a favor da União.
A retomada do voto de qualidade veio inicialmente em forma da medida provisória 1160/2023, anunciada pelo governo em janeiro deste ano, como parte do pacote fiscal que pretende melhorar as contas públicas.
A MP tem força de lei e já está valendo para os processos que são julgados no Carf. O Congresso Nacional tem 60 dias para analisá-la. O prazo é prorrogável por mais 60 dias, caso Câmara e Senado não tenham votado a medida.
O presidente da Frente Parlamentar Mista do Empreendedorismo, deputado federal Marco Bertaiolli (PSD–SP), afirmou, nesta terça-feira (28), que não há clima favorável no Congresso Nacional para aprovação da medida provisória 1160/2023. Editada pelo governo Lula em janeiro, a MP restabeleceu o voto de qualidade como critério de desempate para as disputas tributárias entre os contribuintes e o Fisco no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf.
"O meu sentimento, hoje, conversando com diversos parlamentares, é de que ainda não há um ambiente positivo para aprovação dessa medida provisória", disse o deputado em evento que reuniu parlamentares e representantes do governo federal para discutir a MP.
Bertaiolli disse que a frente parlamentar é contra o texto que foi apresentado pelo governo. Segundo o deputado, o governo não deveria reinstituir o voto de qualidade com o objetivo de arrecadar mais. "Olhar esse bolo contencioso de R$ 1 trilhão que está lá agora e querer que isso se transforme numa arrecadação é um erro crasso, porque multa não é fator arrecadatório. É exatamente esse conceito que fez com que a frente se posicionasse contrária a esta medida provisória."
Apesar de discordar da medida provisória, o deputado afirmou que a frente tem conversado com o Executivo para que o texto seja modificado antes de ir à votação na Câmara dos Deputados. Segundo ele, será preciso oferecer segurança jurídica para que as pessoas físicas, micro e pequenas empresas que tenham disputas envolvendo tributos com a União não sejam prejudicadas com as alterações propostas pelo governo.
A MP ampliou de 60 para mil salários mínimos (o equivalente a R$ 1,3 milhão) o piso para que um litígio seja julgado pelo Carf, o que tende a concentrar no órgão apenas os processos de grande valor. Na semana passada, uma portaria da Receita Federal regulamentou as disputas sobre tributos consideradas de baixa complexidade, ou seja, de até R$ 1,3 mi. Segundo a norma, elas passam a ser julgadas pelas Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJ). Em primeira instância, por decisão monocrática, isto é, de apenas um julgador. Caso o contribuinte ou o Fisco não concordem com a decisão, a análise se dará em última instância, por decisão colegiada, também na DRJ.
O deputado Marco Bertaiolli diz que a preocupação da frente é que, diante da impossibilidade de recorrerem ao Carf, as micro e pequenas empresas tenham que apelar para a justiça comum, cuja habilidade para julgar processos tributários não é a mesma do órgão.
"Nenhuma média-empresa no Brasil vai receber uma multa de R$ 1,3 milhão. Nós estamos jogando todas as pequenas empresas para o órgão estadual. Eu preciso ter a segurança jurídica que nesse órgão estadual eu terei uma segunda análise do meu processo."
Para o parlamentar, também será preciso permitir que os contribuintes sejam representados nas turmas das DRJs, assim como acontece no Carf, onde os julgamentos devem ter número igual de conselheiros da Receita Federal e da sociedade civil.
Bertaiolli disse que uma das saídas para apaziguar a polêmica em torno do voto de qualidade – que garante ao representante da Fazenda Nacional o voto de desempate nas disputas tributárias – pode ser a diferenciação entre os processos tributários internacionais e nacionais.
"Estamos conversando com a Receita Federal para saber quanto dos 2% dos processos que são decididos pelo voto de qualidade são grandes corporações e transações internacionais. Isso eles não nos disseram, porque nós podemos excepcionalizar, que é a proposta que o [deputado] Passarinho fez. Nós criamos um artigo que diz o seguinte: o voto de qualidade pró-contribuinte continua para dirimir os tributos nacionais. Para os internacionais, volta o voto de minerva da própria Receita." Essa proposta, no entanto, ainda não foi formalizada, ressaltou o deputado.
A MP do Carf tem força de lei desde o dia 12 de janeiro, quando foi publicada pelo governo. Como qualquer medida provisória, se não for convertida em lei pelo Congresso Nacional, ela tem eficácia por 60 dias. Prazo este que pode ser prorrogado pelo mesmo período caso o Congresso Nacional não tenha concluído a votação do texto.
De acordo com a Constituição, se uma MP não for apreciada em até 45 dias após sua publicação, passa a tramitar em regime de urgência na Câmara e no Senado.
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