Data de publicação: 17 de Fevereiro de 2023, 04:00h, Atualizado em: 01 de Agosto de 2024, 19:26h
O governo deve manter a proposta para retomar o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O voto de qualidade era utilizado para desempate de julgamento de recursos em relação às demandas tributárias. Restabelecido por medida provisória, o voto enfrenta resistências no Congresso, entre o setor produtivo e no Supremo Tribunal Federal.
Desde 2020, a Lei 13.988/20 estabelecia que os empates fossem decididos a favor do contribuinte. O projeto trazia como justificativa a busca de decisões mais imparciais no julgamento dos processos fiscais em âmbito administrativo.
Com a reintegração do voto de qualidade, os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que são os presidentes de turmas e câmaras no Carf, poderão desempatar as votações a favor da União.
A retomada do voto de qualidade veio inicialmente em forma da Medida Provisória 1160/2023, anunciada pelo governo em janeiro deste ano, como parte do pacote fiscal que pretende melhorar as contas públicas.
Segundo a advogada especialista em direito tributário Mirian Lavocat, de acordo com a Lei nº 10.522, de 19/7/2002, havendo empate no julgamento do caso, a decisão deveria ser resolvida em favor do contribuinte.
“Toda vez que você tem um tema em que não há um consenso e que o debate ainda não está absolutamente comum a todos, esses desempate não pode ser pró Fazenda, porque o contribuinte é o mais onerado com isso. Se o contribuinte precisar discutir isso judicialmente, vai ser necessário suspender a exigibilidade desse débito e a suspensão é sempre muito cara ao contribuinte”, explica.
Para a tributarista, a medida é uma ofensa ao processo constitucional e uma desmoralização do tribunal. “É inaceitável, você tem que ter uma ampla defesa, tem que ter um contraditório, que são princípios mínimos que nós temos dentro da Constituição de 88. Quando você tem oito pessoas julgando e elas não chegam a uma conclusão, a quem você daria o desempate: a favor do contribuinte que para ir à justiça vai ser extremamente caro ou a própria Fazenda? Eu acho que isso precisa ser muito sopesado principalmente dentro desse momento de solidez do ambiente democrático”, explica.
O deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA) acredita que deve ser seguido o princípio in dubio pro reo, devendo prevalecer o direito do contribuinte em caso de empate. Por isso, também critica a volta do voto de qualidade.
“No caso da dúvida, o desempate vai ser sempre pró-governo. Então, o contribuinte tem muito pouco a ganhar dentro do Carf. Essa foi a análise e, na minha opinião, a medida provisória é um retrocesso”, avalia.
Setor produtivo é contra voto de qualidade
Em nota, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) afirma que vê como um “retrocesso jurídico prejudicial aos contribuintes a proposta de restabelecimento do denominado voto de qualidade nos julgamentos do Carf”.
Para a confederação, o voto de qualidade “distorce o processo administrativo que deve ser imparcial e estruturado para que o contribuinte tenha seus direitos observados pelo Estado”.
Na avaliação da CNC, a “soberania estatal não pode suplantar os direitos fundamentais dos indivíduos, especialmente o direito à igualdade entre Estado e contribuintes, como no caso do processo administrativo do Carf.”
Entidades do agronegócio também se posicionaram contra a medida, pois entendem que a “MP 1160, de 2023, está a ferir de morte a existência do próprio CARF dada sua importante missão de entregar com tecnicidade justiça fiscal para os contribuintes, e, não, como se pretende com a proposta em curso, promover arrecadação”. A nota critica, ainda, o “fato de a MP ter sido anunciada dentro de um plano de recuperação fiscal e de caixa governamental, o que per si é deveras preocupante.”
STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando a questão. Até agora, o Supremo tem pelo menos cinco votos para considerar o voto de qualidade como inconstitucional e manter a vantagem para o contribuinte. Dois partidos, o Partido Progressista (PP) e o Republicanos, entraram com ações no Supremo para derrubar a medida provisória.