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Baixar áudioA poluição por plástico é considerada a segunda maior ameaça ambiental ao planeta, atrás apenas da emergência climática, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Mais de 140 países já adotaram medidas regulatórias para reduzir ou restringir a produção de plásticos descartáveis como forma de conter a poluição. O Brasil, no entanto, segue sem uma legislação nacional sobre o tema.
O Projeto de Lei (PL) 2524/2022, que institui medidas para a implementação de uma Economia Circular do Plástico no país, permanece sem avanço na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Há mais de 600 dias, o texto aguarda parecer do senador Otto Alencar (PSD-BA), designado relator em março de 2024.
Essa paralisação legislativa ocorre em meio a uma crise ambiental crescente. Um levantamento da organização Oceana aponta que o Brasil despeja cerca de 1,3 milhão de toneladas de plástico por ano nos oceanos, o equivalente a 8% do total mundial. O país ocupa a oitava posição entre os maiores poluidores do planeta e lidera o ranking na América Latina.
A contribuição brasileira para o agravamento desse cenário reforça a necessidade de medidas como as propostas no Projeto de Lei do Oceano Sem Plástico. De acordo com Lara Iwanicki, diretora de Estratégia e Advocacy da Oceana, “esse projeto se tornará uma política de Estado, não de governo. A poluição por plásticos independe de quem está no poder. Ela continuará acontecendo e é por isso que precisamos de uma política de longo prazo e estável.”
Alinhado aos princípios da Economia Circular, o Projeto de Lei propõe uma mudança estrutural na forma como o plástico é produzido, consumido e descartado no Brasil.
O modelo parte da não geração de resíduos e prioriza a eliminação progressiva de itens de uso único, como canudos, copos, pratos e talheres que não possuem reciclabilidade. O texto prevê:
Em tramitação desde 2022, o PL do Oceano Sem Plástico foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, após audiência pública e parecer favorável da Senadora Zenaide Maia. Em outubro de 2023, no entanto, a proposta estagnou na CAE, Comissão de Assuntos Econômicos, sob relatoria do senador Otto Alencar (PSD-BA).
A reportagem procurou o parlamentar, mas não obteve retorno até a data desta publicação.
LINHA DO TEMPO
| Data | Trâmite |
|---|---|
| 27/09/2022 | Início da tramitação no Senado |
| 30/05/2023 | Relatório favorável na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) |
| 11/10/2023 | Audiência pública realizada |
| 18/10/2023 | Aprovação do parecer na CAS e envio para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) |
| 05/03/2024 | Distribuição ao relator na CAE (senador Otto Alencar) |
Segundo Iwanicki, o principal entrave à tramitação do Projeto de Lei é político. Apesar da ampla base de evidências científicas sobre os impactos dos microplásticos na saúde humana e no meio ambiente, especialmente nos oceanos, setores da indústria química e do plástico resistem à proposta e alegam ameaça à sobrevivência do setor. “Isso não é verdade”, destaca a diretora.
“O projeto trata da circulação de embalagens e da redução progressiva de itens que representam apenas 1,83% da produção.” Para ela, há distorção nos dados e reação desproporcional de um setor que já perdeu espaço no mercado. “Esse avanço já é uma realidade nas legislações de vários países e nas negociações do Tratado Global Contra a Poluição por Plásticos, iniciativa da ONU em busca de soluções efetivas para essa crise mundial. Então, é um caminho sem volta”, evidencia.
Atualmente, mais de 90 organizações da sociedade civil, que integram a campanha Pare o Tsunami de Plástico, pressionam pela aprovação do Projeto de Lei.
Iwanicki reforça ainda que o impasse político exige mobilização social: “A sociedade precisa cobrar dos parlamentares a aprovação do projeto. Sem pressão, ele não avança”.
Enquanto o projeto permanece travado no Senado, microplásticos já foram identificados em órgãos humanos, como pulmões, coração, leite materno e placenta. Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em parceria com a Universidade Livre de Berlim, também detectou partículas do material sintético no cérebro.
Outro estudo, conduzido por cientistas em Nápoles, revelou que microplásticos presentes nos vasos sanguíneos podem estar associados a riscos graves à saúde. Os pesquisadores analisaram placas de gordura retiradas de pacientes com doenças arteriais e descobriram que mais da metade continha partículas de polietileno ou PVC.
Pessoas contaminadas apresentaram quase cinco vezes mais chances de sofrer acidente vascular cerebral, infarto ou morte por qualquer causa nos 34 meses seguintes. Embora o estudo não comprove uma relação direta de causa e efeito, evidências em testes com animais e células humanas sugerem que essas partículas podem contribuir para o agravamento de doenças cardiovasculares.
Segundo o relatório Fragmentos da Destruição: impactos do plástico na biodiversidade marinha, publicado pela Oceana em outubro de 2024, a contaminação afetou cerca de 200 espécies no Brasil. O estudo revela que, entre tartarugas, aves e mamíferos que ingerem plástico, um em cada dez não sobrevive.
“Não se trata apenas do ambiente marinho, mas de todas as bacias hidrográficas e do caminho que esse resíduo percorre até chegar ao mar”, pontua Iwanicki.

Além de enfrentar a crise ambiental, a diretora ressalta que o Projeto de Lei abre caminho para um novo ciclo econômico. “O projeto propõe medidas concretas e necessárias para enfrentar esse cenário, impulsionando a economia ao fomentar materiais alternativos e embalagens sustentáveis. Isso gera emprego, inovação, tecnologia”, afirma.
Iwanicki destaca que “o Brasil ainda tem condições de liderar esse processo, em vez de apostar num modelo ultrapassado que diversos outros países já deixaram para trás. Mas, para isso, é preciso agir agora”.
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Baixar áudioO ano de 2024 foi marcado por tragédias ambientais que afetaram dezenas de milhares de pescadores e pescadoras de norte a sul do país. O resultado desses eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes em todo o mundo, foi sentido diretamente pelos pescadores artesanais da região Amazônica, que enfrentaram a pior estiagem já registrada. Diante dessa crise humanitária, o governo federal destinou R$ 1 bilhão em auxílio emergencial extraordinário.
O estado do Rio Grande do Sul, severamente impactado pelas enchentes, também teve prejuízos de bilhões de reais. Além dos danos materiais e imateriais sofridos por comunidades inteiras, até hoje a pesca permanece afetada, devido a uma alteração na distribuição das espécies de pescados que antes se localizavam em áreas mais costeiras.
Cientistas afirmam que, com o agravamento da emergência climática, situações como essas irão acontecer com maior frequência e intensidade. Segundo a Auditoria da Pesca 2024, publicada pela organização Oceana, esses impactos podem ser reduzidos se houver maior investimento em ações estruturantes, como monitoramento e estatística pesqueira.
“Em 2024, o Ministério da Pesca e Aquicultura aplicou somente R$ 12 milhões em ações para monitoramento, pesquisa e geração de dados sobre a atividade pesqueira, valor que representa apenas 3% de todo o orçamento planejado para a pasta, que foi de R$ 350 milhões”, pontua o diretor-geral da Oceana, Ademilson Zamboni.
Pesca brasileira à deriva entre a crise climática e a falta de dados
“O rio nunca tinha secado daquele jeito. Em 2024, a gente andava por onde antes só se passava de barco. Morreram toneladas de peixes, e a água que era nosso consumo deixou de ser potável. Foi um impacto total na saúde, na economia e na nossa tradição”, lembra Josana da Costa, pescadora artesanal há mais de 30 anos, de Óbidos, no Pará.
A mais de quatro mil quilômetros dali, no litoral gaúcho, Daniel da Veiga Oliveira também guarda na memória os efeitos da nova realidade climática. “Cada vez tem mais ressaca levando lixo para o mar. Tem dia que nem coloco rede, porque sei que vai vir só entulho. Antes, dava para prever as boas pescarias. Agora o clima muda de uma hora para outra”, relata o pescador artesanal do Rio Grande do Sul.
Os dois vivem em regiões opostas do país, mas compartilham o mesmo desafio: sobreviver e manter um modo de vida tradicional ameaçado pelo aquecimento das águas, as mudanças na distribuição de espécies e a ocorrência cada vez maior de eventos extremos, como secas e enchentes históricas.
Segundo o professor e pesquisador Rodrigo Sant’Ana, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), essas transformações já são visíveis. “Nas regiões Sul e Sudeste, espécies típicas de águas mais frias estão sendo substituídas por outras, adaptadas ao calor. Isso muda a oferta de pescado, afeta a segurança alimentar das comunidades e exige adaptação tanto de quem pesca, quanto de quem consome”, explica.
Ele acrescenta que a alteração na distribuição das espécies também interfere na renda e na logística dos pescadores, que precisam percorrer distâncias cada vez maiores para manter a produção. Sant’Ana observa ainda que, até mesmo espécies grandes e migratórias, como os atuns - pescados por mais de 50 países no Atlântico - já mostram mudanças no padrão de distribuição devido a alterações da temperatura das águas.
Para ele, a adaptação à emergência climática precisa ocorrer em toda a cadeia, do pescador ao consumidor. É fundamental que o setor produtivo busque práticas sustentáveis e diversifique as capturas, e que o Poder Público adapte as medidas de gestão para essa nova realidade. As comunidades tradicionais também terão de incorporar novas espécies à dieta para manter a nutrição, e consumidores urbanos precisarão estar abertos a experimentar pescados diferentes dos habituais.
Os dados da Auditoria da Pesca 2024, contudo, demonstram que a atualização e a adaptação das medidas de gestão aos novos cenários climáticos ainda são uma realidade distante. No orçamento do MPA, por exemplo, somente R$ 5 milhões foram aplicados no planejamento de desenvolvimento sustentável da pesca industrial, amadora, esportiva e ornamental, montante que representa 1,4% do previsto para a pasta no ano. Esta é uma das razões que explica o fato de mais de 92% dos estoques pesqueiros não estarem incluídos em nenhum plano de gestão– algo que deveria ser uma das principais atividades finalísticas do Poder Público.
Enquanto isso, Josana e Daniel seguem ajustando suas rotinas ao imprevisível — seja a seca extrema na Amazônia ou as ressacas no litoral gaúcho. Mas ambos sabem que, sem planejamento e apoio estruturado, pode chegar o dia em que não haverá mais redes cheias, nem rios navegáveis para manter viva a tradição que carregam e que os sustenta.
Diante dessa realidade e com o propósito de reduzir os impactos para a atividade e para pescadores e pescadoras, a Auditoria da Pesca da Oceana propõe um conjunto de ações estruturantes, como: a aprovação do Projeto de Lei 4789/2024, que estabelece uma nova política para a atividade de pesca nacional baseada na ciência, na gestão sustentável dos recursos pesqueiros e no combate à pesca ilegal, dentre outras medidas.
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Baixar áudioA pesca no Brasil enfrenta um duplo desafio: a falta de dados confiáveis sobre os estoques pesqueiros e os impactos crescentes da emergência climática. Essa é a principal conclusão da 5ª edição da Auditoria da Pesca Brasil, estudo que será lançado na próxima quarta-feira (13/8), em Brasília, pela organização Oceana. O relatório anual é o mais abrangente levantamento sobre a gestão pesqueira no país e, em 2024, direciona os holofotes para os efeitos ambientais e sociais provocados pelo clima em transformação.
Entre os dados mais alarmantes, o estudo aponta que não há diagnóstico sobre 47% dos estoques de espécies marinhas e estuarinas exploradas comercialmente no Brasil. Pior: dos estoques que têm avaliação, 68% estão sobrepescados, ou seja, apresentam biomassa abaixo dos níveis sustentáveis. Além disso, mais de 90% não têm plano de gestão atualizado e medidas que limitem a captura dos recursos para evitar a sobrepesca.
Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana, explica que o conhecimento sobre os estoques pesqueiros do Brasil ainda é muito limitado e, quando existe, vem de iniciativas pontuais. “Quando há investimento em estudos científicos para a avaliação de estoques, conseguimos ter informações sobre um número específico de espécies. Mas essa análise tem um prazo de validade, um tempo de vida útil. Passados cinco anos, se você não planejou uma nova avaliação, as medidas tomadas a partir da anterior — se é que foram tomadas — podem não ter mais valor, porque já não representam a situação real do estoque.”
Para Zamboni, uma das soluções seria criar um programa permanente de pesquisa e monitoramento, que realize frequentes avaliações dos estoques pesqueiros.
O relatório traça um raio-X da gestão da pesca marinha e estuarina no país com base em quatro eixos: estoques pesqueiros, pescarias, orçamento público e transparência. A análise deles revela um sistema ainda bastante frágil e despreparado para lidar com os impactos climáticos já em curso — como o aumento da temperatura das águas, a alteração das correntes marítimas e a crescente ocorrência dos eventos extremos, como enchentes e secas históricas, que afetaram diretamente a pesca no Rio Grande do Sul e na Amazônia nos últimos meses.
Segundo o diretor-científico da Oceana, Martin Dias, “a pesca é uma atividade totalmente dependente do ambiente aquático e qualquer alteração nas condições naturais — como temperatura da água, salinidade, volume de chuvas e ocorrência de eventos extremos — impacta diretamente os peixes e, consequentemente, quem vive da pesca”.
Ele explica que essas mudanças já são perceptíveis. “A água mais quente afasta espécies que vivem em águas frias. Peixes que dependem de condições muito específicas para se reproduzir simplesmente não encontram mais essas condições e desaparecem. Isso já acontece em locais como a Lagoa dos Patos, no Sul, e nos rios da Amazônia.”
Dias lembra que até onde a gestão pesqueira é avançada, os prejuízos são inevitáveis. “Mesmo países que fazem muito bem sua lição de casa — como o Chile — estão sofrendo perdas milionárias. O Brasil, que ainda monitora muito pouco e não atualiza sua legislação, está muito mais vulnerável. Nós não sabemos, por exemplo, quanto de sardinha pode ser pescado no ano que vem, porque não existe acompanhamento sistemático desse estoque.”
Na Amazônia, a seca histórica afetou severamente as comunidades ribeirinhas, que viram a pesca se tornar escassa diante da falta de água e da morte de peixes. “A mudança já aconteceu. Estamos vivendo uma emergência climática”, afirma Josana Pinto da Costa, pescadora artesanal do Pará.
No Sul, o excesso de chuvas também impôs prejuízos: “2024 foi o pior ano de pesca para nós, por conta dos fatores climáticos. O mar ficou mais violento, com mais lixo, e isso atrapalha demais a pescaria”, relata Daniel da Veiga, pescador artesanal do Rio Grande do Sul.
Apesar de um aumento de 85% no orçamento do Ministério da Pesca e Aquicultura em 2024 (R$ 350 milhões), o valor ainda é o segundo menor entre os ministérios do Executivo Federal. Apenas 39% desse recurso foi executado no ano passado, tendo sido investido somente R$ 32 milhões nas ações finalísticas de pesca.
Segundo Zamboni, “grande parte desse investimento foi para programas sociais relacionados à pesca e uma parte muito grande para a máquina funcionar. Sobrou muito pouco recurso para ações que levem à sustentabilidade e à melhor gestão da pesca.”
Ele aponta falhas graves, como a falta de monitoramento, de estatística pesqueira, de medidas de controle das pescarias, e questiona: “Como saber a eficácia das medidas de gestão se não fazemos monitoramento? Como garantir que, ao conceder licenças de pesca, estamos autorizando um número sustentável de embarcações se não controlamos o desembarque, nem produzimos dados confiáveis? Sem informação, não há como tomar decisões consistentes — e isso é crítico para a política pública”.
Mesmo com avanços, como é o caso do funcionamento integral dos fóruns de consulta e assessoramento (Comitês Permanentes de Gestão da Pesca), a ausência de dados públicos sobre a produção pesqueira e o estado dos estoques, ainda limita o controle social e o planejamento técnico.
A Auditoria da Pesca reforça a necessidade de um plano nacional estruturado de monitoramento, avaliação e adaptação das pescarias, com base na ciência, contemplando questões chave como emergência climática, sustentabilidade e justiça social. Para Martin Dias, a aprovação do Projeto de Lei 4789/2024, atualmente em discussão no Senado, pode ser um divisor de águas para a gestão pesqueira no Brasil.
“Esse Projeto de Lei torna obrigatória a elaboração de planos de gestão, o monitoramento dos estoques e a responsabilização do governo por essas entregas. Hoje, tudo isso depende da boa vontade de quem ocupa a pasta. A proposta cria diretrizes claras e vincula essas responsabilidades à autoridade pesqueira”.
Zamboni vai além. “Já passamos do tempo de agir. Adaptar as pescarias à nova realidade climática custa dinheiro, exige investimento, planejamento e mudança de práticas. Mas o custo de não fazer nada será muito maior — em vidas, empregos e alimentos”.
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