Foto: Agência Brasil
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Economia nacional deve retrair 4,2% em 2020 e especialistas atribuem a queda ao período de transição do setor

Auxílio emergencial, proposto pelo governo no início da pandemia, movimentou a atividade econômica; porém, com redução do valor, o momento é de atenção

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A economia nacional deve encolher 4,2% em 2020 e o Produto Interno Brasileiro (PIB) industrial deve cair 4,1% neste ano, impulsionado também pela pandemia do novo coronavírus. A previsão é da Confederação Nacional da Indústria (CNI), disponível no relatório Informe Conjuntural: 3º trimestre, divulgado no final de outubro.  

Apesar do cenário não muito otimista, o relatório prevê, no terceiro trimestre, um crescimento de 9% do PIB, se comparado aos três meses anteriores, devido à fonte de recuperação da economia entre julho e setembro. O PIB industrial nesse trimestre também deve subir cerca de 10%. No entanto, segundo o documento, essa elevação não será capaz de reverter a projeção geral de queda na quantidade de bens e serviços produzidos no Brasil. 

Na opinião do presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), César Bergo, a projeção da CNI é mais animadora do que a do governo federal, que é de -5,5%. “Com o relaxamento das medidas de distanciamento social e a reabertura do comércio, a economia melhorou bastante, dando aquela impressão de que o pior já passou”, avalia. 

Apesar de uma melhora nesse terceiro trimestre, Bergo levanta um fator que pode ter contribuído para essa projeção de queda nacional. “De fato, a pandemia causou um dano enorme na economia. Por outro lado, essa política de incentivos concedida pelo auxílio emergencial ajudou um pouco no consumo. Com a redução dessas medidas, é esperado que não seja muito grande essa melhora ou crescimento da economia. O impacto que vai haver nos próximos meses será em função da redução desses incentivos que o governo criou”, destaca. 

O desafio maior, de acordo com o presidente do Corecon-DF, será a transição da recuperação para a retomada do crescimento econômico, o que envolve também o setor industrial. “Foi um momento difícil, o governo criou incentivos, tanto para pessoas físicas quanto para empresas. Com a redução desses incentivos, é necessário que haja uma transição para ver a real situação das indústrias, que se recuperaram bastante. A capacidade ociosa foi diminuída e, pelos números, podemos observar que houve um empenho muito grande de toda a sociedade para que pudesse amenizar os impactos dessa pandemia.” 

Números 

Os números da CNI, relativos à atividade econômica, mostram também queda em outros dois setores. O PIB da indústria de transformação do ano passado ficou em torno de 0,1%. A projeção para 2020 é de queda de 6,3%. O da indústria de construção passou de 1,6% em 2019 para -4,5% nesse ano. 

Para o economista do Ibmec Brasília William Baghdassarian, a queda do PIB na atividade econômica já era esperada. “Em abril e maio, a expectativa era por volta de -10%. Ao longo do tempo, as coisas foram se recuperando e, hoje, a projeção de queda já é bem menor”, lembra. 

Ele afirma que essa queda menor do que a prevista pelo governo brasileiro, e até pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), se deve a um conjunto de fatores. “Temos efeitos conjunturais e estruturais. Do ponto de vista da pandemia, assim que ela teve início, houve interrupção da atividade de comércio, indústria e serviços. Só o fato de voltar com essas atividades, o que ocorreu a partir de junho, naturalmente já vemos um grau de recuperação econômica”, avalia.  

Baghdassarian reforça que, nesse contexto, o governo foi “muito hábil” em entrar com o auxílio emergencial. “Se por um lado ele teve o objetivo de pegar aquela pessoa que trabalhava e, por uma razão de interrupção da atividade econômica, ela recebeu o auxílio emergencial, por outro lado ele também pegou muita gente que não tinha renda. Isso fez com que, de fato, a atividade tivesse uma ‘reaceleração’.”

Sobre os dados do relatório, ele concorda que a economia brasileira esteja passando mesmo por uma transição, especialmente pela redução do valor do auxílio de emergencial – que foi de R$ 600 para R$ 300. “O governo conseguiu, durante o período mais crítico da pandemia, socorrer as famílias, mas ficou ‘doente’, muito endividado. Dependendo do indicador, a dívida é entre 90% e 100% do PIB e os prognósticos são muito ruins para o futuro”, alerta. 

Dívida pública, de acordo com a literatura econômica, está associada ao baixo crescimento econômico. Na explicação do economista do Ibmec, os agentes esperam que essa dívida seja paga em algum momento, de alguma forma – seja pelo aumento de impostos ou pela redução do consumo. “Em ambos os casos, você tem menor renda das famílias e das empresas e menor capacidade de investir, o que leva a um menor crescimento econômico no futuro”, aponta. 

O empobrecimento causado pelo baixo crescimento econômico, que já vem ocorrendo de forma gradual, afeta os mais pobres, na opinião de William Baghdassarian. “Se você ganha R$ 5 mil ou R$ 6 mil e o arroz passa de R$ 20 para R$ 40, você vai reclamar, mas vai continuar comprando. Agora se a pessoa ganha mil reais e o arroz passa de R$ 20 para R$ 40, ela teve uma perda de 2% de poder aquisitivo da renda. Quando junta isso com o feijão, tomate e outras coisas, nota-se o empobrecimento, que já está acontecendo”, ressalta.

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Reformas

De acordo com o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, a reforma tributária poderia ajudar o Brasil na retomada da economia. Ele afirma que essa reforma é uma prioridade para a CNI e que o sistema tributário precisa ser mais simples e eficiente. “O sistema tributário brasileiro é, dentro os fatores do Custo Brasil, o que mais pesa na competitividade das empresas e do país. Sem uma reforma, esse obstáculo não será vencido”, justifica.

Ele observa que, quando foi atingida pela pandemia, a economia brasileira ainda não tinha reencontrado o caminho do crescimento e acumulava queda de mais de 6% do PIB nos anos de 2015 e 2016. Além disso, o setor tinha registrado expansão pouco superior a 1% nos anos seguintes. A produção industrial, segundo a entidade, está estagnada desde 2010.

O economista William Baghdassarian pondera em relação a reformas e ao crescimento da indústria. “Precisamos fazer, urgentemente, reformas estruturais. O debate sempre cai na reforma tributária, administrativa, previdenciária, que também são importantes. Só que há um conjunto de reformas que, na minha opinião, é muito mais urgente, que é a da produtividade. Em 1980, um norte-americano produzia até seis vezes mais do que um brasileiro. Hoje, esse número é muito maior, até 15 vezes. Como isso se explica: o norte-americano típico tem acesso a tecnologias e a formas de produção completamente diferentes da do brasileiro.”

Para ele, o pano de fundo de tudo isso está relacionado à regulação de vários setores, como o da cabotagem, de energia e de gás. “É uma série de pontos que vão fazer com que nossa indústria volte a ser pujante como era nas décadas de 1970 e 80, por exemplo”, aposta Baghdassarian. 

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