Foto: Agência Brasil
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Sem acordo de Nagoya, produtores gaúchos podem gastar mais para produzir grãos

Se não ratificar tratado, Brasil pode ser obrigado a pagar royalties à China, país de origem da soja, por uso de recursos genéticos; texto está no Senado

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A adesão brasileira ao Protocolo de Nagoya, em análise no Senado por meio do PDL 324/2020, pode evitar que os produtores de grãos do Rio Grande do Sul tenham perdas em virtude do uso e exploração do patrimônio genético de outros países. Por conta da crise causada pela pandemia, o estado deve registrar queda de 28,7% na produção de feijão, milho e soja, no comparativo com a safra de 2019. Segundo a Emater/RS, a soja, principal mercadoria agrícola destinada à exportação, é a que tem o pior desempenho até o momento: retração de 43,6% em relação ao ano passado.

Tema ainda não pacificado entre as 126 nações que já ratificaram o tratado, a taxação sobre produtos considerados essenciais para a alimentação é alvo de debate na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) - espécie de conselho global que define regras internacionais sobre os recursos genéticos como sementes ou micro-organismos. Pelo texto do Protocolo de Nagoya, os lucros de produção e a venda de produtos elaborados com recursos genéticos serão obrigatoriamente compartilhados com o país de origem, por meio do pagamento de royalties, estabelecimento de parcerias, transferência de tecnologias ou capacitação. No caso da soja, o Brasil teria de compensar a China, de onde vem o grão, se não houver consenso entre os países.

O doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais e sócio-diretor da consultoria Agroicone, Ricardo C. A. Lima, alerta que a não participação brasileira no acordo pode trazer mais custos de produção aos produtores gaúchos e prejudicar a competitividade brasileira no mercado internacional.

“Pode ter um país que queira fazer cobranças abusivas pelo uso de um produto que teve origem nele, o que pode chegar a impactar no preço de alimentos no Brasil. Como a lei de um país pretende ser implementada em território de outros países de uma forma retroativa? Isso é super discutível e ilegal no final das contas, e o Brasil precisa estar lá para discutir isso”, afirma. 

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O argumento é que o Brasil tem nos recursos da biodiversidade mais de 40% de suas exportações. Lima ressalta que os efeitos do protocolo não são retroativos e pontua ainda que o agronegócio brasileiro pode enfrentar possíveis barreiras comerciais. No caso da soja, a China é o país que mais importa o grão do Brasil.

"O protocolo é um quebra-cabeça que precisa ser montado. E a gente só vai ser capaz de montar esse quebra-cabeça no sentido original da proposta, que é compartilhar recursos da biodiversidade e repartir benefícios por causa disso, se a gente ‘jogar o jogo’ do protocolo”, acrescenta o especialista. 

Na avaliação do professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), Bráulio Dias, a ratificação do Protocolo de Nagoya traz mais respaldo internacional ao Brasil no segmento da biodiversidade. Dias acredita que um dos principais pontos do acordo é a segurança jurídica para atração de investimentos.

“A ratificação é importante porque dá ao Brasil assento nas mesas de negociação de aprimoramento do Protocolo de Nagoya daqui para frente. Todo mundo fala do potencial da bioeconomia do Brasil, mas sem regras jurídicas bem estabelecidas sobre como proceder com relação ao acesso e à repartição de benefícios pelo uso dos recursos genéticos, fica muito difícil para as empresas investirem em bioeconomia no Brasil”, argumenta. 

Em pauta no Senado

O PDL 324/2020, que ratifica o acordo assinado pelo Brasil em 2011, foi aprovado pela Câmara dos Deputados na primeira quinzena de julho e ainda precisa ser analisado no Senado. O texto estabelece que os países têm soberania sobre seus recursos genéticos e que seu uso para fins comerciais passa a depender de autorização das nações detentoras.

O senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) defende que ratificação do Protocolo de Nagoya é uma oportunidade de preservar o patrimônio genético nacional. Para Heinze, o Brasil tem possibilidade de ampliar receitas e expandir mercados com alto potencial econômico.

“[A adesão] é muito importante para o agro brasileiro, mas também pela grande biodiversidade nacional. Os milhões de genes que temos hoje, não só da agricultura, mas principalmente das indústrias farmacêutica e de perfumes. O Brasil terá de pagar alguns royalties, mas também poderá receber muitos royalties pela grande biodiversidade que tem”, aposta o vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Senado. 

Caso o tratado seja referendado pelos senadores, o Brasil passa a ter direito a voto na elaboração das regras sobre a repartição de benefícios, ou seja, o país passa a ter participação direta na agenda mundial da biodiversidade.

“É importante para o Brasil dar esse passo porque o país vai ter mais força para discutir como vão ser as regras de execução do Protocolo de Nagoya a partir de agora”, ressalta o consultor de Propriedade Intelectual da Biotec Amazônia, Luiz Ricardo Marinello.

Para entrar em vigor, o tratado internacional precisa ser aprovado no Senado e, posteriormente, ser regulamentado por meio de decreto do presidente Jair Bolsonaro.

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