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Com interiorização da Covid-19, pesquisadores da Fiocruz propõem novos cenários de regionalização no RJ

Veja quais são as sugestões para que o estado consiga otimizar o atendimento aos pacientes com quadros graves da doença

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Uma das preocupações com a interiorização da Covid-19 é como fica o fluxo de atendimento aos pacientes acometidos pela doença nos municípios mais precários. A alternativa mais evidente é de que essas pessoas busquem auxílio na capital do estado ou em cidades com mais estrutura.
 
No Rio de Janeiro, por exemplo, algumas cidades com maior capacidade de atendimento já têm servido de apoio para a população de centros menores. Em Niterói, Volta Redonda, Nova Iguaçu e Cabo Frio, entre 30% e 50% das internações realizadas são de residentes de outros municípios. É o que aponta a mais recente Nota Técnica do Proadess (Projeto de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
 
O documento, que avalia como tem ocorrido a atenção aos pacientes com o novo coronavírus no estado fluminense, também propõe novos arranjos regionais para o atendimento dos casos graves da doença, tendo em vista dois objetivos: reduzir a necessidade de fluxos de maiores distâncias e diminuir a pressão sobre os recursos de saúde da capital do estado, por exemplo.
 
Segundo Ricardo Dantas, coordenador do Proadess e um dos autores da Nota Técnica, as sugestões têm recebido elogios e há, inclusive, o início de um debate para que ocorram alterações na atual regionalização do sistema de saúde do Rio de Janeiro. “Essa nossa análise é voltada para a atenção à Covid-19, pensando nessa interiorização e só considerando a questão da distribuição dos leitos de UTI. A Secretaria de Saúde vem refletindo sobre essa possibilidade, principalmente na região de Nova Friburgo”, detalha.

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Como funciona

Atualmente, os 92 municípios do Rio de Janeiro estão divididos em nove Regiões de Saúde. São elas: Baia da Ilha Grande, Baixada Litorânea, Centro-Sul, Médio Paraíba, Metropolitana I, Metropolitana II, Noroeste, Norte e Serrana. Este é o cenário que está posto e o primeiro analisado pelos pesquisadores. De acordo com eles, a disponibilidade de leitos de UTI aumentou na maioria das Regiões de Saúde.
 
No entanto, alguns problemas persistiram, como as distâncias (entre um município e seu polo de referência, por exemplo), as dificuldades de deslocamento, a concentração de recursos do SUS - notadamente de leitos de UTI - em determinados polos e a falta de recursos em alguns municípios.
 
De acordo com os dados da Nota Técnica, mesmo cidades bem estruturadas, como é o caso de Volta Redonda, acabam com seu sistemas de saúde pressionados, já que possuem muitos recursos, o que atrai os moradores de municípios menores. Na região sul fluminense, quase um terço das internações é de não residentes. Mais precisamente, 31%.
 
“Volta Redonda é um polo principal, tem recursos, mas ao mesmo tempo, a demanda fica concentrada demais ali. Se aproveitar melhor os recursos de outros municípios, como Vassouras e Valença, dá para deslocar pacientes e aproveitar melhor esses recursos”, disse Ricardo, ao explicar um dos possíveis arranjos sugeridos na Nota Técnica.

Cenários propostos

Como forma de ampliar a possibilidade de acesso da população aos leitos de UTI, a primeira proposta (segundo cenário) definiu 15 polos, levando em conta a disponibilidade dos recursos ao SUS e as distâncias e possibilidades de acesso deles em relação aos municípios demandantes. Nove deles já existem, a seguir a regionalização estabelecida pela Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ). As cidades do Rio de Janeiro, Niterói, Petrópolis, Volta Redonda, Vassouras, Angra dos Reis, Cabo Frio, Campos dos Goytacazes e Itaperuna foram consideradas as referências nas Regiões de Saúde existentes.  

A Nota Técnica, então, propôs seis novos polos: Duque de Caxias, Nova Iguaçu, São Gonçalo, Valença, Nova Friburgo e Macaé, cujo objetivo seria diminuir a pressão sobre os hospitais da capital; reduzir a distância entre municípios em relação aos polos no Norte Fluminense e na Região Serrana; minimizar a dificuldade de acesso a Niterói e Angra dos Reis; e valorizar a estrutura disponível em municípios como Valença, por exemplo.

No entanto, nesta nova organização, apenas Valença teria uma quantidade significativa de leitos de UTI. Todos os outros cinco novos polos propostos, além de Volta Redonda e da capital, teriam baixa oferta de leitos, isto é, inferior a 1 leito por 10 mil habitantes. Mesmo a inclusão de novos leitos para tratamento específico da Covid-19, não seria suficiente para que esse cenário fosse viável, sobretudo em cidades como Macaé, Nova Friburgo e Nova Iguaçu, aponta o levantamento.

Segunda alternativa

Com as dificuldades impostas pelo primeiro modelo sugerido, a Nota Técnica sugere outra regionalização. Desta vez, com 12 polos. Sairiam Macaé e Nova Iguaçu, porque têm poucos ou nenhum leito UTI Covid-19. Estes seriam incluídos tendo como referência Campos dos Goytacazes e Duque de Caxias. Já o polo de São Gonçalo, apesar dos novos leitos, permaneceu com disponibilidade restrita e, por isso, seria transferido para o polo de Niterói, onde a quantidade de leitos de UTI exclusivos para Covid-19 ampliou a capacidade de atendimento. Já Nova Friburgo, em que pese o fato de ter apenas 0,59 leitos para cada 10 mil habitantes, foi mantida como referência porque serve de auxílio a “diversos pequenos municípios distantes de outros polos”, aponta o estudo.

Neste cenário, a disponibilidade de leitos de UTI ficou mais equilibrada, como apontam os dados. Niterói e Campo dos Goytacazes apresentaram redução na disponibilidade de leitos, classificadas como “restritas”. O gargalo estaria no polo de Duque de Caxias, onde a oferta passaria de 1,7 para 0,78 vagas por 10 mil habitantes.

Terceira proposta

Por fim, a Fiocruz apresenta um terceiro arranjo para o atendimento dos casos graves da Covid-19 no Rio de Janeiro. A única mudança em relação ao segundo cenário proposto é a inclusão de Duque de Caxias no polo da capital fluminense. Assim, cairia para 11 o número de polos no estado.  A justificativa para esta alternativa é baseada na alta dependência que diversos municípios ainda têm em relação ao sistema de saúde da cidade do Rio de Janeiro.

Embora este cenário reduza a taxa de disponibilidade de leitos UTI SUS no polo da capital, a disponibilidade de unidades de terapia intensiva para os municípios da Baixada Fluminense e para a cidade do Rio de Janeiro ficaria acima de 1 para cada 10 mil habitantes, contando com os leitos exclusivos para pacientes com a Covid-19.

Melhor via

Para os autores, a Regionalização com 12 polos seria a mais efetiva. A principal explicação é a possibilidade que ela abre para melhor distribuição da atenção de alta complexidade na Região Metropolitana, como explica Ricardo. “A gente considerou o segundo cenário de regionalização como o mais adequado pelo fato de você dividir um pouco a atenção na Região Metropolitana do Rio, que é uma região de muita população”.

Ele complementa: “seria importante para diminuir a necessidade de deslocamento para o Rio de Janeiro que se separasse um pouco e tivesse maior disponibilidade de recursos de leitos de UTI nos outros municípios da Baixada Fluminense. Isso evita algo que já é uma característica dos recursos serem muito concentrados na capital”.

Limitações

Os pesquisadores apontam que a proposta traz consigo algumas limitações. Os municípios de Angra dos Reis, Cabo Frio e Nova Friburgo, por exemplo, teriam disponibilidade de leitos inferior a 1 para cada 10 mil habitantes, critério importante para medir a capacidade de atendimento desses polos propostos. No entanto, a sua importância se dá porque facilitam o acesso rodoviário aos municípios mais próximos e estão distantes de outros polos de atenção.

“Gostaríamos que Angra dos Reis fosse um polo mais estruturado pelo simples fato de que para muitos municípios - no extremo sul do estado do Rio - é mais fácil chegar em Angra. Temos que lembrar que tem a Serra do Mar que dificulta o acesso a toda aquela região do Vale do Paraíba”, exemplifica Ricardo.

A pesquisa chama a atenção para a necessidade de ampliação da oferta de leitos nesses polos. “Sem dúvida, ter uma baixa taxa de disponibilidade é problemático. Há a necessidade de reinvestir para aumentar o [número] de leitos”, concluiu.

De acordo com o último boletim epidemiológico, o Rio de Janeiro já confirmou 157.834 casos e 12.876 óbitos pela Covid-19. Mais de 135 mil pessoas já se recuperaram da doença no estado.

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