Foto: Mihail / Adobe Stock
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Sociedade Brasileira de Pediatria alerta para riscos de ‘drogas digitais’

Uso prolongado de fones pode causar problemas auditivos e neurológicos em crianças e adolescentes


Um ruído repetitivo, que deve ser ouvido com fones em alto volume, cuja duração média é de 30 minutos. A diferença de frequências entre os lados esquerdo e direito, chamado de som binaural, promete alterar as ondas cerebrais, o que pode causar diferentes sensações no usuário. Essa é uma explicação reduzida da prática de escuta que tem sido chamada de “droga digital”. 

A experiência tem se difundido pela internet. A plataforma que oferece os áudios tem quase 200 mil seguidores nas redes sociais e mais de 50 mil downloads na Google Store. O usuário precisa comprar o aplicativo para baixar em seu celular. Para ter acesso a todos os áudios, ainda é necessário desembolsar valores adicionais. 

O DJ Italo Guimarães (25) conta que experimentou a plataforma quando ainda era adolescente. “Eu deitei no meu quarto, vendei os olhos, coloquei o fone no máximo, encontrei a posição. Fiz tudo que eles estavam indicando para a gente a fazer, mas não cheguei a dar um barato”, relata. A opinião sobre a eficácia dos áudios para alterar estados emocionais é contraditória. Enquanto alguns usuários relatam ter percebido mudanças ocorridas a partir da escuta, outros são categóricos em dizer que não passa de placebo e efeito sugestionado. 

A despeito dos efeitos causados, a popularização do uso das drogas digitais tem preocupado a comunidade médica, especialmente em crianças e adolescentes. Por isso, a Sociedade Brasileira de Pediatria publicou uma nota técnica alertando para o risco do consumo de drogas digitais e os danos neurais e auditivos que podem causar. 

“A capacidade do cérebro para crescer, desenvolver e alterar a sua estrutura em função da estimulação externa é denominada como neuroplasticidade. A audição é um sentido da percepção fundamental para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita e do aprendizado dos conceitos e das relações sociais. A estimulação exagerada e contínua pode ocasionar a perda da neuroplasticidade e assim, afetar as conexões necessárias para o desenvolvimento cerebral e mental saudável”, alerta a nota. 

A coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), dra. Evelyn Eisenstein, argumenta que muitas vezes os pais não sabem o que os filhos estão fazendo no quarto. “Muitas vezes estão vendo nas telas conteúdos inapropriados e, nesse caso, áudios inapropriados. Então, é importante sempre prestar atenção na intensidade do som. Nada ultrapassando 60 e no máximo 70 decibéis para crianças e adolescentes. 

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Limites 

Especialista em atendimento de adolescentes, a psicóloga Raquel Tezelli alerta para a importância de se impor limites no uso de telas, especialmente porque os dispositivos podem ser levados a qualquer lugar e podem facilmente se tornar um vício. “O celular deixou de ser apenas pra fazer uma ligação ou pra receber uma mensagem. Hoje em dia ele é ferramenta de estudo, é ferramenta de trabalho, é ferramenta mesmo das relações sociais dos adolescentes, dos pré-adolescentes”, pondera. 

Para a psicóloga é preciso ficar atento a sinais que indicam o vício a partir do comprometimento social, da higienização e da alimentação. Muitas vezes, o jovem deixa de tomar banho ou escovar os dentes para permanecer na internet. Deixa de se alimentar ou dormir. “ Ele não sai mais do seu quarto para interagir com as pessoas e prejudica a que são as necessidades básicas”, alerta Tezelli. 

A pediatra Evelyn Eisenstein recomenda que os responsáveis fiquem atentos aos sinais de entendimento na comunicação, como o uso de expressões como o “o que?” ou “hein?”. "Existem vários estudos indicando o aumento dos problemas auditivos em crianças e adolescentes”, alerta. Ela recomenda que crianças abaixo de dez anos não devem ficar mais do que uma hora em celulares ou tablets. Já os adolescentes podem ficar no máximo 3 horas diárias. 

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LOC: Um ruído repetitivo que dura cerca de 30 minutos e precisa ser ouvido com fones em volume alto. Algo mais ou menos assim:

Ruído no estilo de um áudio em frequência binaural  


LOC: Esse tipo de som foi chamado de droga digital. Isso porque promete alterar as ondas cerebrais a partir de estímulos sonoros capazes de provocar diferentes sensações que vão desde relaxamento até alucinações. Há controvérsias sobre o efeito dos estímulos. Usuários da plataforma que fornece o serviço se dividem entre quem diz que não é provocada nenhuma reação e entre aqueles que relatam ter sentido as reações prometidas. Uma dessas pessoas que escutou os sons foi Ítalo Guimarães, de 25 anos. O mineiro que mora no Rio de Janeiro é DJ e diz que experimentou os áudios da plataforma ainda adolescente:
 

TEC//SONORA: Ítalo Guimarães, DJ

“É uma experiência, sabe? Eu deitei no meu quarto, vendei os olhos, coloquei o fone no máximo, encontrei a posição. Fiz tudo que eles estavam indicando a gente a fazer mas não cheguei a dar um barato nem nada não. Você só passa por aquela experiência ali, normalmente eu acho que essa frequência ela ativa um lado do nosso cérebro que a gente consegue meio que expandir, sabe?”
 


LOC: A plataforma tem mais de 50 mil downloads no google play e é preciso pagar para o download. Além disso, o usuário precisa desembolsar valores extras para ter acesso ao aos áudios dentro da plataforma. Uma tendência que tem se tornado cada vez mais comum entre os jovens. Por isso, a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou uma nota alertando pais e profissionais a respeito do uso dos estímulos, que podem causar até surdez definitiva pelo volume, frequência sonora e exposição prolongada. A coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria, Dra. Evelyn Eisenstein, orienta que os responsáveis fiquem atentos ao conteúdo que os jovens têm acesso na internet e a sinais como perguntar muito “o que ou hein” para se certificar da comunicação:
 

TEC//SONORA: Dra. Evelyn Eisenstein, coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

“O principal ponto do documento da Sociedade Brasileira de Pediatria é contrapor a vídeos provocativos que podem causar doenças e nesse caso surdez, às vezes os pais não sabem o que seus filhos estão fazendo ali no quarto, né? Com ou vendo nas telas conteúdos inapropriados e nesse caso áudios inapropriados. Então é importante sempre prestar atenção na intensidade do som. Nada ultrapassando sessenta e no máximo setenta decibéis eh pra crianças e adolescentes.”
 


LOC: A Sociedade Brasileira de Pediatria alerta que crianças abaixo de dez anos não devem ficar mais do que uma hora em celulares ou tablets. Já os adolescentes podem ficar no máximo três horas diárias. 

Reportagem, Angélica Cordova