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A covid-19 mudou o Brasil que todos conheciam. Considerada a maior crise sanitária global do século, a pandemia já infectou mais de três milhões e matou 103 mil pessoas só em solo verde e amarelo. E os prejuízos não foram só na saúde – a educação também sofreu com os reflexos da doença. A estimativa é de que o conjunto das redes municipais de ensino no Brasil percam, neste ano, entre R$ 15 bilhões e R$ 31 bilhões em tributos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), dependendo do cenário econômico.
Os cálculos foram retirados do segundo relatório da série “Covid-19: Impacto Fiscal na Educação Básica”, realizado pelo Todos Pela Educação e pelo Instituto Unibanco, que mostra a realidade dos municípios em termos de financiamento.
O documento fez uma análise dos primeiros meses de 2020, mostrando a nova face da educação municipal diante da pandemia. Em março, o setor sofreu com o baque inesperado de suspender aulas presenciais e com a exigência de uma readequação de estratégias, tudo para evitar o aprofundamento das desigualdades educacionais entre estudantes de famílias mais e menos vulneráveis e a ampliação das taxas de abandono e evasão escolar.
“Se nada for feito ainda neste ano, as redes municipais de educação podem entrar em colapso financeiro”, alerta o coordenador de Relações Federativas do Todos Pela Educação, Gustavo Wei. Esse colapso, segundo o coordenador, pode significar dificuldade em pagar salário de professores até outubro deste ano, dificuldade em pagar custos básicos de manutenção de escolas e de adquirir merenda para famílias e alunos que mais precisam.
“Além da dificuldade em adquirir materiais básicos para o retorno às aulas e para o enfrentamento à pandemia, como álcool em gel e máscaras. Sem esse recurso, as redes não vão conseguir executar essas ações, importantíssimas para a volta às aulas”, completa Wei.
Na opinião do doutor em psicologia educacional e pesquisador em educação Afonso Galvão, a queda expressiva na arrecadação dos municípios torna o cenário da educação pública “mais angustiante e difícil.” “Não dá para facilitar e aliviar os danos sem a intervenção do governo federal com alocação de mais recursos para a educação básica. Não tem jeito”, reforça.
Galvão ressalta a desigualdade entre alunos da rede pública e privada, que ficou mais acentuada durante a doença de magnitude global. Para eles, as consequências disso são sérias. “Nas escolas particulares, os danos pedagógicos têm sido relativamente pequenos. Os alunos têm uma boa estrutura de acesso aos aspectos fundamentais de educação on-line, como internet de boa qualidade, equipamentos e conteúdos adequados e disponíveis para essa modalidade de ensino, com professores cada vez mais habilitados para a oferta do ensino a distância”, destaca.
“Isso não tem ocorrido com a educação pública. Os alunos estão afastados da escola e há um sério risco de eles perderem o ano letivo. E o sistema público de ensino não consegue garantir condições de segurança para evitar que os alunos contraiam o vírus e levem aos seus familiares”, lamenta.
Educação em meio à crise
O estudo revela que o levantamento feito com 82 redes municipais de educação, majoritariamente de grande porte, identificou que há um conjunto de gastos adicionais neste ano de R$ 870 por estudante matriculado, por conta da pandemia. Segundo o relatório, esse é o valor médio per capita resultante da soma de estimativas de despesas com ensino remoto, garantia de alimentação dos(as) estudantes, comunicação com as famílias, patrocínio de pacotes de dados de internet e compra de materiais de higiene.
As redes estaduais de educação, ainda de acordo com o relatório, devem perder até R$ 28 bilhões em tributos vinculados à MDE), a depender do cenário de crise econômica. Um cenário mais otimista considera queda de 8% nos tributos estaduais em 2020, o que resulta em redução na disponibilidade de R$ 9 bilhões. Já o cenário um pouco menos otimista toma como base as projeções da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que indicam queda da ordem de 15%, com diminuição de R$ 17 bilhões.
Um terceiro cenário, considerado o mais pessimista segundo os dados, estima uma queda de 25% na carga tributária estadual, o que significa uma perda de R$ 28 bilhões no montante de tributos vinculados à MDE em relação a 2019. Tomando o conjunto de 15,3 milhões de estudantes em redes estaduais de educação básica, isso significaria uma redução média no investimento anual por estudante de R$ 579 no cenário otimista e de R$ 1.809 no cenário mais pessimista.
Em nota, a FNP projeta uma redução das principais fontes de receita tributárias na ordem de R$ 9,6 bi em municípios com mais de 100 mil habitantes e de R$ 7,79 bi nos municípios com mais de 500 mil habitantes. Segundo a entidade, “o gasto com educação, por outro lado, deve se reduzir devido ao fechamento de escolas. Contudo, deve-se ponderar que esta redução será residual, haja vista o fato de que a maior parte da despesa em educação estar relacionada aos servidores da área, que continuarão a receber seus salários.”
Na opinião de Gustavo Wei, para conter esse cenário, é preciso tomar atitudes imediatas. “Para evitar o colapso financeiro, a primeira ação é a aprovação do Fundeb, isso porque ele impede um grave subfinanciamento das redes e dá previsibilidade orçamentária para os municípios conseguirem se estruturar e planejar ações de médio e de longo prazo”, afirma.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) está em vias de ser votado no Senado. A pauta tramita na Casa como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 26/2020. Recentemente votado na Câmara dos Deputados, o texto pode tornar o Fundo que financia cerca de dois terços da educação permanente. Por lei, a validade expirava esse ano e sua ausência poderia provocar “caos” na educação.
Para Afonso Galvão, o governo ainda não entendeu a dimensão de uma medida considerada essencial, especialmente para municípios mais pobres. “O Fundo deve ser aprimorado e desenvolver políticas públicas capazes de promover justiça social em termos de distribuição dos recursos do Fundo, mas a aprovação pelo Congresso é muito positiva.”
O superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, classifica o Fundeb como “um bom exemplo de política pública relevante, pertinente e que evolui ao longo da história. E seu princípio de reduzir as desigualdades é absolutamente fundamental para uma visão republicana das redes para o Brasil como um todo.”
No entanto, Gustavo Wei, coordenador de Relações Federativas do Todos Pela Educação, aponta que somente o Fundeb não resolverá a situação de 2020 e, provavelmente, a de 2021.
Qualidade da merenda escolar depende de ações pontuais das prefeituras, afirma presidente da Undime
Recessão econômica gerada pela pandemia impactou financiamento do Fundeb
“Precisamos também de outras ações para as redes municipais superarem essa crise, como acesso gratuito à internet e aumentar os recursos de transferência que chegam na ponta, como programas de merenda (Programa Nacional de Alimentação Escolar e Programa Dinheiro Direto na Escola). Isso ajudaria as escolas a adquirirem material necessário para a volta às aulas e aumentaria o valor disponível para a compra dessa merenda”, exemplifica.
Em meio à tragédia causada pela pandemia, Gustavo Wei acredita que as famílias estão começando a entender melhor o papel da educação na vida de crianças e adolescentes. “Muitos deram mais valor à educação na vida dos filhos e perceberam o quanto ela auxilia no desenvolvimento deles enquanto seres humanos e cidadãos, além da valorização de professores. Mas o que a gente precisa agora é dar um passo maior, de valorizar a educação enquanto sociedade. É a educação, enquanto vetor de desenvolvimento social, que vai fazer o Brasil sair dessa crise. As decisões que tomarmos hoje vão definir se vamos sair mais rápido e com menos sequelas dessa crise a médio e longo prazo”, aposta Gustavo.
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