Márcio Migon. Foto: Arquivo Pessoal
Márcio Migon. Foto: Arquivo Pessoal

Acesso à internet entre os mais pobres aumentou, mas impacto da conectividade na vida das pessoas continua desigual entre as classes, diz especialista

O portal Brasil61.com conversou com o ex-coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil, Márcio Migon. Ele avaliou o crescimento do número de usuários e como, ainda sim, há desigualdade qualitativa


Desde o início da pandemia da Covid-19 até o fim de 2020, o número de domicílios brasileiros com acesso à internet passou de 71% para 83%. Isso significa que quase 62 milhões de domicílios estão conectados à rede no país, apontam os dados mais recentes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)

Segundo levantamento do CGI publicado no fim do ano passado, o aumento mais significativo no uso da internet entre as classes socioeconômicas ocorreu entre as classes C (de 78% para 85%) e D e E (de 57% para 67%). Com isso, a diferença entre as classes com a maior e a menor proporção de usuários caiu de 66% para 30% nos últimos cinco anos. 

Os dados revelam uma situação que parece contraditória: ao mesmo tempo em que mais brasileiros com menor poder aquisitivo têm acesso à internet em comparação aos de melhores condições financeiras, a desigualdade permanece, principalmente, no que diz respeito ao uso e qualidade do acesso. Para tentar explicar o paradoxo e o porquê disso ocorrer, o portal Brasil61.com conversou com Márcio Migon, ex-coordenador do CGI.br. 

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Migon ressalta que a pandemia da Covid-19 forçou uma mudança nas relações de trabalho, com a adoção do trabalho remoto por muitas empresas, nas relações de consumo, com o fortalecimento do comércio eletrônico e, obviamente na saúde, com o crescimento das teleconsultas. “Fato é que todas as classes estão usando e estão ficando horas ligadas e conectadas e sendo o celular o meio preferencial de ingresso do brasileiro e da brasileira na internet hoje. Agora, como outros serviços públicos ou outros serviços de uma forma geral, seja educação, seja saúde, infelizmente nós ainda vivemos num país com imensas disparidades”, lamenta. 

As disparidades às quais Migon se refere vão desde os equipamentos que, no caso do computador, está presente em 100% dos domicílios da classe A, mas apenas em 13% das classes D e E, até do uso que as pessoas fazem da internet quando estão on-line. 

“É claro que a qualidade do uso da internet ou quanto que isso satisfaz as aspirações, as necessidades básicas dos indivíduos e o quanto que os indivíduos estão cientes e conscientes em relação a isso, a depender da classe social, daquele que se conecta, é uma discussão bastante complexa. Apesar do volume ter aumentado, a qualidade do uso, o impacto do uso na vida das pessoas foi díspar de acordo com as classes sociais”, avalia. 

Durante o bate-papo, o ex-coordenador do CGI.br também opinou sobre as tentativas do Congresso Nacional e do poder Judiciário de regulação das redes sociais, como o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como o PL das Fake News, e qual o seu impacto nas eleições deste ano e na liberdade de expressão dos cidadãos. 

Confira mais uma edição do Brasil 61 Entrevista logo abaixo: 

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LOC.: O número de domicílios brasileiros com acesso à internet passou de 71% para 83% desde o início da pandemia da Covid-19. Ou seja, quase 62 milhões de domicílios estão conectados à internet no país, apontam os dados mais recentes do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br. O aumento mais significativo do uso da internet ocorreu nas classes mais pobres. Mas ainda há desigualdades, principalmente em relação ao uso e qualidade do acesso. 

No Brasil61 Entrevista dessa semana, eu, Felipe Moura, bati um papo com Márcio Migon, ex-coordenador do CGI.br. O especialista falou sobre o crescimento da internet no Brasil, os desafios para tornar isso mais impactante para todos os usuários e, também, sobre a regulamentação das redes sociais. 

Márcio, qual o impacto que a pandemia da Covid-19 teve sobre o acesso dos domicílios brasileiros à internet? 

TEC./SONORA: Márcio Migon, ex-coordenador do CGI.br
 

“O que a gente percebe é que a internet não para de crescer. Não preciso mencionar o poder dessas novas plataformas de entregas, dessa revolução do mundo do trabalho, que também precisa ser olhada com lupa e precisa ser trabalhada como muita frieza e pragmatismo, mas fato é que todas as classes estão usando e estão ficando muito mais horas ligadas e conectadas,  sendo o celular o meio preferencial de ingresso do brasileiro e da brasileira na internet hoje. Agora, como outros serviços públicos ou outros serviços de uma forma geral, seja educação, seja saúde, infelizmente nós ainda vivemos num país com imensas disparidades. Apesar do volume ter aumentado, a qualidade do uso, o impacto do uso na vida das pessoas foi muito díspar de acordo com as classes sociais.”
 


LOC.: A diferença do número de usuários entre as classes mais pobres e as com maior poder aquisitivo diminuiu, mas a desigualdade aumentou? Como explicar isso? 

TEC./SONORA: Márcio Migon, ex-coordenador do CGI.br
 

“Porque é justamente em função do uso que se faz do tempo de tela, para onde está indo aquele tempo de tela e qual é o custo daquele tempo de tela, qual o tamanho da tela que a pessoa está usando. Então, são elementos que impactam a qualidade. Se eu sou um motorista de aplicativo e rodo 14 horas logado na internet com um mapa rodando na minha frente, eu estou na internet, eu não tenho dúvida que eu estou na internet. Mas o quanto de renda aquilo está me gerando, o quanto de conhecimento aquilo está me gerando, quanto de satisfação pessoal aquilo está me gerando, quanto de interações sociais aqui me gerando é de uma certa natureza. Se eu sou um web designer e passo dez horas na internet surfando e visitando outros sites e criando soluções e experiência do usuário e conectando pessoas e tal, eu também tenho acesso à internet, eu também estou em volume de horas, eu também trafego um certo volume de dados, só que isso está me trazendo um volume de conhecimento diferenciado, uma renda diferenciada, está me trazendo um nível de conectividade social de interação social que não compara com o motorista de aplicativo, que não compara como professor personal trainer que faz o seu treino pela internet, que não compara, enfim, com outras profissões. Ou seja, as desigualdades estão muito mais ligadas às profissões propriamente ditas ao meu ver do que ao acesso ou não”. 
 


LOC.: Márcio, no fim do ano passado, o grupo de trabalho da Câmara aprovou um parecer pela regulação das redes sociais. O texto traz uma série de normas que visam impedir a propagação das chamadas fake news  e impõe algumas exigências às plataformas, como a existência de representante no Brasil e remuneração de conteúdo jornalístico. O que achou da proposta em geral?

TEC./SONORA: Márcio Migon, ex-coordenador do CGI.br
 

“É o chamado PL das fake news. Ele veio do Senado, foi votado com muita brevidade no Senado em cima de um clamor muito grande daquela época de abertura de inquéritos no TSE ligados às eleições de 2018 e o Senado então, entendo que assim impelido por toda essa vontade popular, digamos assim, de colocar algum regramento naquele mundo ali que para muitos pareceu uma terra de faroeste na eleição de dois mil e vinte, botar uma ordem naquilo ali. Rapidamente, o presidente da Câmara trouxe de volta esse projeto pra mesa e passou então a instituir um Grupo de Trabalho. Nota-se um certo açodamento dos legisladores, talvez no afã de quererem melhorar o ambiente para as eleições vindouras agora desse ano. Mas percebam que é muito tarde já pra qualquer novo dispositivo legal surtir um efeito prático. Pra mim está muito claro que as eleições de dois mil e vinte e dois são regidas por toda a legislação que já está aí. Agora, dentre os vários méritos, a gente pode aqui trabalhar as analogias com a Austrália no que tange remuneração de mídia, a gente pode trabalhar aqui questão do tamanho das mensageiras, da capacidade do alcance que essas mensagerias podem ter, das dificuldades de se regular a atividade, por exemplo, dos mecanismo de busca, tem várias vários elementos que o projeto de lei trouxe e que permitiu que fossem discutidos que têm muito mérito”. 
 


LOC.: Uma das críticas ao texto é que ele é subjetivo e o termo fake news pode ser usado para criminalizar opinião, o que é um assunto delicado. Acha que é necessário regulamentar as redes sociais? 

TEC./SONORA: Márcio Migon, ex-coordenador do CGI.br
 

“Eu entendo que alguma coisa deve ser perseguida. Eu tenho pra mim que essa regulamentação tem que ser conduzida por alguém muito inovador. Por que não pensar em alguém que se a gente não quer o Poder Executivo agindo com força como por uma agência reguladora, a gente não quer a justiça agindo sozinha porque talvez ela não tenha agilidade nem os conhecimentos técnicos suficientes para isso, a gente não quer deixar as empresas também sozinhas e se organizarem ou se auto gerirem. Então por que não unir num arcabouço multissetorial, e trazendo pra dentro desse arcabouço multissetorial outros poderes instalados do estado e da República, como o poder judiciário, como o poder legislativo, como o Ministério Público e, a partir desse novo contexto institucional, termos alguém que seja competente, que consiga lidar com todos esses paradoxos.” 
 


LOC.: E com isso chegamos ao fim do Brasil61 Entrevista. Eu conversei com Márcio Migon o, ex-coordenador do CGI.br. O especialista falou sobre o crescimento da internet no Brasil, os desafios para tornar isso mais impactante para todos os usuários e, também, sobre a regulamentação das redes sociais. 

Reportagem, Felipe Moura.