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O marco regulatório do saneamento básico, aprovado e sancionado em julho deste ano, deve aprimorar o modelo de gestão dos consórcios intermunicipais. A conclusão é de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado no início de setembro, que mostra também que as novas regras no setor sinalizam avanços socioeconômicos e melhorias no sistema de coleta, tratamento de água e esgotamento sanitário. Mas os pesquisadores alertam: a situação fiscal “delicada” nos municípios, com endividamento e limitações em investimentos, pode ser um entrave para esse avanço.
O estudo “Regulação e investimento no setor de saneamento no brasil: trajetórias, desafios e incertezas” analisou a execução orçamentária no setor em um período de 15 anos, de 2002 a 2017. De acordo com os dados do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), do Ministério do Desenvolvimento Regional, os aportes dos governos municipais e da União somaram cerca de R$ 82,5 bilhões nesse tempo, o que representa, em média, 0,10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
O documento aponta, ainda, que esse valor está abaixo da meta traçada para 2033, que estabelece R$ 600 bilhões em investimentos no saneamento básico brasileiro. O Plansab estima que 40% dos investimentos (R$ 253 bilhões) sejam provenientes do orçamento da União, sendo os demais recursos de outros agentes públicos e privados.
“Primeiramente, é bom destacar que esse novo marco legal não muda totalmente a lei vigente (Lei nº 11.445/07), ou seja, o Estado tem responsabilidades, os municípios e os governos estaduais têm responsabilidades, agora a Agência Nacional de Água tem responsabilidade e os prestadores de serviços, que são as empresas de água e esgoto. Então, não há mudanças bruscas com o novo marco, apenas expectativa de adaptações a médio e a longo prazo”, destaca um dos responsáveis pelo estudo, Gesmar Rosa dos Santos.
Segundo o pesquisador, o marco regulatório veio para “chacoalhar” o setor, alcançando, especialmente, municípios pequenos e regiões isoladas. “Quando você tem um déficit muito grande, como era na década de 1980, há o aumento da oferta de serviços, como houve de lá para cá. Dessa forma, fica muito mais difícil atingir municípios muito pequenos, populações isoladas, zonas rurais como um todo, favelas em condições precárias. Isso ainda não está resolvido e ainda vai haver uma certa demora, mas o marco deu uma chacoalhada nesse aspecto”, defende Santos.
O marco legal, segundo ele, pode trazer mais autonomia para o setor de saneamento, que passaria a depender menos de recursos da União com a entrada de capital privado. “Passaria a depender mais de recursos de parcerias com o setor privado e das empresas públicas repassados para as tarifas. A tarifa teria que manter um equilíbrio, induzindo também as empresas a perderem menos água ao captá-la, diminuindo o desperdício”, projeta Gesmar Rosa dos Santos.
Porém, o estudioso pondera os pontos sensíveis da nova lei. Na opinião dele, as medidas que poderiam ser observadas com maior clareza são todas a médio e longo prazo – as de curto prazo são praticamente inexistentes. “É algo que ainda pode ser mais bem discutido, e acho que ainda será, mas há uma dependência dos municípios em relação a uma reforma tributária. O problema central não é dessa nova lei, é estrutural do Brasil, da nossa configuração de estados e municípios, das atribuições diversas dentro do sistema federativo”, aponta.
“A maioria dos municípios está praticamente falida, com baixíssima arrecadação. Quando a economia é altamente dependente de produção com pouca arrecadação de impostos, não vejo saída a curto prazo”, completa Santos.
O marco legal do saneamento prevê que os estados podem definir “microrregiões”, com a criação de “blocos de municípios”. De acordo com o texto, nenhuma empresa pode deixar de atender, à revelia, determinado município, sob o risco de ter o contrato de concessão cancelado. Entre os critérios que poderão ser utilizados, estão o pertencimento à mesma bacia hidrográfica, vizinhança geográfica ou mesmo uma combinação entre localidades superavitárias e deficitárias. A ideia, segundo o governo, é que duas ou mais cidades sejam atendidas, de forma coletiva, por uma mesma empresa.
Outro ponto de atenção citado pelo pesquisador do Ipea é que houve pouca mudança em relação à viabilização de serviços de coleta e destinação adequada de lixos e de drenagem do sistema urbano de águas pluviais. “Também traz incertezas quanto aos contratos chamados precários, que são os contratos de gestão estabelecidos entre os municípios e as empresas de saneamento estaduais. Muitas entidades do setor dizem que há inconstitucionalidades. A meu ver, há pelo menos incertezas”, detalha.
Na lista de desafios a serem resolvidos, Gesmar aponta pelo menos dois. “O primeiro é resolver a questão dos impasses que restam do ponto de vista interpretativo e de encaminhamentos de dúvidas quanto ao marco. Isso vai demandar esforço das entidades governamentais e judiciárias, especialmente sobre os vetos. A outra questão é dotar de capacidade os municípios. Capacidade técnica, de desenvolver bons projetos, de captar recursos e de manter os sistemas pequenos de saneamento. Por isso, é interessante que haja ganho de escala com os consórcios e continuidade das empresas que estão hoje prestando bons serviços”, endossa.
Uma das propostas do novo marco legal, sancionado em julho pela Presidência da República, é o aumento da participação da iniciativa privada na prestação de serviços de saneamento básico, com parcerias público-privadas e contratos por meio de licitação. Dados da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) mostram que a participação da iniciativa privada nos municípios em relação aos serviços de saneamento representa pouco mais de 5%.
O maior controle de empresas prestadoras de serviços nas cidades ainda é das companhias estaduais, com 72%, e das municipais, com 25,7%. “Temos 5,2% de participação nos municípios e somos responsáveis por 21% dos investimentos feitos em saneamento”, garante Percy Soares Neto, presidente da Abcon.
Mas na opinião do engenheiro e coordenador do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Marcos Montenegro, a privatização pode não ser o melhor caminho. “Sinceramente, não acredito que seja a iniciativa privada que vai resolver os problemas graves que temos no atendimento da população brasileira com abastecimento de água e esgotamento sanitário”, destaca.
Montenegro afirma que boa parte do déficit, que é a parte mais difícil de ser resolvida, ocorre nas periferias e cidades pequenas, deixando a população de baixa renda sem atendimento. “Não vai ser quem trabalha o saneamento como negócio e busca o lucro que vai dar atendimento a essa população”, rebate.
Na visão dele, para que todos sejam atendidos efetivamente, é preciso um grande esforço, especialmente partindo da esfera federal. “Precisaria que o governo federal mobilizasse recursos e articulasse melhor com estados e municípios, como já foi feito em outros programas, para enfrentar esse problema e garantir não só na cidade, mas também no campo, que toda população fosse atendida com soluções adequadas de saneamento.”
Gesmar dos Santos acredita que o setor privado não vem para resolver, mas para dar uma “ajuda”. “O setor privado iniciou o serviço de saneamento no Brasil. Posteriormente, foi atendido parcialmente pelo setor público, depois volta o particular em algumas cidades. O setor público retoma novamente e os serviços são distintos e são complementares. Hoje, há um certo consenso de que tanto o recurso público quanto o privado são necessários”, finaliza o pesquisador do Ipea.
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