Foto: Mapa/Divulgação
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Pesca ilegal da lagosta prejudica pescadores e causa danos ambientais na costa nordestina

As lagostas são o pescado de maior valor mundial e de grande impacto econômico nacional em nível de exportação, representando 30% do total do pescado, ao todo cerca de 15 mil pescadores envolvidos na captura do crustáceo

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As normas de regulamentação de três espécies de lagostas sofreram alterações. Diante das mudanças, a Polícia Federal (PF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) têm atuado em operações que fiscalizam a pesca e comercialização do crustáceo no país. No início de fevereiro, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) já havia feito duas prisões por venda ilegal de lagosta no Rio Grande do Norte e na última quarta-feira (1º), no Ceará, quase 250 toneladas de lagosta consideradas ilegais foram identificadas pelo Ibama. 

Segundo a PF, 240 agentes saíram às ruas para combater eventuais crimes ambientais relacionados à pesca e comercialização ilícita da mercadoria. Ao todo, foram cumpridos 60 mandados judiciais em municípios cearenses, além de duas cidades no Rio Grande do Norte e na Bahia. Pescadores, atravessadores e empresas estão envolvidos. As investigações da PF apontam indícios de que alguns usavam documentos falsos para que o produto da pesca ilegal fosse inserido no mercado nacional e internacional.

Alteração das normas

Em 31 de janeiro, uma publicação do Ibama avisava que a Norma do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) sobre a pesca da lagosta havia sofrido alteração, válida a partir de 1º de fevereiro. Pela nova regra, durante o defeso das espécies lagosta vermelha, lagosta verde e lagosta pintada (que dura até 30 de abril), ficam proibidos seu transporte, processamento e comercialização para o mercado nacional. 

Permanece autorizado, no mesmo período, somente o armazenamento do estoque remanescente, mediante declaração de estoque, que foi até 7 de fevereiro. Anteriormente à Portaria, a lagosta podia ser comercializada no mercado brasileiro mesmo durante o defeso, se capturada antes do período e estocada  de modo adequado.  O comércio interno dos estoques declarados segue autorizado nos primeiros três meses do período, de novembro a janeiro. O armazenamento, o transporte, o processamento e a comercialização das lagostas destinadas à exportação também são permitidos, mediante declaração de estoque.

Segundo o analista ambiental Igor de Britto, “a lagosta é contemplada em vasto ordenamento pesqueiro por ser um dos principais produtos exportados a partir da região Nordeste e em função da sua importância ambiental, social e econômica”. Com isso, a pesca do crustáceo é , há anos, alvo de grande relevância para a fiscalização. 

O que diz o MPA

O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) reafirmou a sua disposição de apoiar de forma incondicional o empresário, o pescador e a pescadora que atuam dentro da lei, de acordo com as normas e com respeito ao meio ambiente. ”A pesca da lagosta é devidamente regulamentada e toda a cadeia pesqueira conhece as regras do defeso em todo o país. Portanto, a exploração da lagosta pela pesca legal sempre terá no governo do presidente Lula um aliado e parceiro com quem pode contar”, diz o comunicado. 

Mercado da lagosta no Brasil

As lagostas são o pescado de maior valor mundial e de grande impacto econômico nacional em nível de exportação, representando 30% do total do pescado enviado ao exterior. São cerca de 15 mil pescadores envolvidos na captura do crustáceo, segundo o Centro de Desenvolvimento Sustentável de Pesca do Brasil (Cedepesca).
Ao todo, as exportações de lagosta geram cerca de R$ 375 milhões em divisas todos os anos, sendo o produto pesqueiro mais importante da balança comercial brasileira.

O Ceará é o principal produtor de lagosta no país, responsável por cerca de 65% das exportações. “O Ceará, o Rio Grande do Norte, a Paraíba, Pernambuco e a Bahia mais recentemente. Mas os principais players são de fato o Ceará e o Rio Grande do Norte, os dois maiores produtores de lagosta no Brasil”, destaca o diretor científico da Oceana, o oceanógrafo Martin Dias. 

Segundo Adriana Silva, assessora jurídica da Federação dos Pescadores e Aquicultores Artesanais do Rio Grande do Norte, as estatísticas de exportações estão defasadas. Mas a federação estima que seja embarcada aproximadamente 1,5 tonelada por ano do crustáceo no estado. “O Rio Grande do Norte já foi o grande exportador de lagosta, mas como as licenças de pesca foram se extinguindo a venda é subnotificada. Logo a estatística está totalmente defasada. Porque a gente não sabe se é uma tonelada ou mais que isso”, ela complementa que esse é um dos principais gargalos do setor. 

A pesca da lagosta com mergulho ocorre há pelo menos 30 anos na costa nordeste do país, e o seu crescimento coincide com declínios nos estoques naturais da espécie. Segundo o diretor científico da Oceana, a população de lagosta-vermelha, principal espécie capturada, sofreu reduções de até 87% e está à beira de um colapso. “A lagosta é um recurso pesqueiro de suma importância para a pesca brasileira. Ela está numa situação complicada do ponto de vista biológico, mas isso se reverte em médio prazo. Políticas públicas de acerto sobem esse estoque. A gente pode ter inclusive aumento da produção futura, mas para isso a gente precisa de política pública séria e com uma gestão de controle de limite de captura”, afirma Dias. 

Dias avalia ainda que a escassez de lagosta nos mares brasileiros têm tornado a pesca legal de lagosta inviável economicamente. “É uma tendência de conflito dentro do setor, você tem de um lado que tenta produzir legalmente e do outro um trabalhando com métodos de pesca clandestino e em períodos que não pode. Do ponto de vista socioeconômico a pesca ilegal é também uma competição desleal. Você tem alguém que está ali usando o método de pesca permitido pelo governo, mas que tem baixo rendimento porque tem pouca lagosta no mar e de repente você põe alguém que pesca com mergulho, pesca de forma clandestina e na mesmo dia de pescaria ele produz sete vezes mais”. 

Pescador há 14 anos, Beto como é conhecido na comunidade de Ponta Negra no Rio Grande Norte explica que nos últimos anos viu a escassez da lagosta aumentar. “Vários motivos tem influenciado, muitos capturadores de lagosta pescando nas áreas dos manzuá. Além de sermos roubados por mergulhadores durante a atividade de pesca”. 

Manzuá

O método tradicional de pesca de lagostas é o manzuá, um tipo de armadilha jogada pelos pescadores para a captura da espécie. Mas com a escassez de lagostas, essa prática tem ficado cada vez mais rara, e a pesca de mergulho vem ganhando espaço. 

Foto: Ellen Freitas

No mergulho, os pescadores depositam milhares de atratores de lagostas, chamados de marambaias. As lagostas usam estes atratores como abrigo, facilitando a sua captura pelos mergulhadores.

Dados do setor pesqueiro apontam que cerca de 98% da pesca da lagosta capturada tem origem ilegal, proveniente da pesca com mergulho e com as redes chamadas caçoeiras.

Mesmo não tendo origem legal, esses produtos conseguem ser facilmente processados e exportados. Isso porque a identificação das fraudes na cadeia produtiva é extremamente complexa. “Não há sistemas informatizados que possibilitem o cruzamento de dados, como notas fiscais. A rastreabilidade de um container de lagosta exportada é praticamente impossível, é preciso mudar essa realidade”, alerta Dias.

Adriana também avalia que falta um controle efetivo na fiscalização. “Não existe um controle das embarcações e do pescado. Quando um barco tem licença ele é rastreado pelo Ibama e entrega na empresa a declaração com nota fiscal, mas o barco que não tem licença ele faz de outra forma”.

O Brasil não realiza a estatística pesqueira há mais de 10 anos e a ausência de dados impossibilita qualquer forma de elaboração e adição de políticas públicas.
 

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