Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Lei que autoriza Brasil a aplicar sanções contra países derrotados na OMC pode reparar perdas do setor produtivo, avalia especialista

Luciana Morilas, professora de direito comercial e direito internacional da USP, diz que medida permite ao governo dar subsídios à indústria e ao agronegócio como forma de compensar barreiras impostas aos produtos brasileiros por outros países. Segundo CNI, disputas paradas na OMC somam US$ 3,7 bilhões

ÚLTIMAS SOBRE ECONOMIA


A Lei 14.353/2022, que autoriza o Brasil a retaliar países contra os quais tem disputa pendente de julgamento de apelação na Organização Mundial do Comércio (OMC), pode trazer vantagens para as indústrias do aço e de aeronaves. Esses setores estão no centro de desavenças do Brasil com outras nações no âmbito da OMC. 

Luciana Morilas, professora de direito comercial e direito internacional da Universidade de São Paulo (USP), explica que quando um país discorda de uma política econômica adotada por outro no âmbito do comércio internacional, ele pode levar a questão para a OMC. 

Em um primeiro momento, tenta-se resolver a diferença em comum acordo. Se uma solução não ocorrer em até 60 dias, um painel de especialistas analisa e dá o veredito sobre a disputa. Caso o país que reclamou tenha razão, ele pode aplicar sanções, como o estabelecimento de cotas para importação ou sobretaxas para reparar os danos causados pela outra nação. Se o país perdedor discordar da decisão, pode recorrer ao Órgão de Apelação da OMC. 

O problema é que esse colegiado está parado desde o fim de 2019, já que não tem o número mínimo de membros para funcionar e os Estados Unidos estão barrando novas nomeações. 

O governo brasileiro argumenta que há casos em que a OMC decidiu a favor do Brasil em contendas com outros países, mas que essas nações adiam as consequências da condenação apelando para um órgão que sequer está funcionando. A estratégia é conhecida como “apelação no vazio”. 

Por meio dessa lei, desde junho o Brasil pode aplicar sanções unilaterais já aprovadas no painel de especialistas e que foram motivo de apelação no vazio pelos países derrotados. Morilas diz que a medida é boa para o Brasil. “Os órgãos internacionais costumam funcionar na base do acordo político. Não tem nenhum órgão internacional que possa julgar e dizer: ‘você vai ter que pagar uma multa de tanto’. O cara fala ‘tá bom, eu não vou pagar e daí?’ É por isso que pra eles muito pouco interessa esse tipo de solução. Se o país simplesmente fala: ‘eu não vou participar disso’, vira uma terra sem lei e aí todo mundo perde”, explica.  

COMÉRCIO EXTERIOR: Promulgada MP que autoriza Brasil a aplicar retaliações

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), além do aço e das aeronaves, o Brasil questiona subsídios ou barreiras de acesso a mercados que afetam os segmentos de carne bovina, carne de frango e açúcar. São cerca de US$ 3,7 bilhões envolvidos em disputas contra Estados Unidos, Índia, Indonésia e Tailândia. 

De acordo com a lei, se o Brasil quiser, pode aplicar retaliações contra esses países, mas deve notificá-los com 60 dias de antecedência e só então, em caso de recusa à cooperação por parte dessas nações, adotar sanções comerciais unilaterais. As retaliações não podem superar o valor do prejuízo que foi causado às exportações brasileiras. 

“As sanções podem ser a imposição de uma sobretaxa sobre os produtos, a aprovação de subsídios aos produtos brasileiros para melhorar a concorrência e medidas para restringir o comércio com o país estrangeiro”, explica Morilas. 

A especialista destaca que os cerca de US$ 3,7 bilhões que o Brasil questiona na OMC não voltam mais. “É um valor que a gente deveria ganhar com as nossas exportações e que, porque os países estão dando subsídios, favorecendo os seus próprios produtos, o Brasil deixa de ganhar”, afirma. 

Em razão disso, as empresas brasileiras desses setores venderam menos do que poderiam por ter seu acesso ao mercado internacional dificultado. Por isso, a lei que permite a retaliação é positiva, avalia Morilas, ao permitir que o Brasil recupere o dano por meio de incentivos ao setor produtivo nacional. “A ideia é que elas consigam vender e alcançar esse valor, esses 3,7 bi de dólares, por exemplo”. 

Disputas

Morilas explica que essas controvérsias entre os países no comércio internacional costumam começar porque uma nação dá subsídios a empresas de um determinado setor para facilitar a exportação. “É comum que os governos deem incentivos para exportação de frango, por exemplo. Eu quero competir internacionalmente, eu baixo as taxas internamente para que quem produz frango seja estimulado a produzir frango e, portanto, exportar. É dar dinheiro mesmo, baixar tributação para quem fizer isso”, diz. 

Já quando um país quer evitar que seu setor produtivo seja desbancado pelo mesmo setor de outra nação, pode dificultar a importação por meio de sobretaxas. Foi o que fez a Indonésia em relação ao frango produzido no Brasil. O país asiático criou barreiras para impedir a compra da proteína brasileira, motivo pelo qual foi derrotado no painel de especialistas da OMC. 

Receba nossos conteúdos em primeira mão.

LOC.: A lei que autoriza o Brasil a retaliar países contra os quais tem disputa pendente de julgamento de apelação na Organização Mundial do Comércio, a OMC, pode trazer vantagens para o setor produtivo. Em especial os segmentos de aço, aeronaves, frango, carne bovina e açúcar, que estão no centro de desavenças do Brasil com outras nações no âmbito da OMC. 

Derrotados pelo Brasil na OMC, alguns países recorreram ao órgão de apelação da entidade. Mas esse órgão está parado desde 2019 e o governo brasileiro acredita que essas nações apelam ao colegiado como estratégia para adiar as penalidades. 

Desde junho, o Brasil pode aplicar sanções unilaterais já aprovadas pela OMC e que foram motivo de apelação pelos países derrotados. A professora de direito comercial e direito internacional da Universidade de São Paulo, Luciana Morilas,  diz que a medida é boa para o Brasil. 

TEC./SONORA: Luciana Morilas, professora de direito comercial e direito internacional da USP
 

“Os órgãos internacionais costumam funcionar na base do acordo político. Não tem nenhum órgão internacional que possa julgar e dizer: ‘você vai ter que pagar uma multa de tanto’. O cara fala ‘tá bom, eu não vou pagar e daí?’ É por isso que pra eles muito pouco interessa esse tipo de solução. Se o país simplesmente fala: ‘eu não vou participar disso’, vira uma terra sem lei e aí todo mundo perde”. 


LOC.: Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), são cerca de US$ 3 bilhões e 700 milhões envolvidos em disputas contra Estados Unidos, Índia, Indonésia e Tailândia. Luciana Morilas diz que por causa de subsídios desses países à produção local ou de sobretaxas para a importação de produtos brasileiros, as empresas nacionais ganharam menos do que poderiam com as exportações. A lei aprovada permite ao Brasil reparar o dano. 

TEC./SONORA: Luciana Morilas, professora de direito comercial e direito internacional da USP
 

“As sanções podem ser a imposição de uma sobretaxa sobre os produtos, a aprovação de subsídios aos produtos brasileiros para melhorar a concorrência e medidas para restringir o comércio com o país estrangeiro”. 


LOC.: Se o Brasil quiser, pode aplicar retaliações contra esses países, mas deve notificá-los com 60 dias de antecedência e só então, em caso de recusa à cooperação, adotar sanções unilaterais. 

Reportagem, Felipe Moura.