Data de publicação: 20 de Setembro de 2022, 03:45h, Atualizado em: 01 de Agosto de 2024, 19:33h
A Lei 14.353/2022, que autoriza o Brasil a retaliar países contra os quais tem disputa pendente de julgamento de apelação na Organização Mundial do Comércio (OMC), pode trazer vantagens para as indústrias do aço e de aeronaves. Esses setores estão no centro de desavenças do Brasil com outras nações no âmbito da OMC.
Luciana Morilas, professora de direito comercial e direito internacional da Universidade de São Paulo (USP), explica que quando um país discorda de uma política econômica adotada por outro no âmbito do comércio internacional, ele pode levar a questão para a OMC.
Em um primeiro momento, tenta-se resolver a diferença em comum acordo. Se uma solução não ocorrer em até 60 dias, um painel de especialistas analisa e dá o veredito sobre a disputa. Caso o país que reclamou tenha razão, ele pode aplicar sanções, como o estabelecimento de cotas para importação ou sobretaxas para reparar os danos causados pela outra nação. Se o país perdedor discordar da decisão, pode recorrer ao Órgão de Apelação da OMC.
O problema é que esse colegiado está parado desde o fim de 2019, já que não tem o número mínimo de membros para funcionar e os Estados Unidos estão barrando novas nomeações.
O governo brasileiro argumenta que há casos em que a OMC decidiu a favor do Brasil em contendas com outros países, mas que essas nações adiam as consequências da condenação apelando para um órgão que sequer está funcionando. A estratégia é conhecida como “apelação no vazio”.
Por meio dessa lei, desde junho o Brasil pode aplicar sanções unilaterais já aprovadas no painel de especialistas e que foram motivo de apelação no vazio pelos países derrotados. Morilas diz que a medida é boa para o Brasil. “Os órgãos internacionais costumam funcionar na base do acordo político. Não tem nenhum órgão internacional que possa julgar e dizer: ‘você vai ter que pagar uma multa de tanto’. O cara fala ‘tá bom, eu não vou pagar e daí?’ É por isso que pra eles muito pouco interessa esse tipo de solução. Se o país simplesmente fala: ‘eu não vou participar disso’, vira uma terra sem lei e aí todo mundo perde”, explica.
COMÉRCIO EXTERIOR: Promulgada MP que autoriza Brasil a aplicar retaliações
Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), além do aço e das aeronaves, o Brasil questiona subsídios ou barreiras de acesso a mercados que afetam os segmentos de carne bovina, carne de frango e açúcar. São cerca de US$ 3,7 bilhões envolvidos em disputas contra Estados Unidos, Índia, Indonésia e Tailândia.
De acordo com a lei, se o Brasil quiser, pode aplicar retaliações contra esses países, mas deve notificá-los com 60 dias de antecedência e só então, em caso de recusa à cooperação por parte dessas nações, adotar sanções comerciais unilaterais. As retaliações não podem superar o valor do prejuízo que foi causado às exportações brasileiras.
“As sanções podem ser a imposição de uma sobretaxa sobre os produtos, a aprovação de subsídios aos produtos brasileiros para melhorar a concorrência e medidas para restringir o comércio com o país estrangeiro”, explica Morilas.
A especialista destaca que os cerca de US$ 3,7 bilhões que o Brasil questiona na OMC não voltam mais. “É um valor que a gente deveria ganhar com as nossas exportações e que, porque os países estão dando subsídios, favorecendo os seus próprios produtos, o Brasil deixa de ganhar”, afirma.
Em razão disso, as empresas brasileiras desses setores venderam menos do que poderiam por ter seu acesso ao mercado internacional dificultado. Por isso, a lei que permite a retaliação é positiva, avalia Morilas, ao permitir que o Brasil recupere o dano por meio de incentivos ao setor produtivo nacional. “A ideia é que elas consigam vender e alcançar esse valor, esses 3,7 bi de dólares, por exemplo”.
Disputas
Morilas explica que essas controvérsias entre os países no comércio internacional costumam começar porque uma nação dá subsídios a empresas de um determinado setor para facilitar a exportação. “É comum que os governos deem incentivos para exportação de frango, por exemplo. Eu quero competir internacionalmente, eu baixo as taxas internamente para que quem produz frango seja estimulado a produzir frango e, portanto, exportar. É dar dinheiro mesmo, baixar tributação para quem fizer isso”, diz.
Já quando um país quer evitar que seu setor produtivo seja desbancado pelo mesmo setor de outra nação, pode dificultar a importação por meio de sobretaxas. Foi o que fez a Indonésia em relação ao frango produzido no Brasil. O país asiático criou barreiras para impedir a compra da proteína brasileira, motivo pelo qual foi derrotado no painel de especialistas da OMC.