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Imagine abrir a torneira e ter que consumir uma água que não foi tratada, ou morar em uma rua onde o esgoto é jogado sem nenhum tipo de coleta. Apesar de parecer distante para quem tem acesso a esses serviços básicos, é essa a realidade de quase 35 milhões de brasileiros em 2021, período em que o Novo Marco Legal do Saneamento Básico completa seu primeiro ano, com os primeiros passos de inovações no setor e desafios para o futuro.
Desde antes da sanção da lei nº 14.026, de 2020, o portal Brasil61.com vem acompanhando o tema, que está relacionado aos direitos constitucionais, dignidade e qualidade de vida. O portal também completa um ano de vida em 2021, nesta sexta-feira (4), e carrega nesse espaço de tempo uma extensa gama de conteúdos que explicaram e acompanharam os avanços do saneamento no país, com o intuito de noticiar as lacunas sociais e encontrar caminhos para combatê-las.
Antes de tudo, é preciso conceituar o tema central. Para especialistas ouvidos nestes 12 meses de cobertura, saneamento é a base de qualquer sociedade, e deve estar sempre entre os assuntos principais de trabalho de qualquer gestor público. Edison Carlos, presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, é uma das figuras ativas do país que atuam na promoção desses direitos. Na visão dele, “a infraestrutura de saneamento básico é a mais importante para a vida das pessoas.”
A afirmação é direta, e ele esclarece. “Embora seja um direito humano, muitos brasileiros ainda não têm acesso nem à uma água boa para beber e nem ao esgoto coletado e tratado. Temos ainda 35 milhões de brasileiros que não têm água potável sequer para higienizar as mãos no momento da pandemia. Quase metade da população brasileira, 100 milhões de pessoas, não têm coleta e tratamento de esgoto. Essa é uma situação dramática que todos os países desenvolvidos já resolveram há muito tempo, mas o Brasil ainda peca nessa infraestrutura tão elementar”, lamenta.
Os números citados por Edison expõem a necessidade de mudanças em políticas nacionais, como foi feito na aprovação do Novo Marco Legal, que atualizou a legislação antes vigente, ainda de julho de 2000. A lei atual tem como meta alcançar a universalização dos serviços de saneamento até 2033, garantindo que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto.
Segundo o Ranking do Saneamento de 2021, elaborado pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, somente nas 100 maiores cidades brasileiras, 5,5 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e quase 22 milhões de pessoas não possuem acesso à coleta de esgotos. A pesquisa mostra também que o Brasil ainda não trata metade dos esgotos que gera, jogando na natureza, diariamente, um valor correspondente a 5,3 mil piscinas olímpicas de esgotos sem tratamento.
Essas estatísticas geram conflitos sociais e de saúde, como explica Edison Carlos. “A falta de saneamento básico tem um impacto muito grande na vida das pessoas, principalmente [gerando] doenças. Nesse momento de pandemia, é certo que o Brasil está sofrendo mais que outros países por não ter feito a infraestrutura de saneamento básico, principalmente esses 35 milhões de pessoas que não têm água sequer para tomar um banho, se higienizar. Então, como a gente alertava desde o início, nesses bairros, favelas, cidades mais carentes, as pessoas sofrem mais pela pandemia”, avalia.
Uma série de reportagens foi realizada pelo portal mostrando essa conexão do saneamento com a pandemia. Em uma delas, o portal Brasil61.com mostrou que, sem coleta de esgoto, três em cada quatro sergipanos tinham mais chance de pegar Covid-19. Em outra, foi evidenciado que 108 mil pessoas não tinham coleta de esgoto e água encanada no epicentro da Covid em Roraima.
De acordo com Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), segundo estudo de 2020, 961 dos 5.570 municípios, localizados essencialmente nas regiões Norte e Nordeste do país, registravam prioridade máxima para promover condições de acesso aos recursos públicos e melhorias nos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto.
A Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) emitiu uma nota informando que, atualmente, “a cobertura de abastecimento de água encontra-se em 98,4% e a de esgoto em 44,7%, nos 152 municípios em que atua no Ceará”. A Cagece ainda declarou que, visando a universalização dos serviços e o cumprimento das metas do Novo Marco Regulatório, “a empresa tem diversificado cada vez mais as parcerias financeiras e frentes de captação de recursos”.
Foi realizada no estado uma captação de recursos via emissão de debêntures na ordem de R$776 milhões, em duas séries, sendo a primeira de R$260 milhões e a segunda da ordem de 516 milhões. De acordo com a companhia, investimentos já garantidos estão sendo aplicados em obras, serviços e melhorias, e permitirão elevar a cobertura de esgoto em Fortaleza dos atuais 66,6% para 74,0% até 2022.
Os fatores econômicos estão diretamente ligados à falta de serviços básicos. De acordo com os dados mais recentes do Painel Saneamento Brasil, de 2019, a renda mensal das pessoas com saneamento no país é de R$ 3.028,06, enquanto a renda de quem não tem acesso ao saneamento é de R$ 514,99.
A situação dos estados do Nordeste é a mais preocupante. Na região, a parcela da população sem acesso à água e sem coleta de esgoto é maior do que a média nacional. Os impactos disso são vistos nos números de saúde. Houve 113.748 internações por doenças de veiculação hídrica no Nordeste em 2019, e 1.069 óbitos pela mesma causa.
“Quando uma pessoa, uma moradia ou uma família não tem acesso a água boa para beber, ou o esgoto não é coletado e tratado, é mais comum que ela tenha doenças, que vão mais para os postos e hospitais. Ao se contaminar, elas se afastam do trabalho, as crianças se afastam da escola, os imóveis valem menos. Então, a gente condena essas famílias, esses bairros, a ter uma qualidade de vida muito pior”, detalha Edison Carlos.
Fabrício Soler, advogado, professor e consultor jurídico internacional em resíduos sólidos, afirma que já “é possível mensurar bons resultados do marco de saneamento”. “Nós tivemos concessões bem-sucedidas, como a concessão da Casal [Companhia de Saneamento] em Alagoas, a concessão da Cedae [Companhia Estadual de Águas e Esgotos] do Rio de Janeiro. Agora, temos a concessão que está em curso também no Amapá”, exemplificou.
O especialista também citou como exemplo de melhorias a consulta pública da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Entre 17 de março e 18 de abril deste ano, a agência promoveu consulta pública para a primeira norma de referência para o saneamento desde a aprovação do marco legal do setor. A consulta recebeu 462 contribuições de 50 participantes diferentes, um recorde, dentre prestadores do serviço público de manejo de resíduos sólidos (SMRSU), agências reguladoras e usuários.
“Tem muita coisa acontecendo, felizmente, que está ganhando corpo após a regulação. É uma lei que certamente trouxe ali um arcabouço de efetividade, e isso a gente pode ver com o sucesso das concessões já realizadas, com as perspectivas das novas em breve, que serão objetos de licitações no âmbito dos projetos avaliados”, lembrou Fabrício.
No lado dos bons exemplos, o portal Brasil61.com já noticiou casos como o do município de Limeira (SP). Considerada a 5ª melhor cidade em saneamento básico do Brasil, entre as 100 maiores cidades brasileiras, Limeira sofria com problemas causados pela falta de uma rede ampla de água tratada e de serviço de coleta de esgoto até 1995, mas realizou uma concessão com empresa privada estrangeira, a BRK Ambiental, e alcançou o índice de 100% de cobertura de água e de coleta e tratamento de esgoto na área urbana, em 2011.
O município foi o primeiro do país a conceder os serviços de saneamento à iniciativa privada, que investiu cerca de R$ 560 milhões na cidade desde o início da concessão até abril de 2021. As melhorias também deixaram a região como referência na questão do combate às perdas de água. De acordo com o Índice de Perdas Volumétricas, do Ranking do Saneamento, Limeira perde apenas 77,97 litros de água por ligação/dia. A efeito de comparação, Porto Velho (RO), que puxa o ranking negativo, perde 2.646,10 litros por ligação/dia.
Outras gestões que se destacam positivamente na área são dos municípios de Santos (SP), Maringá (PR), Uberlândia (MG), Franca (SP), e Cascavel (PR). O governo federal também vem apoiando avanços no setor com investimentos noticiados pelo portal nos últimos meses. Em maio de 2020, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) anunciou um repasse de R$ 30,1 milhões para obras de melhorias do saneamento básico em unidades da federação de todas as regiões do país, para combater a pandemia e fomentar o emprego nas regiões.
Em junho do mesmo ano, houve outro pacote de recursos liberados, de R$ 21,2 milhões, para beneficiar empreendimentos em 15 estados diferentes. Já em 2021, após aprovação da nova legislação, o MDR destinou R$ 72,7 milhões para aplicações em saneamento em 15 unidades da federação, abrangendo 42 obras e projetos de saneamento básico.
Na visão da pasta, o novo Marco Legal permite uma segurança jurídica e parceria com a iniciativa privada, possibilitando um volume maior de investimentos no setor. Deputados federais e senadores comemoraram os avanços dos últimos meses e apoiaram o marco por possibilitar essa ampliação de recursos com a entrada da iniciativa privada.
Isso foi o que afirmou o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), por exemplo. Em 2020, ele opinou que a legislação poderia tirar o Maranhão “do buraco” e melhorar a oferta dos serviços de água e esgoto. “É óbvio que o poder público não tem dinheiro para isso, nem no Brasil, nem em qualquer lugar do mundo. Temos que recorrer ao capital privado para fazer esse investimento, como já fazemos em aeroportos, portos e rodovias”, comentou ao portal Brasil61.com.
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