Desdobramento da reforma tributária pode trazer disputas entre os estados, alerta especialista. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Desdobramento da reforma tributária pode trazer disputas entre os estados, alerta especialista. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Contribuição prevista na reforma tributária pode gerar disputa entre estados, alerta especialista

No sistema tributário aprovado, alguns estados teriam direito à instituição de um tributo semelhante à contribuição que cobram atualmente sobre produtos agrícolas e minerais. Tema, no entanto, é complexo, e pode parar no STF

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Um trecho do texto da reforma tributária pode gerar disputa federativa entre os estados com a entrada do novo sistema de cobrança de impostos. Trata-se do dispositivo que permite a alguns entes instituírem uma contribuição sobre bens primários e semielaborados até 2043. 

Há estados que possuem contribuições que se aplicam sobre esses produtos, como os agropecuários e minerais, como condição para que os contribuintes recebam algum tratamento diferenciado em relação ao ICMS. Em Goiás, por exemplo, o governo cobra entre 0,5% e 1,65%, como contrapartida pela concessão de benefício fiscal ao contribuinte. 

Os recursos que os estados obtêm com essa contribuição são destinados para fundos com diversas finalidades, entre elas investimentos em infraestrutura e habitação. 

O advogado tributarista Rodrigo Pinheiro, sócio do Schmidt Valois Advogados, lembra que a constitucionalidade desses fundos foi alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que é proibido vincular receitas de impostos — neste caso, o ICMS  — a fundos com despesas específicas. O STF, no entanto, entendeu que não havia inconstitucionalidade. 

"O Supremo disse o seguinte: não há qualquer obrigatoriedade desses depósitos, pela simples razão de que o contribuinte não é obrigado a fruir do benefício. Você opta. E como tem um caráter facultativo, isso não teria uma natureza tributária. Teria a natureza de uma prestação voluntária feita pelo contribuinte, de natureza não tributária. Com isso, não há aquela restrição de vinculação de receita de impostos a fundos", recorda. 

De acordo com a emenda constitucional da reforma, os estados que possuíam esses fundos até 30 de abril do ano passado poderão instituir contribuições semelhantes no novo sistema tributário, desde que tais contribuições continuem a se aplicar sobre bens primários e semielaborados e sejam voltadas para obras de infraestrutura e habitação. 

O problema, destaca Pinheiro, é que o texto também diz que os estados não poderão mais conceder benefícios fiscais no novo sistema. Isso significa que as contribuições semelhantes não vão mais poder ser exigidas como condição para que os entes concedam benefício fiscal aos contribuintes, uma vez que não haverá mais essa possibilidade. 

"As novas contribuições semelhantes deverão incidir sobre a prática de algum ato realizado pelo contribuinte, como venda de um produto ou auferimento de receita", pressupõe. 

Nesse caso, ele pontua, a contribuição deixa de ter natureza voluntária  —  como no cenário atual, confirmado pelo STF  —, e passa a ter natureza tributária, pois o contribuinte seria obrigado a fazer o depósito em troca de alguma benesse do estado. 

"Se isso se confirmar, a gente vai ter, possivelmente, um debate federativo enorme, que é o de saber o porquê que alguns estados podem instituir uma receita tributária e outros não. Por que um tributo só pode ser criado por uns estados e por outros não?", aponta. 

"Haverá uma discussão sobre pacto federativo com relação ao critério utilizado pela emenda constitucional para que se autorize que uns estados criem essas contribuições semelhantes e outros não sejam autorizados a criar as mesmas contribuições semelhantes. Isso pode dar controvérsia para tudo que é lado", acredita. 

Se os estados que se julgarem prejudicados questionarem o texto constitucional, Pinheiro projeta dois cenários. No primeiro, o STF autorizaria todos os entes a criarem a tal contribuição semelhante. No segundo, nenhum deles teria essa permissão. 

Regulamentação

O especialista lembra, no entanto, que o possível embate tem como base a emenda constitucional aprovada no fim do ano passado e o entendimento do STF sobre os fundos. Com a análise das leis complementares, que vão detalhar pontos do texto, o cenário pode mudar. 

A apresentação das primeiras leis complementares pelo governo está prevista para esta semana. No entanto, grupos de parlamentares já se adiantaram e enviaram projetos de lei complementar para regulamentar pontos da reforma, como o Imposto Seletivo e os produtos da Cesta Básica Nacional de Alimentos. 

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LOC.: Um trecho do texto da reforma tributária – aprovada no fim do ano passado – pode gerar disputa entre os estados. O artigo permite que estados que hoje possuem uma contribuição aplicada sobre bens agrícolas e minerais, para financiar fundos de infraestrutura e habitação, possam criar uma contribuição semelhante no futuro sistema tributário. No sistema atual, os estados  cobram a contribuição e, em troca, concedem benefícios fiscais para os contribuintes. 

A constitucionalidade desses fundos já foi alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal, mas o STF decidiu que não se trata de uma contribuição de natureza tributária, uma vez que só os contribuintes que querem usufruir dos benefícios fiscais concedidos precisam pagá-la. É o que explica o advogado tributarista Rodrigo Pinheiro. 

TEC./SONORA: Rodrigo Pinheiro, advogado tributarista
"O Supremo disse o seguinte: não há qualquer obrigatoriedade desses depósitos, pela simples razão de que o contribuinte não é obrigado a fruir do benefício. Você opta. E como tem um caráter facultativo, isso não teria uma natureza tributária. Teria a natureza de uma prestação voluntária feita pelo contribuinte, de natureza não tributária. Com isso, não há aquela restrição de vinculação de receita de impostos a fundos."


LOC.: O problema, segundo o especialista, é que o texto da reforma deixa claro que os estados não poderão mais conceder benefícios fiscais no novo sistema. Assim, os estados não terão mais esses benefícios como contrapartida para os contribuintes, o que torna a futura contribuição não mais de natureza voluntária, mas obrigatória. Ou seja, um tributo, na prática. 

Isso pode gerar questionamentos dos estados que após a reforma não poderiam instituir o tributo, ao contrário de outros que poderiam, de acordo com o texto.  

TEC./SONORA: Rodrigo Pinheiro, advogado tributarista
"Se isso se confirmar, a gente vai ter, possivelmente, um debate federativo enorme, que é o de saber do porquê que alguns estados podem instituir uma receita tributária e outros não. Por que um tributo só pode ser criado por uns estados e por outros não?"


LOC.: Mas Pinheiro lembra que o possível embate tem como base a emenda constitucional aprovada no fim do ano passado e o entendimento do STF sobre os fundos. Com a análise das leis complementares, que vão detalhar pontos do texto, o cenário pode mudar. 

Reportagem, Felipe Moura.