Data de publicação: 05 de Junho de 2020, 00:05h, Atualizado em: 01 de Agosto de 2024, 19:31h
Em entrevista exclusiva ao Brasil 61, o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, afirmou que as medidas anunciadas pelo governo federal já não são suficientes para evitar demissões e falência de negócios, a exemplo da MP 936. Sobre as linhas de crédito para socorrer os empresários durante a crise, Pimentel cobrou mais garantias públicas para que os recursos disponíveis nos bancos cheguem de fato à mão dos brasileiros que dependem do próprio negócio para sobreviver.
“O momento é muito complicado. As empresas estão usando ao máximo mecanismos da MP 936/20, que permite a redução de jornada e de salário para preservar os empregos. Ao mesmo tempo, as companhias estão muito preocupadas porque esse modelo já está encerrado e é preciso uma renovação para que não haja perdas de postos de trabalho de uma forma mais intensa”, alerta.
Nesse momento em que 97% dos empresários do setor disseram sentir a interferência da covid-19 nos processos produtivos, principalmente em relação às vendas, Pimentel reforça que a ajuda financeira precisa ser liberada com mais facilidade e menos burocracias. Um levantamento da Abit revela que 48% das empresas têxteis e de confecção buscaram linhas de crédito desde março, o que, segundo o presidente da entidade, mostra um número alto de companhias com fluxo de caixa comprometido.
“Existiram renovações de linhas importantes, mas não é dinheiro novo. Houve uma grande demanda para crédito, ao mesmo tempo, na rede bancária. Isso não é normal, quando todo mundo vai ao banco ao mesmo tempo, gera uma questão operacional. Outro ponto é o fato de as operações serem conduzidas dentro de critérios normais, em momento de crise. Se não entrar o Tesouro Nacional realmente garantindo crédito, ele vai continuar travado”, defende Fernando Pimentel.
Outra preocupação apontada pelo presidente da Abit é o país passar a importar uma quantidade maior de produtos chineses logo que o mercado voltar à normalidade. Para Fernando Pimentel, é natural que, com a retomada da economia no país asiático antes da abertura das fábricas no Brasil, a tendência é de “avalanche” de mercadorias importadas, o que pode comprometer ainda mais o comércio nacional.
“O fato é que a China já está voltando e ela representa metade da produção de têxteis do mundo e 35% das exportações do planeta. O Brasil ainda não está voltando com o funcionamento das fábricas, pelo menos nesse setor. A nossa preocupação é que, como houve muito cancelamento de pedidos dos grandes compradores internacionais, há excesso de mercadorias no mundo. O Brasil não pode ser invadido de uma hora para outra com mercadorias a preço de banana oriundos de sobras e de cancelamento”, aponta.
Como alternativa à crise, muitas empresas de vestuário, por exemplo, têm apostado na produção de equipamentos de proteção individual (EPIs). Apesar de ser uma fonte de receita, a confecção desses itens não cobre os rombos econômicos causados pela paralisação do comércio e de fábricas.
“O Brasil ganhou, em 60 dias, maior autossuficiência em uma série de itens demandados pela rede de saúde. Ao mesmo tempo, várias empresas se destinaram a fabricar as máscaras de proteção social. O problema é que nem de longe é possível imaginar que esse tipo de produção ocupe todo o espaço da capacidade produtiva instalada”, comenta Pimentel.
Alvo de desaprovação do setor produtivo, o PLP 34/2020, que pretende destinar até 10% do lucro de empresas com patrimônio superior a R$ 1 bilhão a empréstimos compulsórios, é considerado “descabido” pelo presidente da Abit. Na prática, o projeto, que está em análise no Congresso Nacional, obriga as companhias a emprestar dinheiro ao governo federal, com devolução do valor nos anos seguintes.
Para Pimentel, obrigar os empresários a retirar do caixa recursos que não estavam previstos é mais um baque e também afeta, de forma indireta, os pequenos negócios.
“Companhias maiores têm o papel de irrigar a sua rede de fornecedores. Nós estamos discutindo projetos dessa natureza, inclusive com consultorias para estruturar essa linha. Não é tirando dinheiro das companhias maiores que você vai salvar coisa alguma. Até porque elas também estão com problemas. Não tem o menor sentido e vamos nos opor a qualquer medida que implique aumento de impostos em um momento de escassez de recursos na economia”, analisa.
O faturamento da cadeia têxtil e de confecção chegou, no fim do ano passado, a US$ 48,3 bilhões, contra US$ 52,2 bilhões em 2017. O investimento no setor foi de US$ 894,4 milhões, também menor que dois anos antes. O setor é o segundo maior empregador da indústria de transformação, com 1,5 milhão de trabalhadores diretos e 8 milhões se somados os indiretos. Para 2020, a expectativa é de redução de receitas, ainda sem estimativa real. Os dados são da Abit.