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Diante da crise causada pela pandemia da Covid-19, o Congresso Nacional se viu obrigado a criar um socorro a estados e municípios para minimizar os impactos da calamidade pública. A Lei Complementar 173/20 cria o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus e afasta da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) a obrigação do gestor público de, nos últimos oito meses de mandato, não assumir despesas sem deixar caixa suficiente para pagá-las.
Na prática, a LRF estabelece que é necessário deixar verba para honrar os compromissos assumidos, mesmo que o pagamento só ocorra depois. Assim, a legislação blinda o novo gestor público eleito de assumir o cargo já arcando com dívidas acumuladas pelo antecessor. Com a retirada dessa regra da lei, embora a intenção seja ampliar o combate à pandemia, há espaço para interpretação do dispositivo. São 33 Tribunais de Contas em exercício espalhados pelo território nacional, cada um com diversos conselheiros, o que possibilita decisões de formas distintas.
“O afastamento do artigo da LRF tem uma redação dúbia, ambígua, que permite interpretações mais amplas do que o objetivo da norma previa inicialmente. Pela própria funcionalidade dessa norma, a atuação deveria ficar circunscrita aos débitos ou aos créditos relacionados especificamente ao combate à Covid-19”, analisa Thiago Sorrentino, professor de Direito Financeiro do Ibmec do Distrito Federal.
Na avaliação de Sorrentino, não é difícil separar o que é despesa causada pela pandemia do que é lacuna deixada pela gestão local em si. “É sim possível separar. Deve-se verificar todos os gastos que foram diretamente aplicados no combate à pandemia daquilo que normalmente é gasto pelo poder público frente às despesas. Ainda que sejam despesas importantes, elas ficariam fora se não forem diretamente relacionadas à pandemia. De um modo técnico e contábil, é perfeitamente possível fazer essa separação de despesas”, completa.
O advogado especialista em Administração Pública, Karlos Gad Gomes, destaca que a retirada do artigo da LRF abre espaço para que gestores públicos maquiem os gastos. “O afastamento do artigo pode causar um rombo enorme nas despesas públicas, especialmente dos municípios. Os gestores podem maquiar os seus gastos, podem relacionar esses gastos diversos com a pandemia. Em tese, eles terão uma carta branca para fazer isso sem sofrer nenhum tipo de ação de improbidade” diz.
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Mesmo com a brecha aberta pela retirada da regra da Lei de Reponsabilidade Fiscal, Karlos Gad Gomes acredita que o socorro federal dados aos estados e municípios traz um alívio para as contas públicas. “Uma vez instaurada a situação de calamidade pública, diversos setores pararam de funcionar, principalmente do setor privado, o que diminuiu drasticamente o poder de arrecadação dos municípios. A LC 173 estipula valores que a União entregará para os municípios e os municípios não terão que pagar, no momento, dívidas que contraíram com a União”, diz.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) entende que toda a receita do município foi comprometida. Por esse motivo, a entidade acredita que o texto da Lei Complementar 173 deveria abranger todas as despesas executadas durante o período da crise sanitária.
“Como a receita é balizador para verificação do cumprimento do artigo 42, ou seja, se ele (gestor) não teve receita suficiente, não tem como garantir que aquela despesa seja paga dentro do exercício ou que consiga deixar recurso em conta para subsidiar os restos a pagar. Na nossa opinião, esse texto deveria ser abrangente a todas as despesas feitas ao longo da pandemia, haja vista também que todas as receitas tiveram impacto negativo de arrecadação”, destaca Marcus Cunha, analista técnico da área de contabilidade da CNM.
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