Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Taxa de juros elevada pode limitar crescimento econômico do país no ano que vem, afirmam economistas

Para conter a inflação, o Banco Central manteve a Selic em 13,75%. Especialistas afirmam que política fiscal do governo eleito pode levar o Copom a retardar ciclo de queda dos juros, o que tende a retrair a atividade econômica

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A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de manter a taxa básica de juros da economia, a Selic, em 13,75%, tende a afetar o crescimento econômico do país em 2023. Esse é o consenso de especialistas ouvidos pelo portal Brasil 61 sobre as consequências que a continuidade da Selic neste patamar pode trazer para a economia. 

Embora a decisão do Copom de manter a Selic em 13,75% pela terceira reunião consecutiva não seja um ponto pacífico entre os economistas e analistas de mercado, eles concordam quanto ao impacto que a atividade econômica pode sofrer por causa dos juros elevados. 

Segundo os especialistas, o receio de que o governo eleito tenha, de fato, menos compromisso com o ajuste das contas públicas no ano que vem pode forçar o Banco Central a manter a Selic no patamar atual por mais tempo do que se previa para controlar a inflação. Mauro Rochlin, professor de economia da FGV Rio, afirma que o papel de fazer a inflação convergir para próximo da meta não deve ser apenas do BC, mas também do Executivo. 

“A independência do Banco Central conquistada recentemente vai fazer com que o BC seja muito rigoroso na condição de juros e a ter muita preocupação no que se refere à política fiscal. Acho que a política fiscal, nesse caso de um Banco Central independente, deveria ser muito mais cuidadosa, muito mais responsável, para não fazer com que recaia sobre os ombros da política monetária toda a responsabilidade no combate à inflação”, afirma. 

Riscos

Na prática, a política monetária à qual o professor se refere está mais ligada ao Banco Central. Ou seja, nos momentos em que a inflação está elevada, como em abril, quando chegou a 12,13%, o Copom sobe a taxa de juros para tentar desestimular o crédito, os investimentos e, com isso, o apetite das empresas e dos consumidores. Assim, espera-se controlar a alta dos preços. 

Por outro lado, a política fiscal tem mais a ver com o controle do governo sobre suas receitas e despesas. Em busca da aprovação da PEC da Transição, o governo eleito quer ultrapassar o teto de gastos. A proposta, que já foi aprovada no Senado e, agora, vai passar pela Câmara dos Deputados, prevê um rombo de R$ 168 bilhões no orçamento. 

O professor Mauro Rochlin destaca que, se por causa da política fiscal mais flexível, o Banco Central tiver que ser mais rigoroso para conter a inflação, isso vai gerar efeitos negativos na economia. “A gente costuma ver governos abusarem da política fiscal. Ela traz popularidade, traz resultados de curto prazo, mas, por outro lado, se ela for excessivamente flexível, vai fazer com que o Bacen seja obrigado a adotar uma política de juros mais rigorosa e isso vai ter efeitos nefastos sobre o emprego e o PIB”, avalia. 

Segundo o economista, com uma Selic alta por tempo prolongado, o crédito junto às instituições financeiras fica mais caro, o que prejudica, principalmente, setores que dependem de financiamento, como o de automóveis e eletrodomésticos, por exemplo. Também fica mais caro para as empresas tomarem empréstimos para comprar máquinas e equipamentos, bem como contratar novos funcionários, além de diminuir o consumo pela população. 

Ele se diz crítico à política de juros muito altos adotada pelo Copom. “Quando as expectativas de inflação para esse ano, segundo o Relatório Focus, rondavam a casa dos 9%, a previsão de Selic era de 13,75%, mas essa PEC do ICMS reduziu fortemente a inflação. Hoje, a gente tem uma expectativa de inflação abaixo de 6%, muito diferente de um cenário de inflação próximo de 9% e, no entanto, a gente tem uma Selic de 13,75%. Ou seja, a taxa de juros real hoje é excessivamente elevada. O resultado disso, a gente já está vendo isso, será um crescimento muito baixo no ano que vem”, analisa. 

O Banco Central publicou que entre os fatores de risco para pressão inflacionária no ano que vem está a “elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais que impliquem a sustentação da demanda agregada”. Disse, ainda, que vai acompanhar com especial atenção “os desenvolvimentos futuros da política fiscal''.

“A PEC [da Transição] não foi nem aprovada. A gente acabou de conhecer o ministro da Fazenda. Não se sabe ainda quem é o ministro do Planejamento. Dependendo da situação que se materializar, o Banco Central pode tomar algum tipo de postura mais assertiva. Ele só falou que vai olhar, o que eu acho que é o correto a se fazer, porque a gente ainda está no começo. Ainda não tem muita clareza do que vai acontecer nesse cenário, isso ainda é muito especulativo”, avalia Raone Costa, economista-chefe da Alphatree.  

Crescimento limitado

Embora o país continue gerando empregos e a economia crescendo este ano, esse ritmo vem caindo. Em outubro, o saldo de postos de trabalho, segundo o Ministério da Economia, foi de 1,7 milhão de vagas. Em setembro, foi de 1,9 milhão, ante mais de 2 milhões, em agosto. 

Esses indicadores somados a uma Selic alta e à diminuição do crescimento mundial prevista para 2023 podem limitar o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, explica Raone. “É difícil ver da onde que vai vir o crescimento, de fato”. Apesar disso, ele acredita que não é possível ter certeza como estarão as contas públicas no ano que vem e que, por isso, o Banco Central acertou ao manter a Selic em 13,75% enquanto aguarda por mais informações.  

“O Banco Central não deve prever a recessão. Ele deve agir caso a recessão venha. Então, quando o Banco Central cortaria juros? Se, de fato, a gente entrar nesse cenário recessivo e a situação de mercado com os desdobramentos fiscais do Brasil não piorar significativamente. Mas ele só vai fazer isso uma vez que esse cenário se materializar. Não tem nenhum motivo para fazer antes”, acredita. 

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) revisou de 5,4% para 5,7%, a expectativa em torno da inflação para o ano que vem. Isso se deve à provável expansão dos gastos públicos e, portanto, da dívida pública em relação ao PIB; à desvalorização do real frente a outras moedas; e ao aumento da demanda por causa da política fiscal expansionista. 

Na avaliação da entidade, a desaceleração mais lenta da inflação deve retardar a redução da Selic em 2023. “Estamos prevendo que o Banco Central vai manter a Selic em 13,75% por mais tempo do que inicialmente esperado. No nosso cenário, o Bacen começa a reduzir a taxa de juros apenas em agosto de 2023 e vamos fechar o ano com a Selic em 11,75%”, disse Mário Sérgio Telles, gerente executivo de Economia da CNI. 

Segundo a CNI, já foi possível observar como os juros elevados com o objetivo de conter a inflação este ano impactaram setores mais sensíveis ao crédito, o que deve se estender para o ano que vem. A expectativa da confederação é que o PIB cresça 3,1% em 2022 e 1,6% em 2023.  

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