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Cerca de 337 municípios integrantes de regiões metropolitanas, incluindo capitais, não conseguiram cumprir o prazo estipulado pelo Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020) para destinação correta dos resíduos sólidos. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), com base no Atlas da Destinação Final de Resíduos, cerca de 26% dos municípios do País, sendo três capitais, não cumpriram a legislação até a data limite, que encerrou no dia 2 de agosto.
A Lei nº 14.026/2020 foi instituída para atualizar o Marco Legal do Saneamento Básico, promulgado no ano 2000, e atribuiu à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico, como a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
As capitais com destinação irregular são Goiânia (GO), Teresina (PI) e Porto Velho (RO). Já entre as regiões do País, a situação mais grave é a do Nordeste, onde 185 municípios ainda depositam seus resíduos em locais inadequados, como lixões e aterros controlados – ou seja, que não seguem os padrões de engenharia corretos. Em seguida, vem a Região Norte, com 62 cidades, Sul com 50, Centro-Oeste com 29 e o Sudeste com 11 municípios em situação irregular.
O aterro controlado é uma infraestrutura onde é possível oferecer manutenção dos resíduos sólidos que geram subprodutos benéficos ou, em algumas situações, que são menos prejudiciais ao meio ambiente. No caso dos municípios que possuem aterro controlado, esses não seguem os padrões de engenharia estabelecidos.
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De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), Luiz Gonzaga, um dos motivos para que a região Nordeste esteja no topo do ranking é a falta de recursos e iniciativas das autoridades locais. “Nós temos como regra geral no Brasil que os municípios, a autoridade municipal, nunca priorizam o lixo. Por que ela não prioriza? Porque é terra, porque enterra, porque desaparece da visão do cidadão. Então, para ele é como se fosse fazer esgoto, estaria tudo enterrado e ninguém veria”, alerta.
Para o especialista em meio ambiente Charles Dayler a falta de investimentos para a região Nordeste é uma problemática que já ocorre há anos. “Historicamente, a região Nordeste é uma região que teve menos atenção do poder público. Quando a gente vai pensar na questão de saneamento básico, gerenciamento de rede, são demandas que precisam de muito recurso financeiro e de uma boa gestão. E vemos que o Nordeste sempre teve um histórico de ficar um pouco à margem das políticas públicas, tem problemas crônicos de corrupção na gestão dos seus estados e por aí vai”, explica.
Dentre os estados do Nordeste, a Paraíba está no topo do ranking, com 130 municípios que ainda depositam os resíduos em lixões e aterros controlados. Em nota, a Secretaria de Estado da Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente da Paraíba informou que o cumprimento do Novo Marco Legal do Saneamento Básico para destinação correta dos resíduos sólidos é de responsabilidade dos municípios, que são os titulares dos serviços de gerenciamento dos resíduos.
Entretanto, “o governo estadual oferece apoio aos municípios para que possam cumprir os prazos e viabilizar a prestação do serviço à população. Isso vem sendo feito por meio de atividades educativas de forma contínua, com a oferta de cursos de formação para gestores públicos municipais. Outra iniciativa de apoio para o setor é a destinação de aproximadamente R$ 4 milhões para a construção de galpões de triagem dos resíduos recicláveis, resultado da coleta seletiva, com repasse de recursos aos municípios, incentivando o trabalho realizado pelas associações de catadores, como política ambiental e de inclusão social, gerando renda para diversas famílias paraibanas”.
Com esse recurso, segundo o governo do estado, serão instalados 17 galpões de triagem, beneficiando diretamente 85 municípios paraibanos. A estimativa é que no próximo ano o projeto seja ampliado para atender aos demais municípios.
O estado do Paraná possui 10 municípios que ainda depositam os resíduos em lixões e aterros controlados, o que o torna o primeiro no ranking da região Sul. A Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e do Turismo (SEDEST) do estado informou que trabalhou no repasse de recursos para os municípios visando, além de melhorias nas estruturas e aquisição de equipamentos para aterros sanitários, o encerramento dos lixões. “Entretanto, diante da complexidade do problema e as dificuldades dos municípios, sobretudo os de pequeno porte, na operação de sistemas de aterramento, fizeram com que não fosse possível o encerramento de todos os lixões do estado”.
Para cumprir a legislação, o governo do Paraná informou também que vem trabalhando para auxiliar os municípios paranaenses na correta destinação dos resíduos, além de inúmeras iniciativas e projetos voltados para essa temática, tais como a plataforma digital de logística reversa (Contabilizando Resíduos), criação de consórcios regionais, Projeto Lixo 5.0, entre outros.
Adicionalmente, foi decretada recentemente a Lei nº 20.607/2021, que estabeleceu o Plano Estadual de Resíduos Sólidos (PERS) no Paraná. E, de acordo com o governo do estado, servirá de base para que sejam cumpridas as determinações dos prazos estipulados na Lei nº 14.026/2020.
Apesar de alguns municípios e capitais não terem conseguido cumprir o prazo estabelecido pela Lei nº 14.026/2020 para gerenciamento correto dos resíduos sólidos, vale ressaltar que algumas cidades estão com a vigência válida por conta do número populacional.
Da região Norte, o Tocantins é a cidade com mais municípios que ainda depositam resíduos em locais inadequados, sendo 31. Entretanto, em nota enviada à reportagem, o governo do estado informou que somente cinco municípios têm mais de 50 mil habitantes e que a maioria deles estão enquadrados abaixo de 50 mil moradores.
Entre as dificuldades para a erradicação dos lixões em Tocantins estão a falta de recursos da União e dificuldade na busca de parceria privada, em razão de baixos índices de densidade demográfica. “A maioria dos municípios que construíram aterros sanitários públicos (com recursos próprios, estaduais ou federais), devido à dificuldade financeira e operacional, perderam em pouco tempo toda a estrutura e investimento, transformando o local em lixão. Apenas 12 municípios cobram pelo serviço de limpeza urbana de coleta/destinação dos resíduos”.
A maioria dos municípios do Tocantins tem menos de 10 mil habitantes e são carentes de recursos financeiros e técnicos. O estado relatou também que existem poucos Editais de Chamamento Público em Gestão de Resíduos Sólidos e que para o desenvolvimento de uma gestão e manejo adequado desses resíduos é necessário alto investimento.
Entre as medidas realizadas pelo estado de Tocantins para que os resíduos sejam destinados aos locais corretos estão o Plano Estadual de Resíduos Sólidos (PERS-TO), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), cumprindo o que determina a Lei Federal n° 12.305/201, além de seminários, eventos técnicos, acordos de cooperação técnica e o Sistema Informatizado de Gestão dos Resíduos Sólidos (SIGERS-TO).
A reportagem também entrou em contato com Goiás e Minas Gerais, cidades que mais possuem aterros irregulares na região em que fazem parte, mas, até o fechamento desta matéria, não obtivemos respostas.
O especialista em meio ambiente Charles Dayler explica que resíduos sólidos e rejeitos são conceitos diferentes. “Quando a gente fala de resíduo eu ainda consigo dar alguma destinação para esse resíduo que não seja a disposição final. Por exemplo, se a gente recebe uma embalagem de papelão em casa, ela ainda pode ir pra reciclagem, pode ter algum outro tipo de uso”.
“Quando falamos de rejeito, aí sim é um produto que eu não tenho condição de dar destinação diferente, como rejeito de saúde [lixo hospitalar], alimento, material de saneamento básico, por exemplo, que desce por esgoto. Então, boa parte disso é um rejeito, ou seja, não tem possibilidade de fazer uso, pelo menos não de forma simplificada depois que ele é gerado. Então, tem essa diferença, resíduo eu consigo fazer alguns usos, o rejeito não”, explica Dayler.
O deputado federal Dr. Leonardo (Solidariedade-MT) propôs um projeto de lei (PL 01414/21) para prorrogar, por dois anos, as datas determinadas no Marco Legal do Saneamento Básico. Para o presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), Luiz Gonzaga, a proposta seria um retrocesso ao Novo Marco do Saneamento Básico.
“Isso é de uma contramão histórica, porque nós estamos tratando de pandemia, nós estamos tratando de vetores e os fatores que mais geram vetores é o próprio lixão. Então será deixado de atender os marcos para poder postergar uma coisa que já vem sendo postergada há muito tempo. A política nacional de resíduos sólidos existe desde 2 de agosto de 2010 e esse PL está basicamente ferindo uma legislação eficiente que foi há um ano aprovada pelo mesmo parlamento”.
Segundo Charles Dayler, aumentar o prazo para destinação correta dos resíduos sólidos não vai impactar de forma negativa no processo. “O prazo para essa adequação não pode ser, de forma alguma, confundido com um prazo para omissão. Ou seja, o Estado e quem tem responsabilidade de resolver esses problemas de resíduos e saneamento ganhou uma oportunidade em função das limitações impostas pela pandemia. Então é preciso ter uma razoabilidade na hora de, passado esse período, voltar a colocar as medidas em funcionamento”, opina.
Agora, a proposta aguarda parecer do relator na Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU).
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