Crise hídrica pode afetar agronegócio mineiro
Parlamentares apontam impactos negativos para o agronegócio em Minas Gerais caso atual modelo de setor elétrico não passe por mudanças
Seu navegador não suporta áudio HTML5
Seu navegador não suporta áudio HTML5
Diante da pior crise hídrica que o Brasil vive nos últimos 91 anos, segundo dados de afluência do Sistema Interligado Nacional (SIN), especialistas avaliam o cenário atual e possíveis caminhos para mudanças. Os institutos de meteorologia já estavam alertando que as chuvas do último período úmido, de novembro de 2020 a abril de 2021, seriam abaixo da média.
A Agência Nacional de Águas (ANA) publicou, no dia 1º de junho, a Resolução n°77/2021, que declarava a Situação Crítica de Escassez Quantitativa de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraná, que ocupa 10% do território brasileiro, abrangendo São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina e Distrito Federal. A situação crítica da região hidrográfica mais populosa e de maior desenvolvimento econômico do País aponta para um cenário de alerta nacional.
O mestre em Energia Solar Fotovoltaica e Secretário-Adjunto de Assuntos Técnicos do Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel), Tassio Barboza, explica que a escassez hídrica afeta vários segmentos de forma contínua, e ressalta a importância das águas para as proporções do território nacional.
Brasil vive pior crise hídrica dos últimos anos e Rio de Janeiro sofre impacto energético
“Não vai faltar energia”, garante ministro Bento Albuquerque
Energia eólica e solar alcançam recorde e atendem quase 100% da demanda da região Nordeste
“Segundo a Agência Nacional de Águas, o Brasil utiliza suas bacias hidrográficas principalmente para irrigação, abastecimento animal, industrial, urbano, entre outros, nessa ordem. A geração de energia elétrica e o transporte hidroviário precisam também de água — mas ela não é consumida com a utilização. O Brasil é um país continental e precisa disponibilizar os recursos hídricos para todos esses fins. Quando falta água no reservatório, toda essa cadeia é afetada”.
Ou seja, a crise hídrica está diretamente relacionada, por exemplo, com a energia elétrica, como levanta o especialista. “O sistema elétrico brasileiro, na última crise lá em 2001, tinha uma geração 90% advindo da força das águas. Agora, em 2020, esse percentual já caiu para 72% e a tendência é que caia ainda mais. Apesar de ser um valor muito alto, fica claro que o País já tem outras alternativas para gerar energia, ou seja, a gente pode gerar energia, por exemplo, das fontes térmicas”, lembra.
Crise e caminhos
Mesmo com essa queda da dependência da força das águas para o cenário energético nacional, Tassio classifica que “o sistema elétrico do Brasil hoje se encontra na UTI”. “As usinas térmicas são o oxigênio que vai manter o sistema de pé. Sem as usinas térmicas, certamente, a gente já teria o mesmo problema que tivemos lá em 2001, as pessoas teriam que desligar a luz, diminuir a carga para que não houvesse um apagão”.
De acordo com o senador Carlos Viana (PSD/MG), é preciso pensar em novas estratégias de fonte de energia. “Quando o Brasil viveu o primeiro apagão na era Fernando Henrique Cardoso [2001] tomou a decisão emerge de construir as usinas a diesel e as termelétricas, que são poluidoras, caras, e que atendem apenas por um determinado período. Nós precisamos pensar agora nas próximas gerações com energia renovável”, destaca o senador.
Tassio opina que a Câmara dos Deputados não está voltando os olhos para as possíveis crises hídricas no setor elétrico, e que soluções renováveis como a captação de energia solar nos telhados precisam ser debatidas. “O Brasil precisa de energia, faça chuva ou faça sol. Não podemos depender das chuvas. O brasileiro quer gerar a própria energia”.
Carlos Viana destaca que alguns passos são importantes para reduzir o impacto da crise hídrica que tem se tornado cada vez mais grave no Brasil. “O primeiro deles é um novo planejamento para todo o setor elétrico do País, novas fontes renováveis de energia e a dependência cada vez menor da energia hidráulica das barragens. O segundo passo é um grande programa nacional de recuperação de nascentes, de florestas e principalmente a conscientização de cidades, municípios e moradores ao longo dos rios dos cursos d'água, que hoje estão cada vez mais assoreados e com os recursos sendo usados para grandes programas de irrigação sem um controle do Governo em relação quantidade e, principalmente, a qualidade no uso da água”.
Minas Gerais
Na perspectiva do senador Carlos Viana (PSD/MG), a energia solar deveria ser trabalhada em todo o território nacional, especialmente em Minas Gerais, onde a produção de energia pode superar a hidráulica. “Nós temos os lagos e espelho d'água das barragens que podem ser usados. Existe uma experiência piloto em Sobradinho em que placas solares flutuantes reforçam em até duas vezes e meia a produção de energia elétrica.”
Ainda de acordo com o parlamentar, a economia das cidades no entorno das bacias mineiras está diretamente ligada à exploração da água, especialmente no que diz respeito à agricultura. “Se nós não começarmos, de fato, a colocar em prática um grande programa de recuperação dessas matas ciliares e principalmente desassoreamento, ‘repeixamento’, nós poderemos ver cada dia mais as nascentes secando, como está acontecendo, e rios ficando menos caudalosos. Para a economia de boa parte dos municípios mineiros seria um desastre não poder mais contar com a água. E hoje, a poluição já ameaça em boa parte a qualidade de vida dos moradores dessas regiões”, pontua.
Novo Marco do Setor Elétrico
Aprovado pelo Senado Federal, o PL aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados. O texto, antigo PLS 232/2016, estabelece como mudança principal a portabilidade da conta de luz entre as distribuidoras, alterando o marco regulatório do setor elétrico para criar um mercado livre. A proposta ainda permite o compartilhamento, entre as distribuidoras, dos custos com a migração de consumidores para o mercado livre. Atualmente, elas são obrigadas a contratar toda a carga de energia elétrica para atender os consumidores.
“Acredito sinceramente que o Novo Marco do Setor Elétrico, aprovado em Brasília, no Senado, fará com que nós tenhamos a possibilidade de que essas novas fontes se tornem realidade o mais breve possível”. Senador Carlos Viana
Com a aprovação da MP da Eletrobras, o texto deve sofrer ligeiros ajustes. O projeto ainda vem de encontro com outras medidas parlamentares de enfrentamento à crise atual, como o já aprovado PL 3975/2019, que trata do risco hidrológico, e da Medida Provisória 998/2020, que remaneja recursos no setor elétrico para permitir a redução de tarifas de energia.