Foto: HFB/Divulgação
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Brasil tem apenas 16 doadores de órgãos a cada milhão de pessoas

Além da queda no número de doadores na pandemia, quantidade de transplantes de órgãos também diminuiu: caiu de 9.235, em 2019, para 7.425 no ano passado

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O Brasil é referência mundial em transplante de órgãos, já que possui o maior programa público do planeta direcionado às cirurgias, que são gratuitas e garantidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na outra ponta, porém, está o lado fraco da corda: o número de doadores. Antes da pandemia da Covid-19, a cada um milhão de brasileiros, 18 eram doadores. Com a questão do vírus, o índice caiu para 16 pmp (doadores por milhão da população). Isso fez aumentar ainda mais a fila de pessoas que esperam pelo gesto que pode garantir a vida. Em 2019, a fila de espera por órgãos estava em aproximadamente 38 mil pessoas. Hoje, de acordo com a Associação Brasileira de Transplantados (ABTx), o número aumentou cerca de 30%.

“Hoje, no País, nós temos mais de 48 mil pessoas na fila, são praticamente 50 mil pessoas na fila esperando por um órgão, uma doação”, destaca Edson Arakaki, presidente da Associação. “Essa é a grande necessidade. E muitas dessas pessoas na fila podem vir a falecer. Quem aguarda um transplante de pulmão ou de coração não consegue ficar na fila muito tempo.”

O médico ressalta que o grande problema é a doação em si, já que muitos fatores acabam diminuindo as cirurgias e aumentando a espera dos pacientes, algo que piorou durante a pandemia.

“Entre os vários fatores de não doação a gente tem, por exemplo, uma negativa familiar ainda grande e o reporte da morte encefálica pelas UTIs, que ainda é uma subnotificação. Temos ainda a falta de recurso humano para chegar em todos os locais, de uma equipe que poderia fazer uma entrevista familiar na doação. Então, são vários os fatores que contribuem para o aumento da fila”, explica Edson.

Patrícia Jung, 45 anos, moradora de Estrela (RS), passou por esse problema, principalmente porque descobriu que tinha a doença policística hepatorrenal e precisava de um duplo transplante, fígado e rim. A enfermeira conta que enfrentou momentos complicados até finalmente conseguir a doação e iniciar uma nova vida.

“A gente precisa passar por isso para descobrir que o transplante não é morte, como as pessoas associam, transplante é vida. Toda família, quando opta pela doação de órgãos de uma pessoa querida, num momento de muita tristeza, na mente dela há a consciência de que ela vai renascer em outra pessoa. Porque é assim que eu me sinto. O transplante, pra mim, foi um renascimento.”

Patrícia explica que infelizmente esse assunto não é debatido pelas famílias com antecedência e a questão da doação só aparece, muitas vezes, quando a morte encefálica do doador é notificada, o que torna tudo mais complicado, já que é um momento delicado para a família, que por lei é quem decide pela doação ou não. A enfermeira aponta que hoje já é comum as pessoas conversarem com bastante antecedência sobre como deve ser realizado o funeral e ressalta que a questão da doação deveria ser tão comum quanto, o que ajudaria a diminuir ou até mesmo acabar com a fila de espera.

“A gente tem de falar sobre doação para desmistificar o assunto. A gente precisa tocar nesse assunto, assim como a cremação. Você quer ser cremado? Enterrado? O que você quer? E as pessoas tratam isso com certa naturalidade, sendo que era tabu até um tempo atrás. E a doação tem de ser trazida justamente para essas conversas”, alerta a transplantada.

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Pandemia complicou ainda mais

Segundo o Ministério da Saúde, foram realizados 9.235 transplantes de órgãos em 2019. As cirurgias nos dois anos posteriores, no entanto, foram afetadas pela pandemia. Em 2020, foram realizados 7.453 transplantes, e no ano passado, 7.425.

Segundo dados da Pasta, o Brasil contava com 18,1 pmp (doadores por milhão da população) em 2019 e o número caiu para 15,8 em dezembro de 2020. Isso em uma gama de cerca de 50 potenciais doadores a cada milhão de pessoas.

Edson Arakaki explica que o Brasil é apenas o 26º em número de doações de órgãos, mas tem potencial para ser um dos principais, ao lado de Espanha e Estados Unidos, que possuem mais de 30 pmp na população. O médico ressalta que aqui mesmo encontramos bons exemplos que poderiam ser seguidos. “Tem alguns estados no Brasil, como Santa Catarina, Paraná, que esse número chega a ser de 30 por milhão, número equivalente ao da Espanha. A luta é chegar a pelo menos 20, porque aí poderemos baixar bastante a fila”, destaca.

Segundo a Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote), o estudo científico mais recente publicado mostrou que o total de transplantados no mundo caiu 16% em consequência da pandemia. O Brasil teve redução de 29%. Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), o principal motivo do declínio nesse período tem relação com o aumento de 44% na taxa de contraindicação, em virtude do risco de transmissão do coronavírus ou pela dificuldade encontrada para realizar a testagem em alguns momentos durante a pandemia.

Como ser doador de órgãos? 

A ABTO ressalta que a desinformação e os tabus são os principais inimigos da doação de órgãos no Brasil, ato que pode salvar e melhorar a vida de milhares de pessoas todos os anos.

Em vida, é possível, com as compatibilidades necessárias, doar rim, parcialmente o pâncreas, parte do fígado e do pulmão, em situações excepcionais. Já de doadores não vivos podem ser obtidos rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado, intestino, entre outros.

Para ser doador de órgãos no Brasil, é preciso comunicar a família, pois somente parentes podem autorizar a doação. A doação de órgãos e tecidos pode ocorrer após a constatação de morte encefálica, que é a interrupção irreversível das funções cerebrais, ou em vida. Um único doador pode salvar mais de dez pessoas doando órgãos e tecidos, como córneas, coração, fígado, pulmão, rins, pâncreas, ossos, vasos sanguíneos, pele, tendões e cartilagem. Além de avisar a família, o interessado na doação de órgãos pode fazer o cadastro no site da Adote.

De acordo com a Adote, o doador em vida deve ter mais de 21 anos e boas condições de saúde. A doação ocorre somente se o transplante não comprometer suas aptidões vitais. Rim, medula óssea e parte do fígado ou pulmão podem ser doados entre cônjuges ou parentes de até quarto grau com compatibilidade sanguínea. No caso de não familiares, a doação só ocorre mediante autorização judicial.

Em se tratando da doação de medula óssea, o interessado precisa ter entre 18 e 35 anos e pode ir a um Hemocentro (segundo o Ministério da Saúde, são 137 em vários estados do Brasil), coletar uma amostra de sangue (apenas 10 ml), preencher os dados cadastrais e se colocar à disposição para ser chamado no caso de surgir um receptor compatível.
 

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LOC.: O número de doadores de órgãos no Brasil, que já era pequeno frente ao potencial, diminuiu ainda mais durante a pandemia. Em 2019, nós tínhamos 18 doadores a cada milhão na população. Hoje, são apenas 16. Os dados são do Ministério da Saúde e da Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos.

Segundo Edson Arakaki, médico e presidente da Associação Brasileira de Transplantados, a questão fez a fila de espera aumentar ainda mais.
 

TEC. SONORA: Edson Arakaki, presidente da Associação Brasileira de Transplantados

“Hoje, no País, nós temos mais de 48 mil pessoas na fila, são praticamente 50 mil pessoas na fila esperando por um órgão, uma doação. Essa é a grande necessidade. E muitas dessas pessoas na fila podem vir a falecer. Quem aguarda um transplante de pulmão ou de coração não consegue ficar na fila muito tempo”
 


LOC.: Entre os fatores que atrapalham a doação de órgãos no Brasil, segundo o médico, está a falta de recurso humano, a desinformação e a negativa familiar, que ainda é grande. Segundo a lei, a família é quem decide pela doação ao não no momento da morte encefálica do potencial doador.

Patrícia Jung, 45 anos, moradora de Estrela, no Rio Grande do Sul, sofreu com a espera, principalmente porque precisou de um transplante duplo, de rim e fígado. A enfermeira explica que mais famílias deveriam conversar sobre o assunto e experimentar o sentido de ajuda e continuidade que a doação proporciona.
 

TEC. SONORA: Patrícia Jung

“A gente precisa passar por isso para descobrir que o transplante não é morte, como as pessoas associam, transplante é vida. Acho que toda família, quando opta pela doação de órgãos de uma pessoa querida, num momento de muita tristeza, na mente dela há a consciência de que ela vai renascer em outra pessoa. Porque é assim que eu me sinto. O transplante, pra mim, foi um renascimento.”
 


LOC.: A pandemia não só faz cair o número de doadores como também o número de transplantes. Segundo o Ministério da Saúde, foram realizados 9.235 transplantes de órgãos em 2019, 7.453 transplantes em 2020 e, no ano passado, 7.425.

Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, o principal motivo do declínio nesse período tem relação com o aumento de 44% na taxa de contraindicação, em virtude do risco de transmissão do coronavírus ou pela dificuldade encontrada para realizar a testagem em alguns momentos durante a pandemia.

A doação de órgãos pode salvar e melhorar a vida de milhares de pessoas a cada ano. Um único doador pode salvar mais de dez pessoas doando órgãos e tecidos. Para ser doador de órgãos no Brasil, é preciso comunicar a família, pois somente parentes podem autorizar a doação.

Reportagem, Luciano Marques