O Brasil vive uma trajetória em que as despesas obrigatórias avançam de forma acelerada e pressionam o orçamento, mesmo diante de uma arrecadação recorde. Para ampliar a transparência e o controle social, a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) lançou a plataforma Gasto Brasil, que mostra em tempo real o quanto é gasto pelo governo federal, estados e municípios.
Segundo dados do Instituto Fiscal Independente (IFI), do Senado, a situação é crítica: mais de 90% do orçamento já está comprometido com despesas obrigatórias, como aposentadorias, salários do funcionalismo, Bolsa Família, saúde e educação. Se nada mudar, a partir de 2027 o país poderá viver um “apagão fiscal”, quando todos os recursos serão consumidos por gastos fixos, restando zero margem para investimentos em áreas como infraestrutura, saneamento e manutenção de serviços públicos básicos.
“As despesas continuam em crescimento real e isso ocorre há vários anos. A dificuldade é que o governo precisa financiar esse aumento sem conseguir ampliar receitas no mesmo ritmo”, explica Alexandre Andrade, diretor do IFI. Ele lembra que decisões tomadas na transição de governo, como a retomada da política de valorização do salário mínimo e a reativação dos pisos constitucionais de saúde e educação, intensificaram a pressão sobre as contas.
Além disso, alerta o especialista, a composição do orçamento já mostra sinais de desequilíbrio: “As despesas obrigatórias crescem acima das discricionárias, comprimindo gastos essenciais ao funcionamento da máquina pública e aos investimentos”.
Transparência como aliada
Para ampliar a conscientização da sociedade sobre o tema, a CACB criou o Gasto Brasil, ferramenta que já vem sendo adotada por associações comerciais em todo o país. O presidente da Associação Comercial e Industrial de Uberlândia (Aciub), Fábio Túlio Felippe, destaca o papel da plataforma como instrumento de participação cidadã:
“O Gasto Brasil permite que entidades como a Aciub acompanhem, com dados oficiais, como os recursos estão sendo aplicados. Isso nos dá subsídios para dialogar com os governos e defender políticas públicas mais eficientes”, afirma.
Ele ressalta ainda a importância do envolvimento social: “Quando a comunidade tem acesso a informações transparentes, pode cobrar mais e se engajar em debates que são essenciais para o desenvolvimento econômico e social”.
Projeções preocupantes
De acordo com o IFI:
- Até 2027, não haverá margem para custeio de serviços básicos como estradas, portos e saneamento.
- A arrecadação federal, que hoje representa 18,3% do PIB, deve cair para 17,7% até 2035.
- As despesas, por outro lado, devem subir de 18,9% para 20,4% do PIB no mesmo período.
- Isso comprometerá até gastos operacionais de órgãos públicos, como combustível, luz e telefonia.
“Se nada for feito, a relação dívida/PIB vai seguir em trajetória crescente, o que afeta a percepção de risco, encarece os juros e compromete o futuro da economia”, adverte Alexandre Andrade.
Um debate inevitável
Para especialistas, a realidade fiscal do país exigirá uma profunda reforma das despesas obrigatórias já a partir de 2027. “É preciso rever a política de vinculações e criar instrumentos de revisão periódica de gastos, como já fazem países da OCDE”, sugere Andrade.
Enquanto isso, iniciativas como o Gasto Brasil tentam trazer o tema para mais perto da sociedade, permitindo que cidadãos, empresários e gestores tenham clareza de como os recursos públicos estão sendo aplicados.
Como resume Fábio Túlio Felippe: “Transparência é o primeiro passo para cobrar eficiência. O Gasto Brasil coloca na mão da sociedade a chance de participar ativamente desse debate”.