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Enquanto as prefeituras lutam contra as quedas significativas de receitas nos últimos meses por conta da pandemia, a Receita Federal acena com uma solução. Trata-se da municipalização da fiscalização e arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR). A Receita criou uma equipe nacional especializada no tributo com a intenção de mostrar aos municípios o quanto eles podem arrecadar a mais caso celebrem um convênio com o órgão. Em paralelo a isso, o Instituto Escolhas, associação da sociedade civil sem fins econômicos, tenta esclarecer os gestores, por meio de uma ferramenta na internet, o quanto o tributo sobre a propriedade rural pode ser rentável, embora hoje os valores sejam irrisórios.
O ITR é um imposto que incide apenas sobre a propriedade territorial rural e é de competência da União. Ele diverge do IPTU, que além da propriedade territorial, tributa também a propriedade predial. No que diz respeito às propriedades rurais, o que vale é o Valor da Terra Nua Tributável (VTNT), que desconsidera as benfeitorias realizadas, como por exemplo casas e culturas.
O problema é que o ITR é auto declaratório, ou seja, o proprietário é quem aponta o Valor de Terra Nua de sua propriedade e é esse número que será a base de cálculo do tributo. Assim, os valores pagos são tão ínfimos que ele ficou conhecido como “imposto dos dez reais”. Isso porque R$ 10 é a quantia mínima de recolhimento.
Como a determinação do Valor da Terra Nua é uma questão muito técnica, ela pode acabar ficando bem abaixo do valor de mercado. Atualmente, é papel da Receita Federal fiscalizar e arrecadar o ITR, que posteriormente destina 50% do total à prefeitura. Caso o município celebre o convênio com a Receita, fica com 100% do arrecadado e passa a ser o responsável por fiscalizar e arrecadar o tributo, o que historicamente tem se mostrado vantajoso. A explicação é que a prefeitura, diante deste direito, imediatamente faz uma revisão do valor da terra nua em sua região, que normalmente é maior do que aquele que é declarado, e isso incide em mais arrecadação de ITR.
Se por um exemplo um proprietário diz que o valor de terra nua de sua propriedade é R$ 1 milhão, o município pode revisar esse valor e determinar que aquela propriedade rural vale R$ 5 milhões. Isso significa que o ITR seria cobrado em cima de um valor cinco vezes maior do que era declarado pelo proprietário. O diferencial, aqui, é que tanto o município quanto o proprietário devem comprovar, por meio dos critérios técnicos, o valor adequado de terra nua daquela região.
A arrecadação de ITR de todas as propriedades rurais no Brasil em 2018 foi de apenas R$ 1,5 bilhão. Para efeito de comparação, apenas com IPTU, São Paulo arrecadou, no mesmo período, valor superior a R$ 10 bilhões. Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), pouco mais de 1.300 entes federados se conveniaram ao ITR e sozinhos são responsáveis por 80% da arrecadação. Isso significa que os outros 20% são arrecadados dos mais de 4 mil municípios restantes que não celebraram o convênio com a União e estão perdendo a oportunidade.
Eudes Sippel, consultor tributário da CNM, explica que a Confederação aposta no ITR há bastante tempo para que os municípios possam arrecadar mais, principalmente porque quase metade deles têm em sua matriz econômica a atividade rural.
“Há um bom tempo, a gente entende que tem de trabalhar a tributação naquilo que você tem de riqueza na sua região, na sua estrutura. E a riqueza nessas comunidades é o volume de terras. Às vezes municípios pequenos, com quatro mil, cinco mil habitantes têm uma extensão magnífica de terras. Essa é a grande riqueza dali”, ressalta.
A plataforma na internet #QuantoÉ – Imposto Territorial Rural, lançada pelo Instituto Escolha no início de junho, traz um cruzamento entre os dados do ITR e um estudo realizado pela instituição. Os números mostram a situação da cobrança do imposto e o verdadeiro potencial de aumento da arrecadação.
Segundo o instituto, o que foi arrecadado de ITR das mais de 5 milhões de propriedades rurais em 2018 é menos de 0,1% de toda a arrecadação da União. A pesquisa pode ser feita por cada prefeitura. O município de Tibagi, no Paraná, é um dos maiores produtores de soja do País. A arrecadação com o imposto em 2018 foi de R$ 3,8 milhões, mas, segundo a simulação da plataforma, o valor poderia ultrapassar os R$ 65 milhões no mesmo período.
De acordo com o estudo do Instituto Escolhas, elaborado pelo economista Bernard Appy, que também é diretor do Centro de Cidadania Fiscal, e pelo jurista Carlos Marés, o país poderia arrecadar R$ 5,8 bilhões usando o valor de mercado da terra para a cobrança do ITR. Isso significa que os municípios poderiam arrecadar quase quatro vezes mais em tributos relacionados às propriedades rurais.
Bernard explica que o ITR continua sendo autodeclaratório, mas a celebração do convênio do município com a Receita gera o incentivo para que os proprietários coloquem o valor das propriedades mais próximo da realidade.
“Quando o município faz o trabalho bem feito, eles têm divulgado esse valor e os proprietários, ao fazerem a declaração de ITR, já levam isso em consideração”, explica Bernard. “Varia muito de município para município. Quando o trabalho é bem feito, se chega facilmente ao valor de referência.”
Da mesma maneira que o valor da terra nua pode se aproximar ao justo, o contrário também pode acontecer e os proprietários devem ficar atentos. Isso porque um município pode relatar como valor de terra nua o valor de mercado da propriedade, ou seja, o valor de negociação imobiliária. Vale lembrar que o ITR não incide sobre o valor daquilo que foi agregado à terra. Apenas o terreno é levado em conta para a base de cálculo.
Segundo Clairton Kubaszwski Gama, advogado especialista em tributação do agronegócio, quando o município celebra o acordo com a União e assume a fiscalização e cobrança do ITR, normalmente o primeiro passo é iniciar um processo de revisão da terra nua que os contribuintes daquela região estão declarando. É neste momento que o contribuinte deve observar se o valor referencial está sendo aplicado de acordo com as normas ou se há majoração indevida.
“Com a equiparação do valor de terra nua com o valor de mercado temos um aumento do ITR, em alguns casos, até 100% de aumento. O contribuinte vai ficar ciente de que houve a modificação do valor da terra nua por parte do município e ele deve procurar entender como o município determinou esse novo valor, se seguiu as normativas necessárias para isso, se foi determinado da forma técnica, como precisa ser, ou se foi feita apenas a equiparação ao valor de mercado. E ele pode se contrapor a isso, tanto nas vias administrativas quanto na judicial.”
A determinação do valor de terra nua tributável não pode ocorrer de forma livre, a atender aos interesses do município que passou a fiscalizar e arrecadar o ITR. A prefeitura deve seguir as diretrizes determinadas sobretudo no art. 10 da Lei nº 9.393/1996, bem como as demais regulamentações de âmbito legal e infralegal incidentes.
Em uma videoconferência sobre o assunto promovida pelo Instituto Escolhas, o secretário de Fazenda de Rio Verde (GO), Enio de Freitas, compartilhou a experiência da gestão local com o ITR. O município é um dos conveniados e descobriu que a quantia arrecadada estava subestimada. Após assumir a fiscalização e arrecadação do tributo, o mesmo subiu mais de 100%.
O supervisor nacional da equipe especializada em ITR da Receita Federal, Sizenando Ferreira, também participou da reunião. Segundo ele, para celebrar o convênio com o órgão é necessário que o Município tenha lei vigente instituidora de cargo com atribuição de lançamento de créditos tributários, um servidor aprovado em concurso público, estrutura em tecnologia da informação e ter optado por domicílio tributário eletrônico. Por fim, todo o processo deve ser protocolado no Portal ITR.
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