A votação em plenário do Projeto de Lei Complementar (PLP) 108/2024, que regulamenta parte da Reforma Tributária, está prevista para a próxima semana no Senado.
O texto, aprovado há duas semanas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), define as regras de funcionamento do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e permite a implementação de um período-teste já em 2026.
Críticas ao Comitê Gestor
O ponto mais sensível do projeto é justamente o Comitê Gestor, que ficará responsável por administrar o novo tributo unificado — resultado da fusão do ICMS e do ISS.
Para o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, o modelo reduz a autonomia de estados e municípios. “Defendo a autonomia de estados e municípios. É menos Brasília e mais interior do Brasil. Assim é que os benefícios chegam de verdade para quem mais precisa”, afirmou em maio, durante a 26ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. Crítico desde o início da proposta, Caiado já havia classificado o colegiado como um comitê “superpoderoso” que “vai ter mais poder do que o governador”.
Na avaliação do advogado tributarista Paolo Stelati, a centralização das decisões pode gerar conflitos e perdas financeiras. “Com a reforma, ICMS e ISS deixam de ser cobrados diretamente por estados e municípios e passam a integrar o IBS. Isso significa que a arrecadação e os repasses financeiros dependerão do Comitê Gestor. Estados mais arrecadadores, por exemplo, podem acabar recebendo menos, o que gera perda de autonomia e de receita”, afirmou.
O também advogado tributarista, Thulio Carvalho, explica que, na prática, “municípios podem dispor sobre seus atuais tributos com grande margem de liberdade e passarão a ficar condicionados por órgão centralizador, no qual terão poucas chances efetivas de exercer influência verdadeira.” Daí a preocupação do Governador Caiado ser procedente, em grande medida.
Carvalho explica que, ao contrário do que prevê Caiado, a regulamentação será, sim, praticável. “Ela vai ser feita com prevalência dos grandes sobre os pequenos. Municípios tendem a figurar como simples receptáculos do IBS arrecadado, sem grande poder de influir sobre o sistema propriamente dito”, esclarece.
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Problemas que o futuro reserva
Paolo Stelati alerta que os efeitos da medida podem ser ainda mais complexos: “Claro que vão existir problemas que a gente ainda não sabe, problemas futuros que teremos de interpretar. Mas já pensando no que pode ocorrer, obviamente os municípios e os estados com maior arrecadação podem se frustrar, porque estão perdendo a autonomia da cobrança do seu tributo e, sendo os que mais arrecadam, podem acabar recebendo menos. Então, com certeza, pode haver frustração tanto pela perda de autonomia quanto pela perda de arrecadação”.
Segundo o advogado, a própria promessa de simplificação pode se transformar em foco de conflito. “A ideia de simplificação que vem com a reforma tributária pode gerar inclusive uma briga entre os entes federativos, a depender do que acontecer com essa decisão do Comitê Gestor”, disse. O advogado vai além: “Existe um risco de captura política do Comitê Gestor. Eventualmente, representantes de estados e municípios podem votar de acordo com determinado segmento político e prejudicar ou favorecer algum ente federativo — é isso que a gente tem que ficar de olho.”
CNM alerta para risco de perda bilionária com o PLP 108
Além da disputa em torno da governança do novo tributo, os municípios também alertam para impactos financeiros. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) calcula que uma mudança de última hora no texto pode reduzir em até R$ 40 bilhões por ano a arrecadação municipal. Isso porque a alíquota do IBS será fixada com base na média de receitas de 2012 a 2021, desconsiderando o crescimento recente do ISS. Com isso, a fatia municipal cairia de quase 2% para, no máximo, 1,5%, diminuindo a receita própria de R$ 157 bilhões para cerca de R$ 120 bilhões.
Para tentar reverter a alteração, a CNM pediu ao senador Jorge Kajuru (GO) que protocole quatro emendas sobre o tema. A entidade defende que o texto respeite o princípio da neutralidade fiscal previsto na Emenda Constitucional 132 e preserve a participação efetiva dos municípios no Comitê Gestor do IBS.