Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Nise Yamaguchi nega gabinete paralelo e a mudança da bula da cloroquina

Médica prestou depoimento na CPI do Senado devido à defesa do tratamento precoce durante a pandemia, e afirmou ser uma consultora eventual do governo federal, como já atuou em outras gestões

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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia ouviu nesta terça-feira (1º) a médica Nise Yamaguchi. Defensora do chamado tratamento precoce contra a Covid-19 e consultora eventual de ações do governo, a oncologista e imunologista prestou depoimento a pedido dos senadores Eduardo Girão (Podemos/CE) e Marcos Rogério (DEM/RO). 

Os principais temas do dia na CPI foram: o uso de medicações como a cloroquina para o tratamento do novo coronavírus, os aconselhamentos não oficiais ao Ministério da Saúde nas ações de combate à pandemia e um possível decreto que buscava mudar a bula do remédio, citado em depoimentos anteriores.Também houve discussão, ainda antes do depoimento de Nise Yamaguchi, a respeito da desconvocação de depoentes a favor do tratamento precoce para o dia de amanhã. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD/AM), esclareceu que decidiu antecipar o depoimento da médica infectologista, e crítica ao tratamento, Luana de Araújo, para esta quarta-feira (2), e informou que os depoentes podem ser ouvidos pela CPI em outro momento. 

Questionamentos

A Comissão Parlamentar começou os questionamentos à Nise Yamaguchi baseados em dois temas centrais, a defesa pela imunidade de rebanho na pandemia e a possível existência de um gabinete paralelo de enfrentamento ao vírus no governo federal.
 
O senador Renan Calheiros (MDB/AL) exibiu vídeos antigos com declarações da médica explicando cenários de uma imunidade de rebanho no país. Porém, ela ressaltou que, “para aquele momento [da pandemia], a discussão era pertinente”, e que para esse momento atual, “novos algoritmos devem entrar” no debate. 
 
Sobre o aconselhamento paralelo ao presidente da República, Nise afirmou: “Eu desconheço um gabinete paralelo”. Ela pontuou ser uma especialista chamada em ocasiões eventuais. “Sou uma colaboradora eventual e participo junto com os ministros de Saúde como médica, cientista, chamada para comissões técnicas, em reuniões governamentais, reuniões específicas com os setores do ministério.”
 
Ela também lembrou existir um movimento de médicos brasileiros que criaram um conselho científico independente, que não tinha ligação direta com o governo federal. Perguntada por Eliziane Gama (Cidadania/MA) sobre qual era a função de Nise no governo, ela se definiu como “consultora eventual”, pontuando atuações em gestões de outros presidentes da República do passado.
 
A oncologista também defendeu o conjunto de ações de contenção à circulação do vírus, como vacinação contra Covid-19, distanciamento social e uso de máscaras. “Esse conjunto é o que vai contribuir para melhorar [a pandemia].” Dentre outras ações, ela levantou que é preciso de “medidas conjuntas”, e que somente o lookdown, isoladamente, não seria eficaz.

Mudança de bula

Outro dos motivos principais do convite à doutora para a CPI foi a afirmação de um dos depoentes, o diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres. Ele informou, na comissão, que a pesquisadora defendeu alterar a bula da cloroquina para incluir a indicação contra o coronavírus.
 
Nise Yamaguchi negou a fala de Torres. “Não houve nenhuma declaração de decreto de mudança de bula. Isso tanto não houve, não foi estudado, eu não participei. Não houve nenhuma mudança de bula por decreto, isso jamais aconteceria. Eu sou especialista em regulação, trabalhei em vários governos, então, isso não existe”, enfatizou.
 
Segundo ela, a parte da reunião citada por Torres não tinha relação com mudança da bula, mas “com a disponibilização do medicamento durante a pandemia”. A médica considerou que pode ter havido um “equívoco” do diretor da Anvisa ao citar esse acontecimento. 

Tratamento precoce

Questionada por Renan sobre os motivos dos altos número de mortes da pandemia, mesmo com a defesa pelo tratamento precoce, Nise foi enfática ao afirmar que o tratamento “teve eficácia”, lembrando de estudos europeus que fizeram projeções ainda piores de óbitos no Brasil. 
 
“No Amapá, nós temos um dos menores índices do mundo de mortalidade. E eles utilizam essas medidas conjuntas. Então, nós temos que, cada vez mais, juntarmos forças”. O senador rebateu a informação dizendo que o Amapá era o 6º estado com o maior número de mortes a cada grupo de 100 mil habitantes. Randolfe Rodrigues (Rede/AP), lamentou que a região tenha uma “taxa de mortalidade de 121.1, que se assemelha a do Peru, de 123.3, que é o 4º país com mais mortes por Covid-19”, segundo ele. 
 
Nise também se posicionou a favor da autonomia médica, dizendo que não há proibição dessa autonomia em nenhum país do mundo. Segundo ela, é complexo citar alguns dados de eficácia do tratamento precoce por diferentes motivos. 
 
“Nós não temos o número de curados que se beneficiaram desse tratamento. Inclusive [não temos os números] de quantos que morreram e não fizeram o tratamento precocemente. Então, esse dado acaba não sendo possível de se avaliar”, disse. 
 
“Agora, nós temos tido a vantagem de termos muitos pacientes que se beneficiaram. Inclusive, eu mesma trato de pacientes pessoalmente, e não trato somente com cloroquina, quero deixar bem claro isso. Já tive mais de 450 casos tratados pela minha equipe. A gente utiliza tratamento personalizado de precisão, que é feito com uma diferença de acordo com as necessidades do paciente, de acordo com as suas comorbidades etc. Então, a gente tem, realmente, uma eficácia comprovada.” 
 
Houve um momento de ânimos mais acirrados entre os membros da CPI quando Calheiros exibiu um vídeo em que a médica opinou que não era preciso vacinar aleatoriamente a população. Ela esclareceu. “Eu disse o seguinte: que não é o único tratamento. Aliás, vacina não é tratamento, vacina é prevenção. Tratamento é tratamento aos primeiros sintomas. Então, uma coisa é a vacina para prevenção, e a outra coisa é o tratamento inicial, que se chama precoce, aos primeiros sintomas.”
 
Omar Aziz tomou a palavra no momento. “Eu não vou fazer propaganda enganosa para a população brasileira. Eu tenho responsabilidade e ela é grande. Peço que não acreditem nela [médica], a vacina salva”, exclamou. A médica contra-argumentou dizendo que defende sim a imunização, apenas diferenciou tratamento e prevenção.
 
O senador Luis Carlos Heinze (PP/RS) concordou com os posicionamentos de Nise, avaliando que “o Brasil precisa da vacina, sim, e o Brasil precisa também do tratamento precoce”. A autonomia médica voltou a ser ressaltada por Nise. 
 
“O tratamento precisa ser determinado pelo ato médico. É feito um cuidado especial com relação ao paciente que tem uma saúde dependente do setor público e outro do setor privado. Nós sabemos que o paciente do setor privado tem acesso a mais estratégias, ele vai lidar melhor com a UTI, e nos públicos nós temos uma carência maior. Daí, a necessidade de se estruturar os tratamentos com relação aos pacientes também.”
 
O senador e médico Otto Alencar (PSD/BA) produziu um debate científico com a oncologista. “Você vem me dizer que [a cloroquina] é uma droga usada há tanto tempo, sem fazer exames pré-clínicos e clínicos não é correto. A senhora está errada. A senhora apostou em uma droga que podia dar certo ou não. Essa é a grande realidade. E a ciência, doutora, por mais que a senhora seja formada e tenha curso, não admite isso.”
 
Yamaguchi rebateu alguns estudos citados por Otto Alencar dizendo que eles foram feitos com pacientes internados. “Esse não é o paciente leve, que nós preconizamos [para o tratamento precoce]”. O debate entres dois médicos chegou a elevar a tensão do clima da CPI. 
 
Senadores da base do governo avaliaram que Otto foi desrespeitoso com Nise ao questionar de forma enfática termos científicos e afirmar que ela foi leviana por não aprofundar as pesquisas, avaliando, por exemplo, sequelas pulmonares do tratamento. A sessão teve que ser suspensa durante este debate. No retorno, a médica exemplificou casos de debates anteriores entre especialistas. “Isso é saudável, se o debate não é levado em uma disputa de posicionamentos. Nós temos que construir paradigmas e temos a possibilidade de discutir um a um.”

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