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Nos livros de Ciências, ela está presente e é muito falada durante a escola: doença de Chagas — causada por um protozoário (Trypanosoma Cruzi) e transmitida pela picada do barbeiro. Para muita gente, a história com a doença termina aí. Mas essa não é a realidade de muitos brasileiros. Oitenta por cento dos pacientes que recebem implante de marcapasso, em procedimentos realizados no Hospital de Base de Brasília, no Distrito Federal, deram entrada na unidade com problemas cardíacos causados pela doença de Chagas. É o que relata o cirurgião cardiovascular José Joaquim Vieira Junior. O especialista trabalha na unidade de referência regional na rede do SUS em cirurgias cardíacas, onde são realizados 600 implantes anuais desse dispositivo que controla os batimentos do coração em casos de arritmias.
A estimativa do especialista ilustra a persistência desta doença secular, descoberta pelo médico sanitarista Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, em 1909, como problema de saúde pública, com baixa notificação.
Informação de boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, publicado em abril deste ano, sobre notificações da doença de Chagas, reforça isso. O documento destaca: “apenas 7% das pessoas com doença de Chagas são diagnosticadas, e somente 1% recebe tratamento adequado no século XXI”. “[A Doença de Chagas] Segue ainda nos dias de hoje acometendo principalmente pessoas com alta vulnerabilidade social, podendo gerar intensos impactos na qualidade de vida, em especial a incapacidade, o medo e o estigma”, reforça o documento.
Segundo o levantamento, entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024, 5,4 mil casos confirmados de doença de Chagas crônica, de 710 municípios, foram registrados no sistema e-SUS Notifica. Além disso, autoridades de saúde estimam que entre 1 milhão e 3 milhões de pessoas tenham a doença no país, representando perigo para moradores de áreas endêmicas, concentradas nas regiões Norte e Nordeste brasileiras. Consta ainda como uma das 11 doenças e 5 infecções socialmente determinadas a terem cargas de transmissão e mortalidade reduzidas, num esforço conjunto de 14 ministérios no programa Brasil Saudável, do Governo Federal.
Se não identificada no início da infecção, a doença de Chagas pode se tornar crônica e atacar órgãos como esôfago, intestino e coração. Outra estimativa apontada pelo boletim do Ministério é a de que entre 30% e 50% dos pacientes desenvolverão a forma de cardiopatia crônica. Essa condição médica possui três formas de apresentação clínica: síndrome arrítmica, insuficiência cardíaca e complicações tromboembólicas sistêmicas e pulmonares.
“O parasita atinge a musculatura cardíaca e faz uma espécie de inflamação no músculo cardíaco, levando à degeneração das fibras, causando um aumento da área do coração. Como se você esticasse um elástico por muito tempo e ele ficasse frouxo. Conhecido como o 'mega coração'”, explica o cirurgião José Joaquim Vieira Junior.
“É o primeiro acometimento — o coração. Geralmente, é o mais trágico e o que as pessoas se preocupam mais. A maioria dos pacientes que colocam dispositivos cardíacos na nossa região é por doença de Chagas”, complementa o médico do DF.
Considerada multissistêmica, a doença de Chagas é caracterizada por uma fase aguda — que pode durar até algumas semanas ou meses — apresentando frequentemente sintomas leves ou pode ser até mesmo assintomática. Mas também existe a fase crônica. E é assim que o vigilante Carlos José Rosa, de 56 anos, morador do Gama, no Distrito Federal, convive com Chagas há mais de 40 anos. Ele contraiu a doença ainda menino, em Goiás. Aos 12 anos, teve o primeiro sintoma — um estreitamento no esôfago — que foi resolvido com cirurgia.
Anos mais tarde, quando Carlos tinha 38 anos, os primeiros problemas cardíacos começaram a surgir e mais uma cirurgia, dessa vez para a implantação de um marcapasso, foi feita. “O coração estava ruim, perdendo batimento cardíaco — batendo a 25 por minuto —, pressão a 6 por 4. Foi quando fiz a implantação do marcapasso que resolvi esse problema. O batimento normal passou para 60 e a pressão voltou ao normal”, relata.
Mas Carlos sabe que a doença Chagas crônica pode afetar outros órgãos, como intestino, por exemplo. Segundo ele, já aprendeu a conviver com a doença e quando um novo órgão é afetado, ele vai “trocando as peças”.
O coração do aposentado e morador de Samambaia, no Distrito Federal, Adelino da Costa Lima, de 51 anos, também foi o órgão mais afetado pela doença de Chagas. Há 30 anos, ele foi infectado pela doença, em Bonfinópolis de Minas (MG), no noroeste mineiro. Em 2011, precisou implantar um marcapasso para ajustar os batimentos cardíacos. Mas em 2019, o órgão foi ficando mais fraco e só um transplante seria capaz de salvar a vida dele. Adelino recebeu o novo coração. Mas conta que conviver com a Chagas exige cuidados.
“A partir do momento que a pessoa descobre e acusa a doença, todo ano é preciso fazer exames para descobrir se a doença está se desenvolvendo ou não”, explica Lima.
No Brasil, o estado com maior incidência da doença é o Pará — responsável por 80% das ocorrências. As informações são da Secretaria de Estado de Saúde Pública do estado. Em 2022, foram 352 casos confirmados.
Uma doença silenciosa, que pode impactar diversos órgãos do corpo e até mesmo levar à morte, como explica o coordenador estadual do Programa de Controle da Doença de Chagas no Pará, Eder Monteiro.
“Pode levar a complicações cardíacas graves como insuficiência cardíaca, congestiva, problemas gastrointestinais, podendo resultar em óbito em casos mais graves. No Pará, a prevalência varia de acordo com as regiões, mas estima-se que uma parcela significativa da população esteja em risco de infecção. Especialmente em áreas rurais ou em condições socioeconômicas desfavoráveis”, analisa Monteiro.
O Ministério da Saúde, por meio do programa Brasil Saudável — que tem como meta a eliminação de 11 doenças socialmente determinadas, entre elas a doença de Chagas —, listou 175 municípios onde o combate aos determinantes sociais relacionados a essas doenças é prioridade (ver mapa abaixo). De acordo com as diretrizes do programa, são localidades que possuem altas cargas de duas ou mais doenças ou infecções. A estratégia do programa busca “catalisar e potencializar as ações já existentes e/ou as capacidades de cada Ministério no atendimento às necessidades de populações e territórios mais afetados pelas doenças determinadas socialmente ou sob maior risco”.
MAPA MUNICÍPIOS PRIORITÁRIOS DO BRASIL SAUDÁVEL
“Escolhemos 11, pois são as prevalentes no Brasil. A doença de Chagas, esquistossomose, filariose linfática, geo-helmintíase, malária, oncocercose e tracoma — essas sete são doenças que vamos eliminar — e não ter mais no Brasil, com transmissão igual a zero”, explica o coordenador-executivo do Brasil Saudável e diretor do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, Draurio Barreira. O gestor completa: “E outras quatro, que não vamos eliminar até 2030 de ter transmissão igual a zero, mas vamos atingir as metas da OMS, que são: tuberculose, aids, hepatites virais e hanseníase”.
Além dos municípios do Pará, a doença de Chagas aparece também em cidades do Nordeste (ver mapa abaixo), como os municípios pernambucanos de Carnaubeira da Penha e Correntes; e nos alagoanos Santana do Mundaú e Capela. No Amazonas, a doença está presente em municípios como Barcelos, Lábrea, Uarini, Ipixuna e na capital Manaus. No Acre, em Cruzeiro do Sul. Mas na capital do país, Brasília, a doença também aparece e precisa ser rastreada e tratada.
MAPA
“As regiões Norte e Nordeste são consideradas áreas endêmicas para doença de Chagas devido às condições favoráveis ao ciclo de transmissão do parasita. Condições precárias de moradia e a falta de saneamento básico contribuem para a proliferação dos insetos vetores e aumenta o risco de infecção pela doença de Chagas”, avalia Eder Monteiro.
Doença de Chagas: tipos de transmissão e como prevenir (Fonte: Ministério da Saúde)
A doença de Chagas é transmitida pelo barbeiro infectado — que ao picar uma pessoa sadia deposita fezes contaminadas no ferimento — permitindo a entrada do parasita Trypanosoma cruzi na corrente sanguínea. É a chamada transmissão vetorial.
Para evitar que o barbeiro entre em casa e forme colônias, o Ministério da Saúde recomenda o uso de mosquiteiros ou telas metálicas em janelas e a aplicação de inseticidas residuais realizada por equipe técnica habilitada. Também preconiza o uso de repelentes, roupas de mangas longas, durante atividades noturnas em áreas de mata.
A doença também pode ser transmitida por via oral — por meio de alimentos contaminados pelas fezes do Trypanosoma cruzi — devido à falta de controle de higiene e de cuidados no momento do processamento. “A principal forma de prevenção é higienizar bem os alimentos. Pois, em geral, isso acontece quando o barbeiro é moído junto com o fruto ou outro alimento e a pessoa não vê. Como se trata de um inseto relativamente grande [para identificar], se o alimento for bem higienizado, eliminamos a grande probabilidade de a contaminação do alimento ocorrer”, explica o médico Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior, coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde
A terceira forma de transmissão é a vertical, quando a gestante infectada por Trypanosoma cruzi pode passar para o bebê durante a gestação ou no parto. De acordo com Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior, é importante que essa gestante seja acompanhada e a criança, ao nascer, também seja monitorada para que possa fazer exames. “Porque a criança pode ser tratada e curada, já que as chances de cura são muito altas se for tratada no início, assim que nascer”, completa o gestor.
Os principais sintomas — na fase aguda — são dor de cabeça, febre, cansaço, edema facial e dos membros inferiores, taquicardia, palpitação, dor no peito e falta de ar. Como os sintomas iniciais parecem com os de outras doenças, a pessoa deve procurar a unidade de saúde mais próxima de casa para atendimento médico imediato e exames.
O diagnóstico precoce é fundamental nos casos de doença de Chagas, pois quanto mais tempo leva para o paciente iniciar o tratamento, mais danos o parasita causa ao organismo, principalmente no coração e sistema digestivo.
Um paciente com suspeita da doença precisa ser logo notificado e imediatamente encaminhado para exame e início do tratamento. Assim, o paciente com Chagas recebe medicamento específico por dois meses e permanece sob acompanhamento pelo período de cinco anos na atenção básica municipal e, quando necessário, por especialista - cardiologista, infectologista e gastroenterologista.
“O rastreio e o tratamento da doença de Chagas, no Pará, são bem acessíveis. Qualquer pessoa que esteja em área endêmica, que apresente algum sintoma, como a febre persistente, procurando unidades básicas de saúde ou de pronto atendimento — e se tiver suspeita de Chagas na fase aguda —, imediatamente são feitos os exames parasitológicos e sorológicos. Caso dê positivo, logo em seguida, é feito tratamento com medicamento específico”, explica Eder Monteiro.
Segundo o Ministério da Saúde, o tratamento da doença de Chagas deve ser indicado por um médico, nas unidades de saúde do SUS, após a confirmação da doença. O remédio benznidazol é fornecido gratuitamente para pessoas com a doença na forma aguda. Para as pessoas na fase crônica, a indicação deste medicamento depende da forma clínica e deve ser avaliada caso a caso.
Para mais informações sobre a doença de Chagas e sobre o programa Brasil Saudável, acesse www.gov.br/saude.
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