Foto: Breno Esaki/Agência Brasília
Foto: Breno Esaki/Agência Brasília

DF vive pressão de sindicatos e tem imunização lenta com inclusões na fila da vacina

Ministério Público chegou a citar uma “criação injustificada de privilégios para determinadas categorias profissionais” no andamento da vacinação, que vai mudar neste mês

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Pessoas entre 27 e 40 anos já podem se vacinar contra a Covid-19 em oito capitais, mas nenhuma delas é Brasília. O Distrito Federal possui hoje uma porcentagem de população vacinada abaixo da média nacional, tanto com a primeira quanto com a segunda dose. Somente neste mês de julho a Secretaria de Saúde do DF abriu o agendamento da vacinação para pessoas com 46 anos, faixa etária que já havia sido contemplada com a imunização há quase um mês em São Luís, no Maranhão, por exemplo.

Veja abaixo qual a faixa etária está sendo imunizada em cada capital:

Uma das explicações possíveis para a lentidão da fila do Distrito Federal é a inclusão de novos grupos prioritários, de diferentes categorias profissionais. Essa é uma das críticas do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que chegou a emitir uma recomendação técnica ao secretário de Saúde, Osnei Okumoto. 

O documento pedia que a pasta passasse a assegurar o cumprimento do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação, elaborado pelo Ministério da Saúde, “abstendo-se de incluir novas categorias profissionais no processo de imunização da população, que não aquelas já previstas naquele plano”. Para o MPDFT, a medida pode garantir o cumprimento dos princípios da universalidade e do acesso igualitário à saúde, “com o fim de impedir a criação injustificada de privilégios para determinadas categorias profissionais”. 

O secretário da Casa Civil, Gustavo Rocha, afirmou, durante entrevista coletiva, que o governo vai cumprir a recomendação do Ministério Público e vacinar os moradores do DF apenas por idade. Com a mudança, a Secretaria de Saúde espera vacinar 200 mil pessoas com a segunda dose da vacina em julho. Um impasse recente ilustra o cenário de pressão política pela vacina no DF até que tenha se chegado a essa decisão.

Em 10 de junho, representantes do Sindicato dos Bancários de Brasília se reuniram com o governador Ibaneis Rocha (MDB), no Palácio do Buriti, para solicitar a inclusão da categoria como prioridade na imunização. Ibaneis deu parecer favorável ao pedido, que iria se concretizar neste próximo sábado (3), data marcada para vacinação dos bancários, mas, após a recomendação do MPDFT, essa imunização da categoria foi suspensa.

Pressão

Como resultado do cancelamento, o Sindicato dos Bancários ameaçou uma decretação de greve por tempo indeterminado a partir de segunda-feira (5). Já outras categorias tiveram sucesso no pedido de inclusão entre as prioridades. Dentro do escopo dos profissionais de saúde, o DF imunizou trabalhadores como biólogos, nutricionistas, educadores físicos, fonoaudiólogos, técnicos de laboratório e psicólogos, entre outros. Confira a lista completa abaixo:

Algumas destas inclusões geraram críticas de setores da sociedade sobre casos específicos, de pessoas que receberam doses mesmo sem atuar em situações de exposição ao vírus. O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública contra a União e o Governo do Distrito Federal “para que revejam a decisão de incluir profissionais classificados como ‘demais trabalhadores da saúde’ nos grupos prioritários”.

O MPF levanta que essa extensão é “indevida” por privilegiar servidores que desempenham atividades burocráticas e operacionais, e que utilizariam ao menos 8 mil vacinas no DF. “Sempre que se incluem entre as categorias prioritárias pessoas a serem vacinadas, mais ainda se atrasa a vacinação da população em geral e, especialmente no caso de servidores públicos não envolvidos diretamente com prestação de serviços de saúde, tal expediente se aproxima do estabelecimento de privilégios inaceitáveis em um Estado Democrático de Direito”, traz o texto do Ministério Público.

Walter Ramalho, epidemiologista do curso de Saúde Pública da Universidade de Brasília (UnB), avalia que esse cenário de conturbação a respeito da definição de prioridades acaba desfavorecendo categorias socialmente mais marginalizadas, que precisam da proteção contra a doença.

“Eu vejo que o problema, nesse caso, é que essas categorias profissionais que estão sendo vacinadas, na sua estratificação, são aquelas categorias profissionais que têm de alguma uma situação de pressão ao governo, e com isso se ganha privilégios. Por outro lado, nós temos outras categorias de profissionais invisíveis, que não conseguem fazer nenhum tipo de demandas ao governo, porque não são organizadas”, diz.

Exposição

O especialista cita casos de profissionais que estão constantemente expostos a situações de risco. “Diaristas que precisam pegar um ônibus, e normalmente um ônibus lotado, por exemplo. Talvez essas pessoas precisassem ser imunizadas em uma escala de prioridade maior do que outras. Claro, eu acredito que precisamos ter essa estruturação de categorias profissionais com maior risco, mas nós não podemos deixar de considerar pessoas invisíveis que não estão dentro dos pacotes de pressão ao governo”, avalia.

Para o diretor científico da Sociedade de Infectologia do DF, David Urbaez, a vacinação tem que favorecer pessoas mais vulneráveis no primeiro momento, quando há poucas vacinas disponíveis. “A variável mais importante nesse sentido é a exposição ao risco, ou seja: mobilidade intensa, transporte público, locais de trabalho com muita aglomeração, fechados e de má ventilação. Nessa análise é que nós conseguiríamos configurar um melhor arranjo dos grupos de vacinação”, diz. 

David também acredita que já há dados suficientes para identificar em quais situações a Covid-19 provoca mais casos e óbitos. “De maneira geral, o plano de vacinação tem que ser revisado. Esses grupos que hoje têm como ser bem definidos com os dados epidemiológicos deveriam ser os grupos prioritários a serem vacinados”, afirma.

Migração pela vacina

Gilma Sousa é uma das moradoras da capital que está exposta por conta das atividades. A empresária trabalha em um restaurante e em contato diário com clientes, e precisou sair do DF para se proteger. “Estava muito complicado e demorando muito. Então saí daqui e fui tomar a vacina em Goiás. Até porque agora que [a fila] está chegando na minha idade, de 46 anos, e eu já vou tomar a segunda dose dia 19 de julho”, relata. 

A prática de buscar uma imunização no estado vizinho vem sendo comum no Distrito Federal. O próprio governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), afirmou que os goianos já aplicaram 82 mil doses em moradores do DF. Caiado ainda alimentou uma disputa política com Ibaneis Rocha, publicando em redes sociais: “Enquanto muitos lavam as mãos, nós arregaçamos as mangas”. Ibaneis, logo depois, postou que a campanha de imunização tem “estratégia nacional” e que o DF já aplicou “quase 160 mil doses em residentes de outras unidades do Brasil, sendo que a maior parte dessas pessoas vieram do nosso Entorno.”

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Politização

Erik Sales, mestre em Ciência Política, avalia que a politização de processos decisórios que deveriam ter somente critérios técnicos já é algo histórico no DF. "E, mais uma vez, com algo tão sensível quanto a vacinação da população, infelizmente também não fugiu à regra. Houve sim uma politização dos critérios de vacinação da população baseados em categorias. Isso acaba por deixar o DF muito aquém de outros estados, mesmo tendo uma população menor", diz.

O cientista político enxerga que isso se deve, em grande parte, à força dos lobbys estabelecidos na capital do país. "Principalmente com relação ao funcionalismo, que aqui é muito forte. Esses grupos de pressão atuam de forma muito intensa dentro do executivo e do legislativo. Então, o critério de vacinação efetivamente adotado pelo governo local, até a recomendação do Ministério Público, era um critério do 'quem grita mais alto'. A categoria, o grupo de pressão, que gritasse mais alto, conseguia entrar na fila de vacinação com a maior prioridade", opina.

Por fim, Erik vê ainda que esse processo tem ligações com as eleições de 2022. "Houve, sim, a intenção do governo em atuar de forma a ganhar capital político frente a esses grupos de pressão. Até porque são esses grupos de pressão principalmente, friso mais uma vez, do funcionalismo que acabam por pautar o processo decisório local. Então, foi uma forma de ganhar governabilidade e capital político para as eleições que se aproximam. E o principal prejuízo, quem efetivamente arca com prejuízo dessa inércia decisória, por assim dizer, é a população, que fica aguardando um critério mais técnico de vacinação", enfatiza.

Em nota, a Secretaria de Saúde do DF afirmou à reportagem que "segue na postura de adotar cautela tanto na ampliação de público quanto na divulgação de informações sobre a vacinação, para que expectativas não sejam frustradas", e que a velocidade da vacinação de alguns estados se deve ao fato de que essas regiões, com o objetivo de aumentar o número de vacinados, "optaram por usar o estoque que seria reservado para segunda dose."

A pasta conclui informando que “o Plano Nacional de Operacionalização da Vacina estabelece que a vacinação dos grupos prioritários deve ocorrer de acordo com a situação populacional de cada localidade”, e que o DF, “por ter hospitais de referência de média e alta complexidade, registra considerável número de atendimentos a comorbidades de moradores do de outros estados, principalmente da região do Entorno, onde não há esse tipo de assistência.”
 

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