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Não poder contar com um teto para abrigar a família é um pesadelo real durante o momento atual de crise econômica e sanitária no Brasil. Segundo levantamento da organização Campanha Despejo Zero, mais de 84 mil famílias estão ameaçadas de remoção durante a pandemia. O número de brasileiros em situação de extrema pobreza chegou a 14 milhões e alcançou a maior marca desde dezembro de 2014, de acordo com dados do Cadastro Único em outubro de 2020. Esses são alguns dos cenários que embasam um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional que aguarda sanção presidencial.
O Projeto de Lei 827/20 proíbe o despejo ou a desocupação de imóveis até o fim de 2021. O texto estipula que as ordens de despejo ou liminares proferidas antes do período de calamidade pública decretado no ano passado não poderão ser efetivadas até 31 de dezembro de 2021. A medida ainda suspende os atos praticados desde 20 de março de 2020, exceto aqueles já concluídos, e torna ilegal a concessão de liminar de desocupação de inquilinos de imóveis urbanos alugados.
Monica Priscila, por exemplo, moradora do Riacho Fundo, no Distrito Federal, se viu com dificuldades de pagar o aluguel quando entrou para o grupo de 14,8 milhões de brasileiros desempregados. “É com muita dificuldade que a gente está vivendo. Eu fiquei sem emprego, atualmente faço faxina, unha, cabelo, o que aparece”, conta. O valor do aluguel ainda iria subir, seguindo os reajustes de índices econômicos, mas ela conseguiu negociar com o proprietário.
“Moro nesse lugar há dois anos, era para o proprietário aumentar o aluguel, mas ele viu toda a minha dificuldade”, diz. Após a sanção do PL aprovado, caso Monica não tenha condições de pagar o aluguel e demonstre a mudança da situação financeira e a incapacidade do pagamento, ela não poderá receber uma ordem de despejo. Essa proibição será aplicada a contratos cujo valor mensal de aluguel seja de até R$ 600 para imóveis residenciais e de até R$ 1,2 mil para imóveis não residenciais.
A norma vale para as situações de inquilinos com atraso de aluguel, fim do prazo de desocupação pactuado, demissão do locatário em contrato vinculado ao emprego ou permanência de sublocatário no imóvel. Para especialistas, a sanção do projeto de lei é essencial para garantir direitos fundamentais e auxiliar no combate ao avanço da Covid-19.
Para o sociólogo Raphael Sebba, projetos como esse, neste momento, levantam reflexões sobre o lar durante uma pandemia. “A moradia representa um direito em si, todo mundo tem direito a ter um lar, tem um local para estar. Mas a moradia é também um direito intermediário. É difícil você pensar uma pessoa ter acesso integral ao direito à saúde se ela não tem uma casa onde ela possa desenvolver suas atividades cotidianas, se higienizar, estar protegida do frio, estar protegida do calor”, ressalta.
Sebba lembra que uma família sem teto não é caracterizada apenas por uma situação de moradia em rua diretamente, mas também abrange quem está em lares precários ou em quadro de superlotação de moradia, situação essa agravada na pandemia. O sociólogo ainda ressalta como os despejos e remoções forçadas acabam criando mais complicações para a população.
“Com as consequências econômicas da paralisação das atividades e dos efeitos da pandemia, muita gente viu seu poder aquisitivo ser reduzido, não teve condições de continuar pagando o aluguel e passou a morar de forma ‘improvisada’. Nesse cenário, radicalizar esse processo de fragilidade do direito à moradia, aprofundar o déficit habitacional a partir da ação do poder público, é um contrassenso. Porque você aprofunda o quadro problemático do ponto de vista social e também do ponto de vista sanitário, lembrando que a condição de ter uma moradia é indispensável para você poder até estar em isolamento, ao menos parcialmente”, avalia.
Para o especialista, qualquer despejo só deveria acontecer com a garantia do direcionamento adequado das famílias que estão sendo despejadas, pois, mesmo sem uma pandemia, o direito à moradia é constitucional. “Deixar as pessoas sem casa já é de uma crueldade, de uma brutalidade sem tamanho, mas, neste contexto sanitário, beira a empurrar as pessoas para uma situação de mortalidade, literalmente. Então, é muito importante que o PL seja, de fato, sancionado e que passe a ser implementado o quanto antes”.
O Projeto de Lei 827/20 foi concluído na Câmara dos Deputados em julho, após votação de emenda do Senado Federal que exclui os imóveis rurais da proibição. Apesar do parecer contrário do relator, o deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), a emenda foi aprovada. A proposta contra o despejo ou a desocupação de imóveis é de autoria dos deputados André Janones (Avante-MG), Natália Bonavides (PT-RN) e Professora Rosa Neide (PT-MT).
Natália Bonavides lamentou a retirada dos imóveis rurais do texto original, lembrando que agricultores familiares também sofrem os efeitos econômicos da pandemia e podem perder a terra, que é a principal fonte de sustento dessa população.
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No caso de ocupações, o PL abrange aquelas ocorridas antes de 31 de março de 2021, e não alcança as ações de desocupação já concluídas na data da publicação da futura lei. O texto também não permite medidas preparatórias ou negociações poderão ser realizadas.
Somente após o fim de 2021 é que o Judiciário deverá realizar audiência de mediação entre as partes, com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública, nos processos de despejo, remoção forçada e reintegração de posse.
O PL conceitua a desocupação ou remoção forçada coletiva a retirada definitiva ou temporária de indivíduos e famílias de casas que elas ocupam sem a garantia de outro local para habitação isento de nova ameaça de remoção.
A proposta lembra que a nova habitação oferecida deve conter uma série de requisitos mínimos, como serviços básicos de comunicação, energia elétrica, água potável, saneamento, coleta de lixo, estar em área que não seja de risco e permitir acesso a meios habituais de subsistência.
No caso dos contratos de aluguel, se não houver acordo entre locador e locatário em relação a desconto, suspensão ou adiamento do pagamento de aluguel durante a pandemia, o locatário poderá desistir do contrato sem multas ou aviso prévio de desocupação até 31 de dezembro de 2021, exceto quando aquele imóvel for o único de propriedade do locador, além daquele utilizado para sua própria residência.
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