Parlamentares e representantes do setor produtivo receberam positivamente a decisão do governo de recuar da reoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. No lugar do trecho da medida provisória que alterava o regime a partir de abril, o Executivo vai enviar um projeto de lei sobre o tema ao Congresso Nacional.
Relatora do projeto de lei 334//2023, que estendeu a desoneração até 2027, a deputada federal Any Ortiz (Cidadania-RS) diz que a decisão do governo demonstra respeito, ainda que tardio, ao entendimento do Congresso Nacional.
"Os deputados e senadores, que são os representantes do povo brasileiro, decidiram, por ampla maioria, que essa é uma política pública importante, que ajuda as empresas na competitividade tanto no mercado interno quanto externo; também na manutenção e geração de novas vagas de trabalho formal. Quando o governo apresentou essa MP foi uma afronta. Agora, o governo respeita a decisão do Congresso retirando esse trecho da medida provisória", afirmou.
Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR) diz que o recuo do governo põe panos quentes na relação com os congressistas sobre o tema. "[Foi] resolvido ontem. Acho que esse assunto é assunto vencido", destacou.
Representantes dos setores alcançados pela desoneração também comemoraram a continuidade do regime. Letícia Pineschi, conselheira da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), destaca que o mecanismo é importante para os trabalhadores.
"Dessa forma, é possível que as empresas operadoras do transporte interestadual possam manter as oportunidades de trabalho que o setor oferece e, especialmente, de contratação de profissionais para trabalhar no setor, que vem crescendo a cada ano e que é muito importante para a mobilidade da sociedade do país."
Para Haroldo Ferreira, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), a retirada do trecho da MP "conserta um equívoco político" do governo, pois os parlamentares não só aprovaram a continuidade da desoneração no fim do ano passado, como derrubaram veto posterior do governo ao projeto.
Resistência ao projeto de lei
O recuo do governo, no entanto, não significa o fim do debate em torno do assunto. Isso porque o Executivo pretende enviar um projeto de lei, com tramitação em regime de urgência, para rever a desoneração.
A principal justificativa é a busca pelo equilíbrio das contas públicas. O governo quer arrecadar mais para zerar o déficit fiscal que, no ano passado, foi de R$ 230,5 bilhões.
A deputada Any Ortiz diz que o ajuste das contas deveria vir também por meio do corte de gastos e não apenas pela tentativa de conseguir mais receitas. Por isso, ela diz que vai se engajar contra a proposta que está por vir.
"O governo quer colocar a responsabilidade do seu déficit em cima das costas desses trabalhadores e dos dezessete setores, como se esse fosse o grande problema que tem na economia", critica.
Ela defende que o mecanismo seja garantido até 2027 e, se possível, ampliado para todos os setores. O mesmo pensa o senador Jonas Donizette (PSB-SP). "O ideal seria que toda a folha salarial de todos os ramos pudesse ter menos encargos. Vamos conversar agora sobre uma coisa mais definitiva, com calma, ouvindo os setores, ouvindo também os representantes dos empregados", disse.
Renato Correia, representante da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), não concorda com a retomada do debate por meio de um projeto de lei. "A reforma tributária é o fórum adequado para discutir mudanças estruturais e complexas como essa. O governo deve aproveitar este momento e dialogar sobre uma reforma consistente voltada para a tributação da renda e do emprego", diz.
Leonardo Gatto Silva, analista de economia e estatística da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), diz que é a favor da continuidade da desoneração da folha e que, em caso de revisão, haja a garantia de transição gradual e não abrupta, como a que estava prevista para o setor, um dos oito que, a partir de abril, estariam excluídos do regime.
"A Abimaq está junto à sua frente parlamentar para ver o que vai ocorrer a partir de agora. Esse projeto de lei em regime de urgência é como uma derrota para o setor, mas estamos na luta por uma transição ou para manter esses benefícios."
Entenda
No fim do ano passado, dias depois de a proposta que prorrogou a desoneração da folha até o fim de 2027 virar lei, o Ministério da Fazenda anunciou uma MP que excluía oito dos 17 setores do regime a partir de abril, e aumentava gradualmente as alíquotas de contribuição previdenciária das empresas dos outros nove setores.
O governo recebeu críticas pela medida, uma vez que, além de contrariar o recente posicionamento do Congresso sobre o tema, propôs as mudanças por meio de medida provisória, cuja validade imediata não depende de aprovação dos congressistas.
Quase três meses após a repercussão negativa e diante do aumento da pressão de deputados e senadores e do setor produtivo, o presidente Lula assinou uma MP que revoga o trecho da medida editada em dezembro.
Em vigor desde 2012, a desoneração da folha permite que as empresas de 17 setores paguem ao governo alíquota de 1% a 4,5% sobre o que faturam. É uma alternativa à tributação sobre a folha de pagamento, que é de 20% sobre o salário dos funcionários.
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