Foto: Agência Brasil
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Opinião: Relação entre comunidades quilombolas e empresas mineradoras

Apresentador do Podcast da Mineração, Jony Peterson, avalia relações dentro do setor mineral

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Com o novo boom minerário, a partir de 2015 a Anglo American buscou aprovar na instância municipal o “Projeto Serro” em Serro-MG, um empreendimento de mineração de ferro. Entretanto, devido à mobilização das comunidades quilombolas, principalmente a comunidade quilombola chamada de  “Queimadas”, e a falta de clareza do projeto, ele não foi aprovado. Em 2018, outra mineradora, a Herculano Mineração, comprou os ativos minerários da Anglo American e iniciou novo processo de licenciamento para aprovar a retomada da mineração na região.

No último dia 18/04/23 A Justiça Federal suspendeu uma audiência pública em que seria discutido o licenciamento ambiental de um projeto da Herculano Mineração no município de Serro, no Vale do Jequitinhonha. A suspensão foi um pedido da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado e recomendada pelo Ministério Público Federal. Segundo a decisão, a audiência só deverá ser realizada após efetiva participação comunitária, com a consulta às comunidades tradicionais. A comunidade quilombola Queimadas pode ser afetada pelo empreendimento, que teve autorização do município em 2021.

Essa suspensão traz à tona o debate sobre mineração em área indígenas e de Quilombolas e responsabilidade social das mineradoras e as comunidades, mas primeiramente vamos para algumas definições importantes para verificarmos essa atividade e suas consequências. 

O termo quilombo é uma categoria jurídica usada pelo Estado brasileiro, a partir da Promulgação da Constituição Federal de 1988, visando assegurar a propriedade definitiva às comunidades negras rurais dotadas de uma trajetória histórica própria e relações territoriais específicas, bem como ancestralidade negra relacionada com o período escravocrata. Nesse sentido, há outras terminologias para o termo quilombo, como Terras de Preto, Terras de Santo, Mocambo, Terra de Pobre, entre outros.

Compete ao Estado tornar acessíveis suas políticas públicas, promovendo o encontro entre o benefício e seu potencial público-alvo, por meio de informação e a acessibilidade de tais políticas. É preciso que os potenciais beneficiários saibam da existência de uma determinada ação estatal e onde podem acessá-la. Para tanto, são utilizadas estratégias como as campanhas televisivas de massa ou a “busca ativa”.

É inimaginável concebermos que uma comunidade negra rural poderia declarar-se como quilombola espontaneamente sem ter conhecimento da legislação que lhe garante direitos. Ressalta-se ainda que o fato de a política de regularização fundiária quilombola ser uma iniciativa recente, cujo decreto de regulamentação data do ano de 2003, é necessário realizar um trabalho de conscientização desse segmento de seus direitos.

Para nomear uma comunidade de quilombola, de acordo com o Artigo 2º do Decreto 4.887/2003, são considerados remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. Tal caracterização deve ser atestada mediante autodefinição da própria comunidade. 

Assim sendo, uma comunidade quilombola precisa ter a presunção da ancestralidade negra, mesmo que alguns membros incluídos ao grupo ao longo de sua história apresentem outras ancestralidades. Precisa ter um vínculo histórico próprio, apresentando características sociológicas comuns, no parentesco, na organização social, nas atividades produtivas e reprodutivas, etc.

A autoidentificação guarda sintonia com norma internacional de Direitos Humanos, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que considera a consciência como critério fundamental. Tal Convenção foi ratificada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002, e promulgada pelo Presidente da República por meio do Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, apresentando status constitucional, uma vez que foi aprovado seguindo o rito equivalente às emendas constitucionais (art. 5º, §3º da CF/1988).

Em vários julgados no Brasil, os quilombolas encontram resguardo nesse normativo, atendo-se menos à expressão “povos indígenas e tribais” e mais aos critérios elencados para caracterizar essas comunidades tradicionais. É importante que se diga que em vez de ser uma “invenção de antropólogo”, a autoatribuição identitária é um processo universalmente utilizado pela espécie humana ao longo de sua história. Segundo o Artigo 2º do Decreto 4.887/2003, são consideradas terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.

A política federal para quilombos está vinculada ao Programa Brasil Quilombola (PBQ), coordenado pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR). Esse programa foi lançado em 2004 com o objetivo de consolidar os marcos da política de Estado para as áreas quilombolas, e como desdobramento foi instituída a Agenda Social Quilombola (Decreto 6261/2007), que agrupa as ações de diversos ministérios voltadas às comunidades em quatro eixos principais, quais sejam: 1) Acesso à Terra; 2) Infraestrutura e Qualidade de Vida; 3) Inclusão Produtiva e Desenvolvimento Local; e 4) Direitos e Cidadania.

A principal queixa dos povos Quilombolas para lavra em suas áreas é a falta de informações, porém tem que se observar que para um local se tornar uma mina de verdade existem algumas etapas, que a grosso modo são:

Requerimento da área, requerimento do alvará de autorização de pesquisa, execução da pesquisa mineral, envio dos relatórios para Agência Nacional de Mineração – ANM, se aprovado a ANM emite a autorização/portaria de lavra.  Para obtenção do título minerário e realização da lavra, fase posterior ao requerimento, é necessário apresentar as licenças ambientais emitidas pelos órgãos estaduais. De forma geral, o Licenciamento Ambiental para o setor mineral é constituído por 3 etapas: Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação. Vale lembrar que de acordo com a substância minerária que será explorada, o Licenciamento Ambiental para Mineração pode exigir diferentes etapas e processos. Todos esses passos acima podem demorar vários anos e em alguns casos mais de uma década.

Algumas dessas etapas preveem reuniões com as comunidades afetadas a fim de explicar os benefícios da atividade mineira da região, bem como seus impactos e como mitigá-los. Por exemplo a Mineração Serra Verde, em 2021, criou o Centro de Relações Comunitárias em Minaçu para melhorar o diálogo e o engajamento com a comunidade local e facilitar o feedback sobre nossas atividades. Outras mineradoras ao redor do Brasil fazer a mesma atividade. Pois não apenas a comunicação, mas atividades para manter o bem-estar da comunidade, a Mineração Usiminas, por meio do Instituto Usiminas, chegou mais longe em 2022, fortalecendo seu papel de empresa socialmente responsável.

Mais de 36 mil pessoas foram beneficiadas em espaços culturais patrocinados e projetos parceiros nas cidades de Itatiaiuçu, Mateus Leme, Igarapé e Itaúna, na Região da Serra Azul. Praças, quadras, centros comunitários, entidades sociais e espaços culturais foram movimentados pelos quase 40 projetos incentivados por meio de renúncia fiscal da Mineração Usiminas ou iniciativas do Instituto Usiminas, no ano passado.

É importante frisar que ações de responsabilidade social promovem maior conexão com as comunidades, além de integrarem a agenda ESG (Environmental, Social and Governance, em português Ambiental, Social e Governança), como forma de contribuir para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) do Pacto Global da ONU.

A exploração mineral pode gerar benefícios econômicos para as comunidades quilombolas, mas é necessário equilibrar esses benefícios com a preservação dos direitos das comunidades e do meio ambiente. É importante que haja diálogo franco e transparente entre as comunidades, empresas mineradoras e autoridades governamentais para encontrar soluções que respeitem os direitos das comunidades e garantam a preservação ambiental. É fundamental que as comunidades tenham voz e participem ativamente do processo de tomada de decisão.

[OPINIÃO] Esse é um artigo de opinião que não necessariamente reflete o posicionamento do Brasil 61 ou de seus editores. O Podcast da Mineração carrega o selo B61 de podcasts. 

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