Entrevista (1): O que mudou no Brasil após 130 anos da abolição da escravatura

SalvarSalvar imagem
SalvarSalvar imagem

Joceline Gomes, especialista em gestão de políticas para gênero e raça. Foto: Arquivo Pessoal

Começa agora mais um Agência Entrevista. Meu nome é Cintia Moreira e hoje nós vamos falar sobre a abolição da escravatura no Brasil, que completa 130 anos neste domingo (13). Durante três séculos, o trabalho escravo foi a principal mão de obra do Brasil e quase 5 milhões de pessoas foram trazidas a força da África

ÁUDIO: Ouça aqui a segunda parte da entrevista

Em 1850, sob pressão de alguns países, Dom Pedro II oficializou a proibição do tráfico interatlântico de escravos, com a Lei Eusébio de Queirós. Anos depois, vários intelectuais, escravos libertos e veteranos de guerra criaram as sociedades abolicionistas. Uma figura importante deste movimento foi José do Patrocínio, filho de uma escrava alforriada e de um padre. Ele foi redator do Jornal Gazeta de Notícias, onde começou uma campanha pró-abolição. Foi ele quem fundou também a Confederação Abolucionista, que reunia todos os clubes abolucionistas do país.

Foi então que, para acalmar os ânimos, o governo brasileiro criou duas leis: a do Ventre Livre, em 1871 e a Lei do Sexagenário, em 1885, que na prática, apenas adiaram a abolição, sem grandes vantagens para os negros.

Porém, foi apenas em 13 de maio de 1888, que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea e estabeleceu o fim da escravidão. O grande problema foi que o governo imperial não garantiu direitos aos ex cativos. Sem perspectivas e vivendo na miséria, muitos negros seguiram para os grandes centros urbanos, onde ergueram os chamados bairros africanos, que é uma das origens das favelas de hoje em dia.

A liberdade tornou-se, na verdade, desemparo, e milhões de negros não tinham para onde ir. Nós estamos aqui com a especialista em gestão de políticas para gênero e raça, Joceline Gomes, que também é pós graduada em História da África. Joceline, como foi este processo após a abolição?

“Nós sabemos que estas pessoas que estavam sendo escravizadas, muitas delas não saíram sequer do local onde estavam. Para muitas delas, nada mudou, porque não tinham para onde ir, não teriam o que comer, não teriam onde trabalhar. Porque se hoje o racismo já impede que muitas pessoas, homens e mulheres negras tenham acesso ao mercado de trabalho, naquela época era muito pior. Então eu vou sair aqui da fazenda onde eu trabalho, onde muito, muito mal e porcamente tem uma casa para morar e uma comida para comer... eu vou sair daqui para onde? Então muitos deles continuaram na posição onde estavam. Só que agora, eles não eram reconhecidos sequer como escravos, eram conhecidos como cidadãos de terceira, quarta classe. Então assim, na verdade, o processo da escravidão não terminou com a abolição. Ele levou muito tempo para acabar.”

E como você vê o país, Joceline, depois destes 130 anos de abolição?

“A gente tem reflexos até hoje desta escravidão que foi abolida de uma forma mal feita. Porque o Brasil não criou nenhuma política de reparação, não acolheu estas pessoas, que saíram deste processo de escravidão e a gente tem reflexos disso até hoje. O maior número de pessoas analfabetas está entre a população negra. O maior número de pessoas desempregadas está entre a população negra. O maior número de pessoas em subempregos está entre a população negra, e isto é reflexo direto do processo, primeiro da escravização e depois do processo de abolição da escravatura, que foi um processo mal feito e feito de uma forma que não incluiu estas pessoas na sociedade.”

Você está ouvindo o Agência Entrevista especial sobre os 130 anos da escravatura no Brasil. Nós vamos para um pequeno intervalo. Voltamos já! 

 

Receba nossos conteúdos em primeira mão.