LOC.: Olá, ouvintes! Meu nome é Lívia Braz e vamos tratar agora de uma doença que parece distante, mas que pode estar mais perto do que a gente imagina: a doença de Chagas.
Ela atinge de um a três milhões de brasileiros, segundo estimativas das autoridades de saúde. E pode trazer graves consequências para a saúde de quem não tem diagnóstico e não trata da maneira correta.
Para entender como a doença de Chagas age no organismo, como é enfrentada e tratada no Brasil, e os determinantes sociais relacionados a ela, conversamos com o médico Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior, coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde.
Dr. Francisco, o que é a doença de Chagas?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“Trata-se de uma doença infecciosa, causada por um protozoário chamado Trypanosoma cruzi, presente em animais silvestres. E esse animal silvestre pode transmitir para o inseto conhecido como barbeiro — ou chupão — e ele elimina o Trypanosoma Cruzi nas suas fezes. É a partir daí que pode infectar o ser humano de várias formas”.
LOC.: Quais são as formas como a doença de Chagas se apresenta?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“Uma vez persistindo, a infecção vai desenvolver uma forma aguda, que pode ser subclínica ou manifestar sinais — como febre. Depois disso, [a infecção] entra numa forma que chamamos de ‘indeterminada’, que não consegue ser identificada — não tem sintomas clássicos. E, após algum tempo, que pode durar anos, pode desenvolver a forma crônica. E essa é uma forma que pode ser tanto cardíaca — que afeta o coração — como digestiva, podendo afetar o esôfago e o intestino. Se a pessoa tratar, tanto na fase aguda como na forma indeterminada, ela pode sim eliminar o Trypanosoma cruzi e não desenvolver essa forma crônica”.
LOC.: Como é feito o tratamento?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“O tratamento é feito por um medicamento que o SUS fornece — benznidazol —, o medicamento que vem em comprimidos e que é produzido só pelo laboratório público brasileiro, é fornecido somente no SUS. O tratamento não é demorado, leva cerca de algumas semanas (60 dias) e pode ser fornecido na própria unidade de saúde. Quando o paciente busca a unidade de saúde, já será informado sobre a localidade onde o tratamento estará disponível”.
LOC.: A pessoa que faz o tratamento de forma correta, fica curado?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“O tratamento tem maior eficácia quanto antes for feito. Na forma aguda, tem uma alta eficácia e, também, na forma indeterminada. Na forma crônica, dependendo do estágio que a doença tiver, o tratamento já não vai ter tanto efeito. Os tratamentos para a forma crônica são muito mais úteis para os sintomas. Para a forma cardíaca por exemplo, são necessários outros medicamentos para poder dar uma melhor qualidade de vida para o paciente, mas não para eliminar o protozoário”.
LOC.: Qual a incidência da doença no país atualmente?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“Hoje, temos, em média, notificados cerca de 300 a 400 casos novos agudos no país [por ano]. E imaginamos que pode haver uma subestimativa desse valor por haver alguns pacientes que não diagnosticam e, principalmente, pela forma de transmissão oral — que é ingerindo alimentos que contenham o Trypanosoma cruzi vindo do barbeiro. Ou seja, ou o barbeiro foi triturado junto com o alimento ou que tinha fezes do barbeiro naquele alimento que não foi bem higienizado. Então a contaminação acontece pela forma oral, especialmente na região Norte”.
LOC.: Há estimativa de quantas pessoas vivem com a doença na forma crônica hoje no país?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“Não temos dados exatos, mas estimativas de que nós tenhamos de um milhão a três milhões de pessoas infectadas, que vivem com a doença. E muitos não sabem, não são diagnosticados. São pessoas que foram infectadas no passado, quando a forma de transmissão principal, há quatro décadas, era pela picada do Triatoma infestans — a espécie mais frequentemente encontrada nas casas das pessoas [à época], já eliminada no Brasil”.
LOC.: Qual a relação da infecção pela doença de Chagas e as condições de pobreza?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“As condições de como o alimento é higienizado, como pode ser consumido e a dependência que as pessoas têm de determinados alimentos em algumas regiões, isso também são fatores que estão associados às condições que as pessoas vivem que favorecem a transmissão aguda. E também outras condições, como as moradias, que ainda podem favorecer o barbeiro eventualmente colonizar.”
LOC.: Como o sistema de saúde faz o rastreio da doença de Chagas no Brasil?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“O diagnóstico tem sido feito de forma passiva, as pessoas buscam o atendimento e podem ser ‘suspeitadas’ e diagnosticadas. O Brasil está com algumas iniciativas pelo Ministério da Saúde, avaliando a implementação deste rastreio ativo. O Ministério tem financiado projetos como o IntegraChagas Brasil, um projeto que tem tanto na Amazônia quanto nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, em que a gente está ‘triando’ [realizando teste de triagem] tanto mulheres em idade fértil, por conta do risco de transmissão vertical da mamãe pro bebê, quanto pessoas com histórico de contato com o barbeiro.”
LOC.: Como se dá essa transmissão vertical da Doença de Chagas?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“A gestante infectada [por Trypanosoma cruzi] pode passar tanto durante a gestação quanto no parto. Então, é importante que essa gestante seja acompanhada e a criança, ao nascer, também seja monitorada para que possa fazer testes, exames e, eventualmente, o tratamento também. Porque a criança pode ser tratada e curada, já que as chances de cura são muito altas se for tratada no início, assim que nasce”.
LOC.: Como prevenir a forma clássica de transmissão da doença de Chagas?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“A prevenção vai depender muito da forma de transmissão. A vetorial — quando o barbeiro se alimenta do sangue da pessoa —, geralmente acontece no período noturno, durante o sono. O barbeiro defeca, elimina suas fezes no local. E como o local da picada fica irritado, a pessoa coça, espalha aquelas fezes, facilitando a entrada do Trypanosoma cruzi pelo orifício deixado na picada [do barbeiro]. Para prevenir essa forma, principalmente em áreas onde há identificação do barbeiro, é evitar que ele entre na casa — usando mosquiteiro, telas na janela, vedar as frestas”.
LOC.: As formas oral e vertical de transmissão da doença também podem ser evitadas? Como?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“As outras formas, talvez a principal, seria a de transmissão oral — para os alimentos. Então, a principal forma de prevenção é higienizar bem os alimentos. Pois, em geral, isso acontece quando o barbeiro é moído junto com o fruto ou com algo [outro alimento] e a pessoa não viu. Como se trata de um inseto relativamente grande [para identificar] e que se o alimento for bem higienizado, eliminamos grande probabilidade disso [contaminação do alimento] ocorrer. Além disso, para a forma de transmissão vertical — da mamãe para o bebê —, a principal forma de prevenção é a testagem da gestante e das mulheres em idade fértil para que tratem e evitem a transmissão para o bebê”.
LOC.: Por meio do programa Brasil Saudável, o ministério da saúde e outros 13 ministérios se propõem a trabalhar para acabar com a doença de Chagas e outras doenças socialmente determinadas no país, é possível cumprir essa meta?
TEC./SONORA: coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior
“É uma meta bem desafiadora. Temos a meta de eliminar a transmissão vertical. A eliminação da Doença de Chagas de uma forma geral, da forma aguda, por exemplo, é mais desafiadora ainda porque ocorre em geral por transmissão oral, são surtos residenciais, em comunidades rurais, populações afastadas que fazem seu alimento em casa. E isso requer um esforço um pouco maior para conseguirmos atingir essas populações. Mas acreditamos que é possível”.
LOC.: Acabamos de conversar com o coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior. Ele conversou conosco sobre a doença de Chagas, um problema de saúde pública ainda presente no país.
Lembrando que a doença de Chagas tem tratamento no SUS e cura. Para isso, é fundamental que seja rastreada e tratada de forma correta. O diagnóstico pode ser feito por exame de sangue, nas unidades de Atenção Básica da rede pública.
Mais informações em www.gov.br/saude.
Reportagem, Lívia Braz