Data de publicação: 17 de Setembro de 2023, 17:00h, Atualizado em: 01 de Agosto de 2024, 19:33h
Poucos dias depois de um ciclone causar a morte de dezenas de pessoas e desabrigar milhares de moradores no Sul, o Brasil foi surpreendido por outra tragédia natural, desta vez no Mato Grosso do Sul – onde um temporal resultou na morte de uma criança de 7 anos, em uma escola. De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), na última década os desastres naturais já causaram mais de 2.000 óbitos.
Na opinião do 1º vice-presidente da CNM, Julvan Lacerda, a má distribuição dos recursos – além da burocracia e da corrupção– impede que o dinheiro arrecadado volte em forma de benefícios ao cidadão que paga impostos. Segundo o gestor, que foi prefeito por 8 anos na cidade de Moema (MG) e presidiu a Associação Mineira dos Municípios (AMM), o pacto federativo é injusto com os prefeitos e generoso demais com o governo. Lacerda afirma que "o dinheiro arrecadado pela União fica concentrado em Brasília".
Confira a entrevista
Brasil 61: Um recente estudo da CNM revelou que, nos últimos 10 anos, apenas 1,2% dos prejuízos causados por tragédias naturais contaram com o auxílio do governo federal. Por que isso acontece?
Julvan Lacerda: Isso acontece por causa da injustiça federativa que existe no Brasil já há muito tempo – que não é uma questão de governo – é uma questão do sistema federativo, que foi desenhado de uma forma que o que deveria ser uma relação de parceria entre a União, estados e municípios é, na verdade, uma relação de montaria, onde a maioria do recurso, do poder de fogo que tem, está na mão da União Federal. E a responsabilidade imediata com o cidadão está na mão dos municípios.
Brasil 61: Na semana passada, mais uma vez, o Brasil viu os moradores de cidades atingidas por desastres naturais dependendo de correntes de solidariedade desenvolvidas por brasileiros que moram em outras cidades, porque os governos locais não dão conta de amenizar os problemas. Ao mesmo tempo, mais da metade das prefeituras estão endividadas, segundo a CNM. Há alguma luz no fim do túnel?
JL: Então, esse é mais um exemplo de que o nosso pacto federativo é injusto. Ele concentra, no governo federal, o poder e concentra, sobre o governo municipal, o dever. Então, nós [os prefeitos] não temos o recurso na cidade, mas temos o dever de socorrer – porque somos quem está mais próximo do povo.
Brasil 61: Mas a má distribuição dos recursos não é um problema novo no país...
JL: E a maioria desse dinheiro se perde nos ralos da burocracia e da corrupção – e não volta para o cidadão. O prefeito decreta o estado de calamidade lá na cidade, que é onde aconteceu a tragédia, mas até o efeito daquele decreto chegar no cidadão, surtir efeito na vida do cidadão, é muito tempo. Muitas das vezes, o efeito da tragédia já até passou, porque o prefeito decreta o estado de calamidade, mas ele tem que provar mil coisas burocraticamente para o dinheiro sair aqui do governo federal e chegar lá.
Brasil 61: A greve realizada por milhares de prefeitos, com objetivo de alertar o governo sobre as dificuldades dos municípios mais pobres do Brasil, ainda não surtiu efeito. Quais são as consequências disso?
JL: É, mais uma vez quem paga é o povo, porque o povo já paga a mais alta carga tributária do planeta no Brasil e não tem o retorno do serviço público à altura. Porque esse dinheiro fica concentrado em Brasília e, para acessar esse recurso, existe uma burocracia muito grande.
Brasil 61: Para concluir, ainda sobre a demora no repasse dos recursos para as prefeituras atenderem as cidades atingidas por desastres naturais: qual é a solução, no curto prazo?
JL: Então, o governo federal precisa desburocratizar, dar valor à palavra do gestor público local e depois, se houver algum erro, ele tomar providência para punir se [o prefeito] não fizer as coisas de acordo com o que tem de ser feito.