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Conhecido por suas dimensões continentais, o Brasil tem que lidar com mais um desafio em meio à pandemia da Covid-19: a acessibilidade de boa parte da população aos serviços de saúde. Isso porque, mais de 7,8 milhões de brasileiros estão a pelo menos quatro horas de distância de um município que ofereça atendimento de alta complexidade.
Esse nível de estrutura com Unidade de Terapia Intensiva (UTI), equipamentos e profissionais de saúde especializados são fundamentais para o tratamento de pacientes com doenças respiratórias graves, como a que é causada pelo novo coronavírus, além de outras enfermidades severas. Os dados fazem parte de uma Nota Técnica intitulada “Regiões e Redes Covid-19: Acesso aos serviços de saúde e fluxo de deslocamento de pacientes em busca de internação”, divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Com base no último levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre as Regiões de Influências das Cidades (Regic) 2018, os pesquisadores da Fiocruz identificaram 316 municípios brasileiros que prestam atendimento de alta complexidade. Essas cidades são referências para os municípios menores. Ao que parece a quantidade não é suficiente para atender à população das regiões mais remotas, que acaba levando muito tempo para se deslocar em direção aos hospitais com mais estrutura.
Carla Pintas, especialista em Gestão das Políticas Públicas e Gestão dos Serviços de Saúde, explica que a dificuldade de acesso se potencializa durante a pandemia da Covid-19, pois uma parte das pessoas acaba, inevitavelmente, precisando de atendimento de alta complexidade.
“A concentração de leitos de UTI se dá, basicamente, nos grandes centros, porque associado as unidades nós vamos precisar de outras modalidades, que muitas vezes não existem nas cidades pequenas. O impacto disso é importante na pandemia, porque o acesso da população começa a ficar limitado. O transporte pode demorar e isso pode pôr a vida do usuário em risco”, alerta.
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Paulo Vinícius Aguiar, 22 anos, é um desses brasileiros que sofrem com a dificuldade de acesso ao atendimento de maior complexidade. Ele mora em uma Zona Rural que fica a 30 minutos do município de Campestre, no interior do Maranhão. Ao sul do município está a cidade de Porto Franco.
Foi para lá que o jovem foi transferido após sofrer um acidente de moto. Porém, o atendimento não foi suficiente. “Tive que fazer uma cirurgia e fui encaminhado direto para Porto Franco. De lá fui transferido para Imperatriz, onde foi feita a cirurgia. Foi uma situação muito difícil, porque eu quase morri, mas graças a Deus estou vivo e com saúde”, conta.
Paulo afirma que há problemas de saúde que somente o município de Imperatriz — segunda maior cidade do Maranhão — é capaz de atender. “Qualquer coisa mais grave, é direto para Imperatriz”, diz. Embora sejam pouco mais de 100 km de distância, ele diz que o deslocamento entre a sua casa e um serviço de alta complexidade leva quase quatro horas, fator que o deixa apreensivo. “Preocupa muito, porque dependendo da gravidade, a gente demora para chegar. Se for uma coisa urgente, às vezes chega a ocorrer o que ninguém quer, o falecimento, porque é muito longe. É difícil”, relata.
O estudo da Fiocruz aponta que a situação é pior em quatro estados: Pará, Amazonas, Mato Grosso e Acre. Nessas unidades da federação, mais de 20% da população mora em áreas que ficam a mais de quatro horas de uma cidade com serviço de atendimento de alta complexidade. No Pará, isso equivale a mais de 2,3 milhões de pessoas. No Amazonas, são 1,3 milhão e em Mato Grosso, quase 900 mil.
De uma forma geral, as regiões da Amazônia, norte do Mato Grosso, interior do nordeste, norte de Minas Gerais, sul do Piauí e Maranhão apresentam os percentuais mais elevados de população que leva quatro horas ou mais para se deslocar até um município polo de atendimento.
Em contraste, estão as regiões Sudeste e Sul, o litoral nordestino, Goiás e Distrito Federal, em que 100% dos habitantes estão livres de passar por esse problema. Uma das explicações estaria na própria geografia, já que esses locais são menores territorialmente na comparação com estados muito grandes, como o próprio Amazonas e o Pará, por exemplo.
Carla Pintas afirma que uma das causas das limitações dos municípios menores é a falta de recursos que seriam necessários para manter uma estrutura de alta complexidade. “O desenho do SUS hoje é o mais adequado. O que precisa ser feito é manter uma regulação, ou seja, a capacidade de articulação entre os municípios de uma região em saber onde há leito de UTI e a capacidade instalada para atender a essa demanda em vária situações”, afirma.
Os pesquisadores destacam que o processo de descentralização do SUS dá autonomia aos municípios, o que é “relevante” principalmente nas definições de políticas voltadas para a atenção básica. No entanto, apontam que é necessário que as autoridades em saúde pensem em regionalizações para definição de áreas capazes de prestar serviços mais especializados de saúde.
“É evidente que nem todos os municípios do país devem ter um centro de tratamento intensivo, mas é necessário definir serviços de referência e contra-referência no atendimento à saúde, evitando vazios de atendimento, bem como deslocamentos longos, que podem afetar o estado de saúde do indivíduo”, diz a nota.
Carla Pintas reforça que os municípios devem se articular junto à administração estadual para desenhar melhor o mapa dos locais que vão servir como polos de alta complexidade, levando em conta a distância como um fator importante na discussão. “Toda vez que a gente tem um usuário precisando de um serviço especializado, quanto mais rapidamente a gente tiver a capacidade de transportá-lo para outro lugar, a gente tem a diferença entre a vida e a morte”, destaca.
A dificuldade de acesso não é o único problema gerado pelas longas distâncias entre municípios menores e centros que atendem a casos de alta complexidade. No caso das cidades com mais estrutura, acaba ocorrendo uma sobrecarga do sistema de saúde, que recebe, inclusive, pacientes que “pertenceriam”, em tese, a outros polos.
A própria Nota Técnica da Fiocruz avaliou à época o fluxo de internações por Covid-19 e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). O que se observou foi que em 175 municípios mais de 50% dos internados vinha de outras localidades. No entanto, os pesquisadores relatam que muitos desses municípios estariam atendendo residentes de locais cujos polos seriam outros.
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