Data de publicação: 30 de Julho de 2021, 13:19h, Atualizado em: 01 de Agosto de 2024, 19:34h
As transferências voluntárias da União para estados e municípios sempre causaram controvérsias. Seja por um certo tipo de controle do governo federal sobre os entes subnacionais, dependentes dos repasses para obras de maior porte; seja pela concentração dos resultados dos impostos, arrecadados nos estados e municípios, na mão do governo central.
Sempre no centro de alguma agitação governamental, os procedimentos para o recebimento desses recursos eram ligados a cada novo escândalo que a mídia dava vazão.
Essa situação foi atenuada após as emendas impositivas, no texto constitucional, liberarem os recursos mesmo que os entes recebedores constassem do cadastro de inadimplentes (Cadin) com o governo federal. Mas ainda assim havia a hercúlea missão da documentação exigida pelo cadastro de convenentes (Cauc).
A dificuldade nesse recebimento fez florescer uma daquelas ideias meio “sem-pé-nem-cabeça”: a possibilidade de destinar emendas parlamentares ao FPM e ao FPE. Esse foi o mote da proposta de emenda constitucional 61 de 2015, de autoria da então senadora Gleisi Hoffmann. A PEC se transformou na Emenda Constitucional n.º 105, de 2019, que criou a figura da transferência especial para estados e municípios, por meio de emendas individuais impositivas.
Apelidada de 'emenda PIX', a transferência especial consiste na transferência direta de recursos financeiros sem a necessidade de convênio, termo de cooperação ou fomento. Os recursos são depositados diretamente na conta da prefeitura ou do estado, sem nem a necessidade de uma conta específica.
Quando afirmo, no título, que poderia ser pior é porque poderia mesmo.
Durante a tramitação da PEC, chegou a existir um dispositivo que proibia a fiscalização desses recursos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Foi uma grande batalha para eximir essa pretensão. As limitações para a aplicação dos recursos também oscilaram e chegou-se ao consenso de que deveriam ser aplicados preferencialmente em despesas de investimentos (pavimentação, sistema de água e esgotamento sanitário, etc), no mínimo 70% para essa finalidade, e no máximo 30% poderiam ser usados para despesas de custeio (materiais de consumo, reformas, etc). Ficou proibido a utilização para o pagamento de pessoal ou da dívida pública, assim como não poderiam contar para a ampliação dos limites de endividamento do ente recebedor.
Em seu primeiro exercício de existência, as emendas deste tipo ficaram abaixo de 20% do total, sendo que, no último, já ultrapassaram 50% dos recursos que os parlamentares podem aplicar livremente através de emendas individuais (metade delas tem que obrigatoriamente ser destinada à saúde).
Recentemente, um levantamento constatou o privilégio dado por parlamentares à administrações (municipais ou estaduais) governadas por familiares. Isso certamente está ligado ao fato de que como os recursos não estão vinculados a um convênio não há como o parlamentar cobrar a aplicação dos recursos desta ou daquela forma, geralmente privilegiando suas bases eleitorais.
O próximo passo na evolução das transferências especiais é a autorização para que emendas de bancadas estaduais também possam utilizar este tipo de emenda. Isso poderá incluir mais de R$ 8 bilhões transferidos a estados e municípios neste formato. Esse movimento já foi ensaiado na última LDO e vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, o que contraria a constituição, pois a EMC 105 é taxativa quando fala em emendas individuais, e também a própria norma do processo legislativo orçamentário, que exige que as emendas de bancadas estaduais identifiquem a obra ou o ente que receberá o recurso da emenda.
Em outubro, haverá outra rodada de apresentação de emendas, desta vez destinadas ao orçamento de 2022.
Vamos acompanhar o progresso deste assunto.