Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Nova Política Nacional de Ordenamento Territorial quer prevenir conflitos no uso do território

Em entrevista, diretor do MIDR explica proposta inédita de ordenamento territorial que chega à consulta pública

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Em agosto, o Governo Federal colocará em consulta pública o decreto que cria a Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT), iniciativa inédita no Brasil. A proposta busca organizar a ocupação e o uso do território nacional, prevenindo conflitos sociais, ambientais e econômicos. Para explicar como essa política pode impactar a vida da população, o diretor de Políticas de Desenvolvimento Regional e Territorial do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), João Mendes, falou à nossa reportagem.

Qual a necessidade de criar uma política de ordenamento territorial?

João Mendes – A Constituição Federal determina que a União faça a política de ordenamento territorial do Brasil. Somos um país grande e muito diverso do ponto de vista social, ambiental, econômico e cultural. Diferentes formas de ocupação do território geram conflitos. Além disso, diversas políticas públicas – como infraestrutura, desenvolvimento urbano, meio ambiente e ações voltadas a povos e comunidades tradicionais – atuam no território, mas muitas vezes sem dialogar entre si.

Na prática, como a falta de ordenamento afeta a população?

João Mendes – O exemplo clássico é o da Usina de Belo Monte, no Pará. Antes mesmo da obra começar, já havia conflitos com povos e comunidades tradicionais, como vimos nas audiências públicas tensas. Durante a implantação e até hoje, os impactos continuam: famílias foram reassentadas em locais que não reproduzem sua vida anterior. Não é só trocar uma casa por outra. O território envolve vizinhança, infraestrutura, relações de afeto e identidade. Quando isso é rompido, o custo social é enorme.

O território vai além de um pedaço de terra?

João Mendes – Com certeza. O território não é apenas o solo, mas o conjunto de relações que as pessoas estabelecem nele. Quem é deslocado perde muito mais que uma moradia: perde sua história, seu modo de vida, sua rede de apoio. Sem planejamento, grandes obras de infraestrutura – que também são necessárias – acabam gerando conflitos e custos sociais que poderiam ser evitados.

Grandes obras são inevitáveis. Como compatibilizar o desenvolvimento com a vida no território?

João Mendes – Nós não somos contra grandes obras. Pelo contrário: elas fazem parte do processo de desenvolvimento do país. Precisamos de energia, transporte e logística. Mas toda obra de grande porte tem impactos. É o caso da transposição do São Francisco, das ferrovias e rodovias, que percorrem centenas ou milhares de quilômetros, atravessando realidades sociais, ambientais e econômicas muito diferentes. O território já existe antes da obra chegar. Por isso, precisamos de estratégias que conciliem o crescimento econômico com a vida que já está ali, evitando conflitos e custos sociais desnecessários.

A nova política vai interferir em outras políticas públicas já existentes?

João Mendes – Não é essa a ideia. A PNOT não vem para mandar nas outras políticas, mas para servir como referência e oferecer instrumentos inovadores que ajudem a minimizar conflitos. Muitas vezes, os agentes privados que chegam ao território – como grandes produtores rurais, mineradoras ou empreendimentos de infraestrutura – são incentivados por políticas públicas. O que a PNOT propõe é garantir que essas diferentes presenças conversem entre si e com as comunidades locais. O Brasil é muito bem-sucedido na agricultura em larga escala, mas também temos pequenos agricultores e comunidades tradicionais que precisam ser respeitados. Ordenamento territorial é sobre equilibrar essas forças.

Na prática, como a PNOT vai funcionar em um território tão grande e complexo?
João Mendes – Um dos pilares da política é o monitoramento do território. Hoje, muitas vezes, só nos damos conta de um problema quando o desastre já aconteceu, como vimos em afundamentos de bairros ou rompimentos de barragens. A PNOT prevê um sistema permanente para acompanhar grandes atividades econômicas – como mineração e pedreiras – e suas repercussões sociais, ambientais e urbanas. Temos no Brasil especialistas em geologia, recursos hídricos e gestão territorial que podem ajudar. Queremos transformar esse conhecimento em evidência incorporada à política pública, para prevenir riscos e orientar o desenvolvimento.

Como o PNOT será utilziado pelo gestor municipal ou estadual?

João Mendes – A PNOT deve ser uma norma de referência, tanto para o Governo Federal quanto para estados e municípios. Ela propõe novas formas de ação sobre o território, como a avaliação de impactos territoriais de grandes projetos. Mesmo que a obra seja federal ou de uma grande empresa, é fundamental antecipar riscos e formalizar instrumentos de cooperação para evitar problemas futuros. Além disso, os instrumentos da PNOT poderão ser usados pelos entes federados como boas práticas de gestão territorial, ajudando prefeitos e governadores a tomarem decisões mais seguras e planejadas.

Que instrumentos vão compor essa política?

João Mendes – A PNOT terá oito instrumentos principais:

  1. Avaliação de Impacto Territorial Participativo
  2. Diagnóstico Territorial Integrado Nacional
  3. Diretrizes Territoriais Nacionais
  4. Pactos e Agendas Territoriais Temáticas
  5. Instrumentos de Coordenação e Compatibilização Territorial
  6. Protocolos de Cooperação
  7. Sistema Nacional de Informação Territorial, com indicadores, painéis e dados abertos
  8. Relatório de Situação Territorial, produzido por uma instância técnica federal e com participação da sociedade por meio de um observatório

Além disso, teremos uma rede de aprendizagem para capacitar gestores públicos, em parceria com escolas de governo como a Enap, para disseminar o tema do ordenamento territorial no país inteiro.

O que é a PNOT

A Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT) é uma iniciativa inédita do Governo Federal para organizar o uso do território brasileiro, prevenindo conflitos sociais, ambientais e econômicos. Ela atua como política de referência, articulando outras políticas públicas e propondo instrumentos de monitoramento, diagnóstico e participação social.

Em agosto, o decreto que institui a PNOT será colocado em consulta pública, permitindo que gestores, especialistas e cidadãos contribuam para a construção dessa política que busca conciliar desenvolvimento econômico e qualidade de vida.

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