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Um carregamento de 26 toneladas de pimenta-do-reino processada e colhida por produtores rurais da Cooperativa dos Produtores Agropecuários da Bacia do Cricaré (Coopbac), no Espírito Santo, deve chegar aos portos de Israel ainda em fevereiro. A venda do produto para o estado judeu é estratégica e representa mais uma conquista para a agricultura familiar da região norte capixaba.
“Israel trabalha muito próximo da autoridade palestina, e os árabes são muito consumidores de pimenta. Então, a função de Israel, de ser um país importador e fazer a distribuição para aquela região é fantástica. A gente vê como uma grande oportunidade”, comemora o presidente da cooperativa, Erasmo Negris.
O esforço coletivo e direcionado pela entidade, que até 2014 enfrentava dificuldades financeiras, fez com que passassem de armazenadores da safra de associados à principal cooperativa exportadora do condimento do país no ano passado, com 1,6 mil toneladas enviadas ao exterior.O primeiro carregamento para Israel faz parte de uma rodada de negociações realizada em novembro passado com apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras.
Atualmente, a pimenta-do-reino é responsável por 80% do faturamento da cooperativa e praticamente 100% da produção é exportada para 23 países, com foco na região do Oriente Médio e norte da África. De acordo com Negris, Israel tem as mesmas características de outras nações para as quais a cooperativa exporta e por onde escoam a produção para a região ao redor.
“Alguns países funcionam como entrepostos e, a partir dalí, revendem para outros países. A Turquia tem esse perfil, Marrocos também funciona como uma grande trade, a Alemanha também funciona como um grande comprador e exportador para o leste europeu”, explica.
Além dos países mencionados, a cooperativa vende, por exemplo, para Holanda, Senegal, Emirados Árabes Unidos, Egito, Argélia e Vietnam – este último um dos principais destinos da pimenta-do-reino brasileira (veja quadro abaixo).
Direcionamento estratégico
Além da tradição capixaba no cultivo desta espécie de pimenta, o direcionamento estratégico iniciado em 2014 e implementado a partir de 2015 permitiu aos agricultores locais multiplicar a renda e vislumbrar novas perspectivas de vida. Um dos agentes que impulsionaram a guinada na produção dos associados foi a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
Até aquele ano, “a cooperativa estava com dificuldades financeiras. Pouca receita e a gente não estava conseguindo se organizar muito bem no mercado. Nós convocamos o superintendente da OCB [em São Mateus] que de pronto atendeu. Fizemos uma reunião com os conselhos, de administração e fiscal, e traçamos um novo rumo para a cooperativa. A OCB patrocinou um planejamento estratégico – até então a cooperativa não tinha planejamento estratégico estruturado. A gente trabalhava muito no voluntariado. Dentro das nossas percepções, a gente não tinha um cerne para poder seguir”, detalha o presidente.
Segundo Negris, foi a partir desse plano apoiado pela entidade nacional que a cooperativa pode direcionar os esforços para alavancar a produção. E deu certo. “Em 2015, começamos a estruturação do departamento de exportação e, em 2016, começamos a exportar. Em 2019, a Coopbac exportou o maior volume de pimentas por cooperativas brasileiros. Hoje, são somente duas cooperativas que exportam essa especiaria, sendo que a Coopbac, em 2019, conseguiu exportar 1,6 mil toneladas”.
O modelo de negócios do cooperativismo segue alguns princípios. Além da associação livre e da gestão democrática – cada cooperado tem direito a um voto, não importando a cota que tem da empresa –, um dos fundamentos é a intercooperação e o ensino e aprendizagem permanentes.
Por isso, um dos pontos de virada no foco e na cultura da produção da Coopbac foi a visita à mais antiga cooperativa – e até então, única – a exportar pimenta-do-reino no país, a CAMTA (Cooperativa Mista de Tomé-Açú), no Pará. Patrocinada pela OCB e pelo Sebrae, a visita permitiu que os agricultores capixabas pudessem entender melhor na prática quais eram as particularidades da cultura da pimenta-do-reino, ou pimenta preta, como também é conhecida e vendida.
A força do cooperativismo na agricultura brasileira é grande: de acordo com a OCB, as 1.613 cooperativas agrícolas do país contribuem com 12% de todo o PIB agropecuário brasileiro.
Sustentabilidade social e econômica
Além dos resultados econômicos, as relações que se formam no processo produtivo são fundamentais para o bem-estar social da comunidade. O produtor rural associado à Coopbac Francisco Dantas planta pimenta-do-reino desde a década de 1990, na região de São Mateus – município responsável pela metade da produção do estado. “É uma cultura que tem um alcance social muito grande. Emprega principalmente mulheres, que têm muito mais habilidade e produtividade. Além disso, é uma cultura que precisa de pouco espaço para produzir – pequenas propriedades podem ter uma produção sustentável. Além de ocupar as famílias e principalmente as mulheres no campo. É uma cultura muito interessante do ponto de vista econômico, social e ambiental também, porque é uma cultura que também demanda pouquíssimo uso de defensivos agrícolas”, explica Dantas.
A produtora rural e cooperada Maria Aparecida Chequim Correia trabalha com pimenta-do-reino há três anos. Ela comemora a nova frente de exportação aberta em Israel, mas alerta para a volatilidade do preço do produto, que sofre variações no mercado internacional. “Há três anos, [a pimenta] chegou a um valor de R$ 30 o quilo. Hoje, está em um valor entre R$ 5,80 e R$ 6,30”, exemplifica. (Veja as variações de preço na safra no quadro ao lado)
Ela também destaca a preferência da mão-de-obra feminina na época da colheita. “Acredito que na lavoura de pimenta se emprega muitas mulheres porque não é um serviço de tanto peso. Por exemplo, tinha uma catadora de pimenta agora que trabalha em um serviço de ônibus escolar. E, nas férias, ela vai catar pimenta. É um serviço cansativo, mas não é um serviço tão pesado. Muitas vezes, as mulheres são mais cuidadosas, têm muito cuidado em não quebrar a planta, não tirar a folha. Por isso, que se emprega tantas mulheres. Mas vai casal, vai homem, vai mulher. Tem um amigo meu que só contrata mulher”, relata.
Maria Aparecida ressalta a vantagem sazonal que a colheita da pimenta-do-reino tem para a população, movimentando a economia daquele território. “Tive um casal para quem pagava R$ 0,40 a colheita por quilo. Eles tiravam R$ 800 [do período de uma semana], sendo que essas pessoas têm um trabalho fixo. Tem pessoas que tiram R$ 500 a R$ 600 em uma semana. Isso gera para todas essas famílias uma renda muito boa extra”.
A cultura da pimenta-do-reino no estado – que é muito forte no norte capixaba e no Sul da Bahia, onde também há cooperados da Coopbac – se traduz nos números: a produção de pimenta-do-reino envolve mais de 11 mil famílias capixabas. Para o presidente da entidade, Erasmo Negris, o diferencial capixaba para essa cultura está na diversidade climática e do solo. “O ES, dada a sua variedade climática, a gente consegue fazer várias safrinhas. A gente diz que a pimenteira é uma vaca leiteira. Todo mês você está tirando alguma coisa dela. No estado, a gente consegue ter pimenta para comercialização praticamente o ano todo”.
Produto em expansão no Brasil
De moeda de troca utilizada por povos antigos a especiaria que impulsionou as grandes navegações, a pimenta-do-reino chega ao fim dos anos 2010 a um novo patamar da produção nacional. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil exporta 69% de sua produção de pimenta-do-reino. Em 2018, atingimos o maior volume de produção (101,3 mil toneladas) e exportação (72,6 mil toneladas) desde o início das séries históricas (1974 para produção, 1997 para exportação).
As safras do Espírito Santo são responsáveis por mais da metade da produção nacional. De acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) do IBGE, em 2018 o estado produziu mais de 61 mil toneladas. A Coopbac acompanhou o crescimento local e nacional: fez a primeira venda internacional em 2016, um ano após implementar o planejamento e começar a plantar já com foco na exportação e, no ano passado, exportou mais de cinco vezes o volume do primeiro ano.
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