Câmara deixa na gaveta projeto que freia aquecimento global

Na avaliação de parlamentares, a pandemia paralisou votações ambientais e deixou planejamentos futuros em segundo plano para conter emergências de saúde. Neste contexto, PDL que combate aquecimento global fica na gaveta e Brasil se atrasa

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Arquivo/Agência Brasil

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A pandemia da Covid-19 direcionou esforços políticos para temas de saúde emergenciais desde 2020, mas planejamentos de contenção de riscos futuros, em diferentes áreas, acabaram ficando paralisados no Congresso Nacional. É o caso do Projeto de Decreto Legislativo da Emenda de Kigali, que faz parte de um acordo internacional para combate ao aquecimento global, já aprovado em cerca de 100 países, como Japão, Canadá e Reino Unido, mas ainda sem avanço no Brasil.
 
O texto está parado na Câmara dos Deputados, mesmo classificado no regime de tramitação de urgência. A emenda traz um cronograma de redução gradual no consumo de hidrofluorcarbonetos, que contribuem para o aquecimento atmosférico e são utilizados em equipamentos como geladeira, ar-condicionado, aerossóis e solventes, por exemplo.
 
Além do aspecto ambiental, a medida de diminuição desses produtos também geraria acesso a US$ 100 milhões do Fundo Multilateral e poderia reduzir tarifas de energia do consumidor brasileiro. A emenda leva o nome da capital de Ruanda, Kigali, pois foi aprovada em 2016 durante reunião realizada na região. 
 
Ela faz parte do tratado internacional chamado Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, que entrou em vigor em 1989 e atualmente apresenta adoção universal, com 197 Estados Partes. 
 
De acordo com o Observatório do Clima, o hidrofluorcarboneto passou a ser adotado com mais intensidade pelo setor industrial a partir dos anos 1990, em substituição aos clorofluorcarbonetos (CFCs), que estavam sendo banidos pelo Protocolo de Montreal devido ao impacto na camada de ozônio.  
 
“O HFC não afeta essa camada, mas tem um impacto ainda maior sobre o efeito estufa, com um potencial de aquecimento global que pode ser de 120 a 12.000 vezes superior ao do dióxido de carbono. O HFC pode ficar na atmosfera por até 400 anos”, explica a coalizão. 

Urgência 

Neste ano, o PDL da Emenda de Kigali chegou a ser solicitado duas vezes para inclusão na pauta de votações da Câmara, nos dias 20 e 26 de abril, pelos deputados Ted Conti (PSB/ES) e Alessandro Molon (PSB/RJ), respectivamente, mas ainda segue sem atualizações. 
 
A Frente Parlamentar Ambientalista também solicitou a votação do projeto em 22 de abril, em documento entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), no dia da Cúpula do Clima. O deputado federal Camilo Capiberibe (PSB/AP) deu parecer favorável ao tema quando foi relator da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), em 2019, e critica o engavetamento do texto.
 
“É muito importante que ele seja votado, aprovado e executado. A razão de estar parado é, na verdade, falta de prioridade. E tem um outro elemento que foi a questão da pandemia. Esse projeto poderia ter sido votado em 2020, mas, em 2020, o Congresso Nacional, salvo algumas exceções, ficou muito voltado para votação de projetos de lei para o enfrentamento da pandemia”, avalia.
 
Camilo levanta que o Acordo de Montreal tem sido “extremamente bem-sucedido” na recuperação da camada de ozônio pela gradual eliminação da utilização do clorofluorcarbono (CFC), mas que a substituição desse produto pelo hidrofluorcarbonos, que não parecia um problema porque eles não afetam a camada de ozônio, se mostrou preocupante porque os hidrofluorcarbonos têm um impacto grande no aquecimento global. 
 
“Então, é importante, sim, que a gente possa aprovar no plenário e que ele possa ser, então, adotado, o mais rápido possível. Com a aprovação da Emenda de Kigali nas comissões na Câmara, nós estamos muito próximos de celebrar este acordo, avançar na eliminação dos hidrofluorcarbonos e também dar um passo adiante no combate ao aquecimento global”, enfatiza. 

Economia

Em campanha a favor do texto, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) pontou cinco benefícios principais da Emenda de Kigali para o Brasil, caso aprovada. São eles a modernização da indústria brasileira, a ampliação de recursos para a transformação da indústria, os benefícios para o setor elétrico, a contribuição para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o menor custo para o consumidor.
 
“Os consumidores brasileiros teriam acesso a produtos que consomem menos eletricidade, com impactos positivos nas contas de luz. Segundo o Lawrence Berkeley National Laboratory, somados os ganhos de todos os consumidores brasileiros, poderíamos chegar a uma economia nacional de cerca de R$ 28 bilhões em 2035, recurso esse que a sociedade brasileira poderia investir em demandas mais urgentes”, aponta o Idec.

Defesa ao meio ambiente 

Alessandro Azzoni, advogado e especialista em Direito Ambiental, explica que a Emenda de Kigali ratifica o protocolo de Montreal sobre essas substâncias, lembrando que ela já vem sendo substituída em quase todos os sprays, como produtos de desodorante ou para o cabelo, por exemplo.
 
“A importância de transformar isso em texto constitucional é justamente você não ter mais a soltura desses gases na atmosfera, que são nocivos à camada de ozônio, que abrem os buracos na camada de ozônio e provocam os efeitos devastadores na natureza e também no ser humano, pela exposição de raios ultravioletas de forma mais intensiva”, detalha o especialista.
 
O advogado também cita que o processo de uma emenda constitucional é mais lento. “A retificação de acordos internacionais tem que primeiro passar por um controle constitucional, pela CCJ, para verificar se esse acordo internacional não fere a constituição e se a Constituição acolhe esse acordo.” Para Alessandro, é preciso um esforço parlamentar para que o tema seja colocado em pauta.