Data de publicação: 14 de Novembro de 2023, 04:45h, Atualizado em: 01 de Agosto de 2024, 19:33h
O câncer de próstata é o 2º tipo de câncer mais comum entre homens, atrás apenas dos tumores de pele não-melanoma. No entanto, 1 em cada 7 indíviduos do sexo masculino no Brasil ainda teme o exame de toque — o mais indicado para avaliar a saúde da próstata. O preconceito é a principal barreira para a adesão às políticas públicas de saúde do homem
Os números divulgados são de um levantamento acerca da percepção masculina sobre saúde, conduzido pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a cada 38 minutos morre um brasileiro vítima do câncer de próstata. Para o triênio 2023-2025, a entidade estima a ocorrência de 71.730 novos casos.
De acordo com o médico endocrinologista e pesquisador Flávio Cadegiani, questões estruturais, como o machismo profundamente enraizado, são um verdadeiro obstáculo em um país onde o exame clínico como o toque retal é de suma importância, inclusive por conta da dificuldade de se realizar exames de sangue e de imagem.
Cadegiani reforça que o exame deve ser repetido anualmente por homens acimas dos 40 anos. O preconceito com o toque retal atrasa o diagnóstico de próstata. Quando os sintomas começam a aparecer — mais comumente dificuldade de urinar ou presença de sangue na urina —, é sinal de que o câncer já está muito avançado.
“Quando você diagnostica com câncer de próstata por um toque retal, a chance de cura é muito maior do que quando a pessoa começa a apresentar outros sintomas ou descobre a doença devido aos de alguma metástase”, diz o pesquisador.
O jornalista Sérgio Riede foi diagnosticado com câncer de próstata em 2019. Era assintomático e realizava anualmente a coleta de sangue. Para contar sua experiência e conscientizar outros homens sobre a importância do tratamento, Riede escreveu o livro “Câncer, Eu? – Memórias Alegres de um Medo Profundo”. A obra conta desde o diagnóstico, preparativos para a cirurgia, o pós-operatório e a recuperação do jornalista.
“Se eu não fosse uma pessoa que fizesse exames regularmente, possivelmente eu teria um câncer mais problemático, que atingiria outras partes — e com um tratamento muito mais difícil”, relata.
Riede conta que sua escrita até mesmo salvou vidas. Após ler sobre sua história de recuperação, seis de seus amigos resolveram realizar o teste e descobriram o câncer de próstata em estágio inicial.
"Eu e todos eles estamos com a doença totalmente controlada, graças ao diagnóstico precoce", conta.
A família do servidor público Rubens Andrade, 45 anos, tem histórico de câncer de próstata. Ele conta que o avô e o irmão mais velho foram diagnosticados com a doença. Desde então, Rubens realiza o check-up anualmente.
“Eu acho que foi criado ao longo dos anos um mito cultural sobre isso que se o homem fizer o exame do toque, o exame com urologista, vai ferir sua integridade. Então isso feriria sua vida sexual. Na verdade, o toque salva a vida do homem — e não interfere em nada a sua masculinidade e na vida sexual dele”, afirma.
Para Paulo Milione, psicólogo clínico e neuropsicólogo, os prejuízos deste preconceito também se estendem ao campo da saúde mental.
“O homem tem um temor de falar das suas dores existenciais. Diante disso, questões emocionais tomam uma dimensão e provocam no sujeito um sofrimento psíquico muito grande, que acaba por atravessar das suas questões sexuais”, diz.
Políticas públicas
Para Flávio Cadegiani, faltam políticas públicas mais abrangentes para a detecção precoce. O médico considera crucial adotar uma abordagem mais proativa em termos de detecção precoce por meio de políticas públicas. Se pensado de forma pragmática, além dos aspectos mais subjetivos da saúde, a medida reduziria os custos na saúde pública por reduzir a necessidade de tratamentos adicionais.
“Novembro Azul deveria ser obrigatório”, finaliza. “Infelizmente, no Brasil, a saúde pública para o homem se resume apenas à câncer de próstata, sendo que o país é campeão de um dos cânceres mais raros do mundo, o de pênis”.
Ainda conforme o pesquisador, minorias como homens que fazem sexo com homens, não-cis e trans, homens não brancos e homens com obesidade são ainda menos acolhidos, investigados e tratados.
“São, portanto, inúmeros os problemas relacionados à saúde do homem causados pelo mal do machismo estrutural, que nesse caso se volta contra os próprios homens nas múltiplas negligências de saúde”, completa.