Foto: Divulgação/Brasil Mineral
Foto: Divulgação/Brasil Mineral

DESCARBONIZAÇÃO: Tecnossolos podem ajudar a mitigar emissões

Brasil possui atualmente 5,4 milhões de hectares de minas legalmente ativas

SalvarSalvar imagem
SalvarSalvar imagem

Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) divulgaram estudo mostrando que, se todas as áreas de mineração legal ativas no Brasil forem exploradas nas próximas décadas, pelo menos 2,55 gigatoneladas de gás carbônico equivalente (Gt CO2 eq.) seriam emitidos, sendo uma parte pela perda de vegetação (0,87 Gt CO2 eq.) e a outra pelas mudanças no solo (1,68 Gt CO2 eq.), o que representa cerca de 5% da emissão mundial por ano de gases de efeito estufa proveniente das atividades humanas.

A pesquisa publicada na revista científica Communications Earth & Environmental menciona que o Brasil possui atualmente 5,4 milhões de hectares de minas legalmente ativas, o que equivale a uma área um pouco menor do que a Croácia (com 5,6 milhões de hectares). Estas minas estão espalhadas por todo o Brasil, porém a maioria está concentrada em regiões subtropicais e tropicais (com os maiores estoques, estimados em 1,05 Gt CO2 eq.). Para compensar essas emissões, os pesquisadores propõem uma solução baseada na natureza (SbN), com a construção de solos a partir de resíduos das próprias minas, chamados Tecnossolos. Essa estratégia tem o potencial de sequestrar até 1 Gt de CO2 eq., o que corresponde a 60% do dióxido de carbono que poderia ser emitido pelas alterações do solo. “O primeiro passo, quando pensamos em estoque de carbono, foi analisar as emissões, já que a maioria dos trabalhos existentes avalia os impactos do processamento mineral com a queima de combustível e o gasto com eletricidade, por exemplo. Mas sabemos que a maior parte da mineração do mundo e, principalmente no Brasil, é feita em cavas, a céu aberto. E os solos são os principais ecossistemas terrestres de estoque de carbono. Quando o solo é removido, essa matéria orgânica e a vegetação mudam, eliminando o dióxido de carbono. Por isso, analisamos o potencial de emissão com a remoção do solo e da vegetação para chegar ao número de 2,55 gigatonelas de CO2 equivalente", diz o doutorando e primeiro autor da pesquisa, Francisco Ruiz, da Esalq-USP.

Para o professor Tiago OsorioFerreira, do Departamento de Ciência do Solo da Esalq-USP, autor correspondente do artigo e orientador de Ruiz, um dos principais pontos do estudo foi mostrar que os solos construídos à base de rejeitos podem ser uma alternativa para a descarbonização. “Esse trabalho específico mostra um potencial que ajuda a destinar rejeitos e resíduos de forma nova para construir um recurso fundamental, ou seja, o solo que sequestra carbono de forma estável. A pesquisa serve de alerta para outros países, principalmente grandes mineradores, como China e Estados Unidos, de que há alternativas nessa corrida urgente contra as mudanças climáticas”, diz o professor, que também é coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Geoquímica de Solos (GEPGeoq) da Esalq. O solo é um dos quatro grandes reservatórios de carbono do planeta, juntamente com atmosfera, oceanos e plantas, porém, em estado de degradação, pode liberar CO2, como acontece com a vegetação.

Segundo levantamento do MapBiomas, o Brasil tinha 37 gigatoneladas de carbono orgânico do solo (COS) existentes em 2021, dos quais quase dois terços (63%) estão estocados em área sob cobertura nativa estável (23,4 Gt COS), principalmente na Amazônia. Apenas 3,7 Gt COS estão estocados em solos de regiões convertidas para uso antrópico desde 1985. Já os solos artificiais podem ser criados a partir de materiais derivados de atividades humanas, incluindo resíduos industriais, urbanos e de mineração. Além da regulação do clima, os Tecnossolos podem restaurar serviços ecossistêmicos essenciais, perdidos com as atividades de mineração, por exemplo, que vão desde a produção de alimentos e energia até a proteção da biodiversidade, a regulação da qualidade da água e a ciclagem de nutrientes.

A pesquisa mostrou que, desde que se empregue as propriedades adequadas, os Tecnossolos podem atuar como substrato para o desenvolvimento de plantas – nativas ou de interesse agrícola e florestal – e sequestrar carbono por meio do acúmulo de matéria orgânica. E o Brasil é um dos dez principais produtores de minerais do mundo. A mineração é uma importante área para o desenvolvimento econômico, mas também está ligada à degradação de ecossistemas, com a poluição do solo e da água e perda da biodiversidade.

A elaboração de Tecnossolos se baseia no entendimento de processos de ocorrência natural em solo, como sua formação, intemperismo e estabilização de matéria orgânica. Para testar a hipótese de que a construção de Tecnossolos poderia ajudar a superar as emissões de CO2 da mineração de superfície, os cientistas estimaram os estoques usando dados disponíveis na literatura. Para isso, determinaram a geolocalização e as áreas de todos os locais de mineração legal no país usando a plataforma on-line SIGMINE, da Agência Nacional de Mineração (ANM). Eles descobriram que a recuperação de estoques de dióxido de carbono depende do clima, com os Tecnossolos tropicais mostrando o maior potencial. Esse desempenho pode ser atribuído ao alto aporte de carbono derivado de plantas e ao potencial de estabilização de CO2 por meio de interações mineral-orgânicas.

Os pesquisadores destacam que alguns tipos de rejeitos de mineração contêm elementos potencialmente tóxicos, como arsênico, mercúrio, cádmio, cobre e chumbo, e que, por isso, seu uso deve ser evitado ou combinado com estratégias de prevenção da poluição e mobilização de metais pesados. Nestes casos, os pesquisadores sugerem o uso de técnicas de remediação (como a fitorremediação) e a aplicação de corretivos de solo. "O que chama muito a atenção neste trabalho é a quantidade de carbono obtida nos Tecnossolos. Em alguns casos, supera o total de solos naturais. Os estudos que o Francisco [Ruiz] vem desenvolvendo mostram que é possível construir solos em pouquíssimo tempo com desempenho até melhor do que os naturais e ajudando a mitigar os efeitos das mudanças climáticas", conta Ferreira.

Além de cientistas da Esalq, o trabalho publicado agora contou com a participação de pesquisadores de instituições internacionais, como as universidades Sorbonne (França) e de Santiago de Compostela (Espanha), além da Woodwell Climate Research Centre (Estados Unidos). O trabalho está vinculado ao novo Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), da Fapesp, coordenado pelo professor Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, coautor do artigo.

Receba nossos conteúdos em primeira mão.