Carta de Palocci é duro golpe a Lula e reduz PT a gueto de fanáticos, avalia cientista político

Paulo Kramer acredita que, mesmo no melhor dos cenários, o PT está fadado a se tornar um partido pequeno, limitado a militantes radicais

 

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A carta de desfiliação ao Partido dos Trabalhadores divulgada nesta semana pelo ex-ministro Antônio Palocci pode ter sido a prévia de uma catástrofe, ao menos para o PT e seu líder máximo, o ex-presidente Lula. No documento de quatro páginas, o ex-ministro que está preso em Curitiba desde setembro de 2016, reafirma o que disse ao juiz Sério Moro, em depoimento no início de setembro. Acusa o ex-presidente Lula de ter recebido propina e questiona se o PT é um partido ou uma seita guiada por uma pretensa divindade.
 
Na carta explosiva, Palocci escreveu que Lula era “‘o cara’, nas palavras de Barack Obama, mas dissociou-se do menino retirante para navegar no terreno pantanoso do sucesso sem crítica, do tudo pode, do poder sem limites”. Segundo o ex-ministro “Um dia, Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom, sem cerimônias, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda nossa história”.

O cientista político e professor da Universidade de Brasília, Paulo Kramer afirma que a carta foi um dos mais duros golpes sofridos pelo ex-presidente Lula. Kramer lembra da relação de proximidade entre Palocci e o ex-presidente. Foi do ex-ministro, em 2002, a ideia de escrever a chamada “Carta ao Povo Brasileiro”, para amenizar a imagem de radical de Lula, que acabou sendo eleito.

“O Palocci ele de certa forma ele continuava e aprofundava a estratégia do ‘Lulinha paz e amor’, que fez com que ele (Lula) vencesse a sua primeira disputa presidencial. Como? Vestindo terno Armani, aparando a barba e dirigindo ao povo brasileiro e, sobretudo, aos banqueiros, a chamada ‘Carta ao Povo Brasileiro.”
 
 
É por conta dessa proximidade que o deputado Chico Alencar (Psol-RJ), ex-integrante do PT, avalia que a carta de Palocci tem um peso muito maior contra Lula e o PT do que outras acusações vindas de delações premiadas.

“Como ele era membro da ‘troika’ dirigente do PT, em dois governos do PT, é claro que isso pelo que ele denuncia ali, pelo que ele revela compromete também o núcleo que continua hegemônico no PT até hoje.”

Por conta disso, Chico Alencar que rompeu com o PT em 2005, época que explodiu o chamado escândalo do ‘Mensalão’, considera que sem uma autocrítica o PT será dissolvido.

“Então, eu vejo que o PT se não fizer uma profunda autocrítica e uma verdadeira revolução, ele vai ficar prisioneiro do carisma e da popularidade do Lula. Se o Lula não tiver mais na cena pública, se o PT não se preparou para uma mudança profunda ele tende pouco a pouco ir se desmanchando, se diluindo.”

O cientista político João Paulo Peixoto, também acredita que o PT deve fazer uma autocrítica. Ele avalia, entretanto, que a carta de Palocci pode ter sido motivada, entre outras coisas, por mágoa. O cientista político lembra que até 2006, antes de ser atingido pelo escândalo da "mansão do lobby", Palocci era o favorito para suceder Lula como candidato à presidência em 2010.

“Essas palavras colocadas: “o partido é uma seita, uma divindade” são palavras bonitas, mas eu acho que reflete também um bocado de magoa que eventualmente o Palocci tem do Lula e do PT, por tudo o que aconteceu. Agora, realmente vai haver um processo de revisão critica do PT, me parece um processo bastante provável.”

Paulo Kramer, no entanto, acredita que, mesmo no melhor dos cenários, o PT está fadado a se tornar um partido pequeno, limitado a militantes radicais. Ele cita como parâmetro, as eleições municipais do ano passado. Em 2012, o PT obtinha o terceiro maior número de prefeituras entre os partidos brasileiros, governando 630 cidades. Depois das últimas eleições, a legenda ocupa apenas o décimo lugar, entre todas as siglas, com 256 municípios.

“Ele (PT) perdeu todas as suas bandeiras. A primeira bandeira do PT era o socialismo, com a queda do muro de Berlim, essa bandeira foi por água abaixo. A segunda bandeira era a ética. Hoje, passados ‘Mensalão’, ‘Petrolão’ e todos esses escândalos, o grande esforço que os petistas fazem é tentar convencer a gente que eles não são piores que ninguém. A outra bandeira, da eficiência no combate a pobreza e a retomada do desenvolvimento econômico, essas bandeiras também foram por água abaixo, eles deixaram uma herança. Ninguém em sã consciência vai achar que os 14 milhões de desempregados foram produzidos pelo Temer, o Temer não teve tempo para isso. Então, o PT perdeu todas as suas bandeiras. Ele cada vez mais vai se restringir a um gueto de fanáticos.”

O cientista político afirma que atual situação do PT precisa servir de exemplo para a esquerda brasileira, já que o discurso político de seu maior partido fracassou.

 “É um partido que dificilmente aprenderá a lição que deveria aprender. Que é, que fora da social democracia não há salvação para a esquerda no mundo moderno.”

Diante de toda a situação, o PT respondeu a carta de Palocci, por meio de nota. O partido alega que a mensagem é de “um condenado que desistiu de se defender e quer fechar negócio com o MPF, oferecendo mentiras em troca de benefícios penais e financeiros”. De acordo com o PT, “Palocci decidiu “queimar seus navios”, romper com sua própria história e renegar as causas que defendeu no passado”.

Reportagem, João Paulo Machado

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