EDUCAÇÃO: Lei de inclusão pode levar escolas privadas à falência, afirma especialista

Lei que obriga escolas particulares a matricular todas as crianças com necessidades especiais pode elevar mensalidades e várias instituições podem ir à falência, alerta especialista em Direito Educacional

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REPÓRTER: Cerca de 45 milhões de pessoas têm algum tipo de necessidade especial, no Brasil. O número publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, em 2010, representa quase 24 por cento da população do país. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, que está valendo desde julho deste ano, garante a todos os portadores de necessidades especiais, independentemente do grau de capacidade, o direito de estudar em salas de aula comuns nas escolas públicas e particulares. É a chamada Lei da Inclusão Plena. A medida obriga os estabelecimentos de ensino particulares a matricular todas as crianças com necessidades especiais, entre quatro e 17 anos, sem avaliações prévias de capacidade e sem cobrar dos pais taxas adicionais. As 45 mil escolas particulares de todo o País vão ter que investir em infraestrutura adequada para receber as crianças especiais e arcar com os custos de preparação do professor e demais profissionais, que vão cuidar dos estudantes. Com isso, o valor dos investimentos deve ser dividido entre todos os alunos e, nesse caso, as instituições vão ser obrigadas a aumentar as mensalidades para não ficarem no prejuízo. Com mensalidades mais caras, pais podem ter que optar em retirar o filho da escola particular. A queda na arrecadação das escolas pode levar muitas instituições à falência e muitos profissionais da educação podem ficar desempregados, como explica o especialista em Direito Educacional, Ricardo Furtado.  
 
SONORA: Especialista em Direito Educacional, Ricardo Furtado
 
“O problema que a gente verifica nessa Lei, é que está trazendo para a livre iniciativa um dever do Estado. Na realidade, quando faz isso, traz não só um maior custo para a escola, como também obriga a escola a repassar isso nos valores de anuidade das mensalidades. E a família vai ter condição de suportar esses custos altos que o Governo está tentando impor a escola particular? Ela pode estar fadada ao fechamento com certeza.”
 
REPÓRTER: De acordo com a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, a Confenen, cerca de dois milhões de trabalhadores vivem da educação particular no país. A Irmã Ana Aparecida Besel é diretora de uma escola particular em Blumenau, Santa Catarina, com mil e 400 alunos. A educadora teme que a Lei da Inclusão Plena, ao contrário de ajudar as crianças com necessidades especiais, contribua para a falência de muitas escolas particulares.     
 
SONORA: Diretora de escola particular, Irmã Ana Aparecida Besel
 
“Vai ser um efeito cascata. O pai vai questionar, vai querer retirar o filho da escola, porque ele vê que, com esse reajuste, ele não vai ter possibilidade. E com isso, nós vamos também ter que rescindir contrato com os nossos professores, com os nossos funcionários por causa desta realidade. Não importa o número de alunos. Escolas particulares, de forma direta, vão ser atingidas, em todas as realidades, seja no pedagógico ou no administrativo.”
 
REPÓRTER: A Lei da Inclusão Plena determina que todas as crianças com necessidades especiais sejam educadas no ensino regular, em salas de aulas comuns. A dona de casa, Irani Pinheiro, da cidade do Novo Gama, em Goiás, é mãe de uma jovem com múltiplas necessidades especiais. Ela revela que a deficiência da filha a impede de estudar em uma escola de ensino regular e que apenas as instituições especializadas teriam condições de trabalhar no desenvolvimento da criança.
 
SONORA: Dona de casa, Irani Pinheiro
 
“A minha filha realmente não tem condição. Ela não tem capacidade de acompanhar os outros alunos. Eu creio que, em uma escola normal, eles não vão se adaptar. Não vão mesmo. Porque são o quê? Quarenta e dois alunos em uma turma? Então, a professora está ali, para 42 alunos. Ela não vai ter tempo para se dedicar mais para duas ou três crianças especiais que vão estar ali, na sala, com ela.”
 
REPÓRTER: Para a dona de casa, Gilda Lima, de Valparaíso, Goiás, que também é mãe de uma criança com deficiências múltiplas, a Lei da Inclusão Plena deveria prever um método para avaliar as crianças, definir o grau de deficiência e esclarecer aos pais as reais capacidades de aprendizado. Gilda Lima acredita que a filha não tem condições de estudar em uma sala comum do ensino regular.  
 
SONORA: Dona de casa, Gilda Lima
 
“Têm crianças que podem sim ser inclusas, que podem ter um aprendizado legal. Com outras crianças, ela pode vir até ajudar. Mas a minha filha não. A minha filha tem deficiências múltiplas. Tem que fazer muitas mudanças. Eu acho que as escolas ainda não estão aptas a receber crianças na inclusão. Até mesmo porque os profissionais não estão capacitados para isso.”
 
REPÓRTER: A especialista em Educação Especial Inclusiva da Universidade de Brasília, UnB, Amaralina Souza, é a favor da inclusão de todas as crianças com necessidades especiais no ensino regular. Mas ela lembra que as escolas particulares vão ter que fazer muitos investimentos para atender com dignidade as crianças.
 
SONORA: Especialista em Educação Especial Inclusiva, da UnB, Amaralina Souza
 
“Claro que os educadores, os professores precisam sim criar uma postura favorável de compreensão, de abertura para oferecer oportunidade de aprendizagem para todas essas crianças.”
 
REPÓRTER: O Diretor de Comunicação do Sindicato dos Professores das Escolas Particulares do Distrito Federal, Trajano Jardim, reconhece que a Lei de Inclusão Plena vai obrigar as escolas a investir na qualificação profissional. Mas ele acredita que os empregos dos profissionais não vão ser afetados com a medida.
 
SONORA: Diretor de Comunicação do Sinpro-EP - DF, Trajano Jardim
 
“Eles vão ter professores, inclusive formados nessas especialidades. Vão ter que fazer formação. Não tem essa questão de desemprego.”
 
REPÓRTER: A Lei da Inclusão Plena prevê que, até 2024, todos os estudantes com necessidades especiais estejam matriculados na rede regular de ensino. Em nota, o ministério da Educação informa que apoia os estados e municípios na execução da política de educação especial, com a promoção de programas de implantação de salas e recursos multifuncionais, de educação bilíngue, de formação continuada de professores na educação especial, entre outros. Além disso, o MEC afirma que, em todo país, existem 27 núcleos de atividades de altas habilidades e superdotação em funcionamento. Dados do Censo Escolar da Educação Básica de 2014, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Anísio Teixeira, o Inep, revelam que as escolas particulares são responsáveis pela educação de mais de nove milhões de alunos apenas na educação básica do País..
 

Com a colaboração de Vânia Almeida, reportagem, Cristiano Carlos

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