Informação qualificada e mobilização entre pares: conheça estratégias que protegem adolescentes contra gravidez indesejada e IST’s

Promoção de direitos sexuais e reprodutivos para jovens é uma das metas propostas para os 1.924 municípios participantes do Selo UNICEF 2017-2020. O objetivo é promover o autoconhecimento de adolescentes do Semiárido e da Amazônia Legal

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Uma em cada seis meninas no Brasil será mãe antes de terminar a adolescência. O dado alarmante, tirado da base de dados do Banco Mundial, ainda é uma realidade para a maior parte das crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos, em especial para as que vivem nas regiões Norte e Nordeste. Pobreza e gravidez precoce não desejada estão entre os principais fatores de abandono escolar.
 
Mas, num município distante a 266 km da capital do Amazonas, o trabalho é intenso para mudar essa realidade. Em Urucurituba, os jovens se articulam para que mais informações estejam acessíveis a todos e todas. Entre panfletagens, reuniões e visitas a escolas e centros de saúde, meninos e meninas urucuritubenses se mobilizam para diminuir não só os índices de gravidez na adolescência, mas também os de infecções sexualmente transmissíveis (IST’s), que ainda rodeiam a região.
 
“Esse assunto é de extrema importância, ainda mais quando se fala em adolescência. A cabeça deles é bem diferente dos adultos”, afirma o mobilizador do município, Cleber Kettle Marques. No ano passado, em uma pesquisa feita pela própria comunidade, Cleber conta que, em apenas uma escola do estado, havia mais de 30 adolescentes grávidas. “Ficamos muito surpresos, até porque boa parte dos jovens que participam das mobilizações estudam nessas escolas. São meninas de 13, 14 anos, ainda em formação”, lamenta.


 
Para Cleber, uma boa estratégia é incentivar o diálogo entre os próprios adolescentes. “Os jovens se ligam mais em serem parceiros uns com os outros.” O mobilizador explica que as ações são feitas por meio de um núcleo com 16 jovens em cada cidade, sendo oito meninas e oito meninos. Esses jovens têm a “missão” de espalhar o conhecimento adquirido para os demais colegas, sejam da comunidade, da escola ou do convívio em geral.
 
Em Urucurituba, o núcleo chamado Juventude Unida pela Vida na Amazônia (JUVA) alcança mais de 40 adolescentes. Na região Semiárida, esses núcleos são conhecidos como Núcleos de Cidadania de Adolescentes (NUCAs). Nessa temática, eles são levados a conhecer como usar camisinha, por exemplo, e como isso pode ajudar outros e outras colegas.
 
“Os núcleos têm todo esse trabalho de contribuir para que os adolescentes tenham informações e desenvolvam atitudes de prevenção, que reduzam situações de vulnerabilidade”, ressalta o coordenador do programa Cidadania dos Adolescentes do UNICEF no Brasil, Mário Volpi. “Observamos que a informação e o diálogo, especialmente entre os pares e com uma boa orientação dos adultos, geram uma consciência e um conhecimento maior nos adolescentes”, diz.


 
Metas
A promoção dos direitos sexuais e reprodutivos de jovens a partir dos 15 anos é uma das metas propostas a 1.924 municípios da Amazônia Legal e do Semiárido para que eles alcancem o Selo UNICEF. Cumprindo as metas propostas, o município recebe, após três anos, um selo que comprova e reconhece o esforço da comunidade envolvida em colocar crianças e adolescentes como uma prioridade.
 
Além de debater sobre direitos sexuais e reprodutivos, as gestões precisam cumprir mais quatro metas obrigatórias, que são viabilizar a volta às aulas: a valorização da primeira infância (crianças até 6 anos); a proteção contra a violência, em especial a redução dos homicídios, e a participação e mobilização de adolescentes.  

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Volpi reforça que é importante valorizar a formação do jovem como um todo, além de fazer um trabalho conjunto para bons resultados. “Muitas vezes, a sexualidade e o desenvolvimento afetivo são negligenciados e a gente não trata esse tema de o adolescente se autoconhecer, de se cuidar, de fazer escolhas conscientes. É importante que eles assumam a condição de sujeito que busca orientações e faz opções para sua vida.”
 

 
As ações, segundo o coordenador, são desenvolvidas de forma integrada nas escolas, nos centros de saúde e nos centros de referência de assistência social. “Esse conteúdo precisa ser ressignificado na linguagem dos adolescentes e compartilhado em estratégias de educação de pares, ou seja, adolescentes falando com adolescentes”.
 
Tabu
O mobilizador de Urucurituba conta que nasceu e foi criado no município, mas foi embora aos 17 anos para estudar fora. Hoje, aos 35, retornando à cidade-natal, Cleber enxerga mudanças significativas no comportamento dos jovens. “Na minha época, a gente não tinha essas informações, até porque nossos pais não falavam diretamente sobre sexualidade. Eu ouvia sobre isso de amigos, de gente de fora”, revela o mobilizador.
 
A oficial de Participação de Adolescentes do UNICEF para a Amazônia Legal, Joana Fontoura, acrescenta que é importante fornecer a esses meninos e meninas informações qualificadas. “O que a gente percebe é que eles têm acesso à informação, à internet, às redes sociais, mas é preciso que eles saibam, de fato, como funciona o organismo deles, como funciona o ciclo menstrual, por exemplo, até para evitar uma gravidez indesejada ou IST’s.”
 
O trabalho do UNICEF, segundo Joana, é que essas informações cheguem até eles e elas sem preconceito e sem estigma. “Não queremos que eles pensem que buscar esse conhecimento é algo errado ou inalcançável”, reforça.  
 
Nesse sentido, Joana comenta a importância de uma informação de qualidade para que eles possam reconhecer, inclusive, situações de violência e de abuso. “Trabalhamos para que eles tenham espaço para buscar ajuda e apoio, tudo dentro dessa promoção de saúde sexual e reprodutiva.” Pela lei, 
 
Nos estados do Semiárido brasileiro, o trabalho também é intenso para que a comunicação seja efetiva. “A informação é uma grande aliada. Os adolescentes aqui usam também as redes sociais e grupos de Whatsapp para essa mobilização”, conta a especialista na área de Desenvolvimento de Adolescentes e Jovens do UNICEF, Luiza de Sá Leitão.
 
Ela revela que 56% de adolescentes nas mobilizações no Semiárido são de meninas. Para Luiza, é emocionante ver como isso pode transformar a realidade delas, que são, muitas vezes, um público vulnerável. “Eu estava em um encontro no Piauí, em uma cidade com apenas quatro mil pessoas, e vi meninas da zona rural segurarem um microfone e discursarem afirmando que ninguém vai dizer o que elas devem ser ou fazer. Elas vão ser o que elas quiserem”, relata.
 
Luiza lembra ainda que, dentro dessa temática, os jovens têm direito também a fazer consultas sem a presença de um adulto a partir dos 12 anos de idade. Na opinião da especialista, isso pode auxiliar no combate ao abuso sexual, já que, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, quase 90% dos casos de abuso acontecem dentro de casa.
 
“Muitos não sabem disso. E é importante saber para que crianças e adolescentes não precisem ir aos consultórios na presença do abusador. E a consulta deve ser mantida em sigilo”, reafirma.
 
“Nos encontros que fazemos, tem sempre uma menina que percebe que sofreu abuso, é muito triste. Quando não se fala sobre educação sexual, sobre direitos sexuais e reprodutivos, nem sempre as pessoas percebem que passam ou passaram por isso”, comenta.
 
Mobilização de adolescentes
Os direitos sexuais e reprodutivos para adolescentes estão entre os desafios na estratégia de mobilizar esse público. Dentro dos JUVAs e NUCAs, meninas e meninos devem cumprir oito desafios temáticos. Entre eles, estão a promoção da alimentação saudável e prevenção à obesidade, ao direito à inclusão digital, à educação para cidadania democrática, ao enfrentamento ao racismo e ao direito sexual e reprodutivo – conhecido como desafio 7.
 
É nesse desafio que os municípios devem assegurar que as equipes escolares desenvolvam atividades integradas com os centros de saúde e de assistência social com adolescentes sobre direitos sexuais e reprodutivos, incluindo prevenção à gravidez indesejada e às IST’s.  
 
As atividades são realizadas nos núcleos de cidadania, responsáveis pela mobilização e disseminação das informações propostas. Os mobilizadores, como o Cleber, garantem que esses jovens se envolvam nas atividades e que as propostas deles e delas sejam levadas em consideração pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e pelas diversas instâncias do governo municipal.


 
O Selo
Implantado pela primeira vez em 1999, no Ceará, o Selo UNICEF já contabiliza 20 anos de história e de mudança na vida de milhões de crianças e de adolescentes em situação de vulnerabilidade no Semiárido e na Amazônia Legal. Atualmente, 18 estados são alcançados pela ação – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e norte de Minas Gerais, no Semiárido, e Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, na Amazônia Legal.

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Com o sucesso das experiências, o Selo cresceu e, hoje, procura aplicar o aprendizado das edições anteriores aos participantes da atual. A metodologia foi unificada para o Semiárido e Amazônia Legal e introduziu o conceito de Resultados Sistêmicos no lugar de ações, visando dar sustentabilidade às iniciativas dos municípios e garantir que as crianças e adolescentes continuem sendo beneficiadas pelas políticas públicas implementadas mesmo após o fim do ciclo.
 
O Selo é dividido em ciclos, que coincidem com as eleições municipais. No atual ciclo (2017-2020), de 2,3 mil prefeituras convidadas, 1.924 toparam o desafio, sendo 1.280 do Semiárido e 644 da Amazônia Legal. Cumprindo as metas propostas pela ação, o município recebe, após três anos, um selo que comprova e reconhece o esforço da comunidade envolvida.
 
No ciclo de 2017-2020, os municípios devem apresentar os resultados das ações desenvolvidas até 31 de março, por meio da plataforma Crescendo Juntos, no site do Selo UNICEF. A comprovação das atividades é feita por meio de documentos comprobatórios e anexados no portal. O envio pode ser feito pelo computador, celular ou tablet ou com auxílio de agentes comunitários, caso o município não tenha acesso à internet.