Foto: Agência Brasil
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Saneamento depende de “mais recursos federais” e “menos empréstimos”, defende CNM

Falta de dinheiro para elaborar e contratar projetos ainda é principal gargalo das prefeituras, diz supervisora de Desenvolvimento Territorial da entidade

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A gestão dos recursos hídricos e dos serviços de saneamento tem sido alvo de debates no Brasil, já que há possibilidade de o Senado aprovar o novo marco legal (PL 4.162/2019) ainda em junho. A tendência é que a legislação ajude o país a alcançar as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), levando água potável e coleta e tratamento de esgoto a todos os brasileiros até 2033. Em um esforço nesse sentido, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) debateu a questão junto a outros especialistas na Rede Rare Brasil e, além de apontar os desafios, listou exemplos de boas práticas ao redor do país.

Representada pela supervisora do Núcleo de Desenvolvimento Territorial, Cláudia Lins, a CNM apresentou iniciativas consideradas positivas em cidades brasileiras no quesito sustentabilidade e lembrou sobre as dificuldades em ampliar investimentos.

Cláudia Lins aponta que é preciso entender melhor a competência para melhorias na área de saneamento. Para ela, a reponsabilidade deve ser comum, ou seja, não apenas dos municípios, que são titulares dos serviços. Em sua visão, estados e União também deveriam atuar para garantir a prestação dos serviços. “Se os municípios continuarem abandonados como estão, com os recursos federais caindo, a gente não vai conseguir cumprir a Agenda 2030 nem o Plansab”, alertou. 

Para Cláudia Lins, as prefeituras têm a menor fatia da arrecadação e não recebem o apoio técnico e financeiro necessário para os altos investimentos que o setor demanda. 

“As dificuldades encontradas pelos prefeitos e prefeitas na hora de investir em saneamento vão desde conseguir recursos para a elaboração de projetos até a contratação de projeto. Para um aterro sanitário ou para outra obra de engenharia relacionada a abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, um projeto pode custar R$ 200 mil, sem a obra. Em segundo lugar é a disponibilidade de recursos a fundo perdido, que daria o real apoio que os municípios precisam – hoje os recursos disponíveis hoje são empréstimos. São recursos onerosos e a capacidade de endividamento dos gestores é muito baixa”, elenca a supervisora da CNM.

Os recursos de fundo perdido a que se refere Cláudia são verbas que não estão condicionadas à devolução, como um financiamento ou empréstimo. O mecanismo garante que o capital possa ser investido em projetos que trazem retornos para a sociedade, como no caso do saneamento.

A pouca capacidade de endividamento pode ser explicada pelo tamanho dos municípios, já que quase metade deles têm menos de 10 mil habitantes. Por conta disso, Cláudia Lins lembra que quando os municípios menores conseguem recursos por meio de editais de estados e União, ainda têm de pagar juros, o que compromete a contratação do serviço.

Planejamento

Segundo a supervisora do Núcleo de Desenvolvimento Territorial da CNM, o primeiro passo para a resolução dos problemas de saneamento básico nos municípios de pequeno porte é a organização.

“A primeira coisa é começar pelo planejamento. Ou seja, apoio técnico para que todos os municípios tenham seus planos municipais de saneamento básico. A partir do plano, é possível fazer um diagnóstico que permite entender se eles têm condições de prestar o serviço diretamente, se necessitam a privatização do serviço ou uma concessão com uma companhia estadual, enquanto isso for possível”, ressalta. 

“Depois desse planejamento, desse plano municipal de saneamento básico, a segunda fase é ter mais recursos a fundo perdido, recursos não onerosos, onde realmente os municípios consigam acessar e investir nessa área”, aponta Cláudia.

Diante da pouca capacidade de endividamento e a escassez de recursos, os municípios precisam ser criativos para conseguir resolver seus problemas. Para ajudar as prefeituras, o site da CNM traz publicações com guias, planos e cartilhas que abordam o tema, como os materiais “Saneamento básico – Avanços Necessários” e “Águas no Brasil – Perspectivas e Desafios Municipais”. Além disso, a entidade possui uma página destinada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), documentos que pretendem ajudar os gestores a identificar e medir os objetivos em suas regiões.

Entre as boas iniciativas pelo país, Cláudia Lins cita o projeto de Afogados de Ingazeira, em Pernambuco. O município gastou apenas R$ 30 mil para tratar o esgoto de 250 residências e reutilizar a água para a irrigação da grama do estádio da cidade.

O prefeito de Afogados, José Patriota, explica que a cidade havia construído um pequeno estádio, mas a irrigação do gramado saía muito cara. A solução não veio com mais recursos, mas sim como ‘engenhosidade’. Por meio de biofiltros, o esgoto é tratado e a água de reuso que sobra é direcionada ao estádio. 

“No início começamos a pagar água com a empresa estadual, mas a conta chegou a R$ 14 mil por mês. E usar água tratada para aguar grama é muito difícil. Foi então que estudamos alternativas e montamos um grupo de trabalho. Ele descobriu que a cerca de 200 metros de lá havia esgoto jogado a céu aberto, no bairro São Brás, e que poderia ser tratado com uma bactéria que já usávamos para transformar o sangue de um abatedouro em água de reuso”, detalha.

O esgoto próximo ao Estádio Vianão foi canalizado e em uma caixa misturadora recebe a adição de uma calda bacteriológica, enriquecida com rúmen bovino (compartimento do estômago) e cascas de laranja. Após esse tratamento, o esgoto, já descontaminado, segue para um filtro de areia e brita, de onde segue para o estádio. O processo, extremamente barato se comparado a uma estação de tratamento de esgoto convencional, rende 100 mil litros de água de reuso por dia.

“O nosso custo operacional é muito baixo. A matéria-prima sai de graça. O município tem buscado trabalhar a questão da gestão ambiental em vários níveis. O programa de reuso de água é um projeto que, inclusive, apresentamos no Fórum Mundial da Água e recebemos convite de vários países para falar do assunto, bem como de estudiosos e universidades”, conta orgulhoso o prefeito José Patriota.

Driblando a seca

Outro projeto salientado pela supervisora da Confederação Nacional de Municípios foi realizado em Santana do Seridó, município do Sertão do Rio Grande do Norte de pouco mais de 2.600 habitantes e localizado a 260km de Natal. Por conta da seca, a região sofre com o abastecimento de água e a solução para conseguir mais água veio de um projeto de baixo custo. De quebra, ainda ajudou a resolver outros dois problemas da região: a morte dos animais criados pelos pequenos pecuaristas e a poluição do rio.

Mais de 90% do esgoto gerado pelos moradores de Santana é coletado, mas a maioria ia direto para o rio. A ideia de tratar os dejetos para gerar água de reuso veio do zootecnista Ivan Junior, que apresentou o projeto e conseguiu desenvolvê-lo com apenas R$ 30 mil. 

Segundo o prefeito de Santana do Seridó, Hudson Pereira, o tratamento dos 253 mil litros de esgotos gerados por dia gera cerca de 30 mil litros de água por semana, o suficiente para manter a irrigação de mais de 20 mil pés de palma forrageira por hectare, uma planta rica em água e volume e que consegue sustentar os pequenos rebanhos bovinos e caprinos da região que antes morriam com a seca. Cada hectare do projeto gera cerca de 400 toneladas de palma por ano.

“Além de estar utilizando uma oferta diária de água que é escassa na região, você ainda ajuda na limpeza da cidade com o tratamento do esgoto e produz essa palma para os rebanhos, que agrega valor aos pequenos agropecuários do município”, ressalta.

Ao observar esses dois casos positivos, Cláudia Lins salienta que a melhor forma de avançar na área de saneamento é entender as características de cada região. Segundo ela, há uma região enorme de semiárido que tem uma demanda grande por água potável, já que há muita água salobra, que requer uma solução diferente do que, por exemplo, a Região Norte do país. 

“A gente precisa de programas federais que atendam as especificidades territoriais dos municípios. A gente precisa de um programa que tenha um olhar voltado para a realidade local e não apenas um grande programa de empréstimos sem levar em consideração as demandas de cada região”, acrescenta a supervisora da CNM.

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