Educação na pandemia: Secretaria de Estado da Educação e do Esporte do Paraná (Seed-PR)/Divulgação
Educação na pandemia: Secretaria de Estado da Educação e do Esporte do Paraná (Seed-PR)/Divulgação

Escolas fechadas podem representar retrocesso de até quatro anos na aprendizagem

Estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) comparou aprendizado de ano típico com o tempo de interrupção das aulas em 2020 e eventuais conhecimentos do ensino remoto, observando maior prejuízo em matemática e português para alunos do Ensino Fundamental 2

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Um estudo encomendado pela Fundação Lemann e produzido pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra o impacto da suspensão de aulas na pandemia. De acordo com os resultados da pesquisa, o aprendizado não realizado no País em 2020, durante o período de escolas fechadas, pode ser superior à evolução de proficiência dos estudantes observada nos últimos quatro anos, tanto em matemática quanto em língua portuguesa. 

O estudo utilizou como base parâmetros do aprendizado em língua portuguesa e matemática medido pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) entre 2015 e 2019, e comparou cenários possíveis de alunos do Ensino Médio e Ensino Fundamental 2, do 5º ao 9º ano, durante o modelo de aulas virtuais, uma metodologia baseada em estudo do Banco Mundial.

A pesquisa analisou três perspectivas. Na otimista, os alunos aprenderiam através do ensino remoto o mesmo que no ensino presencial. Na intermediária, eles aprenderiam uma medida proporcional às horas gastas com atividades escolares virtuais. Já na pessimista, os estudantes não aprenderiam com o ensino remoto. Os resultados mais drásticos mostram que o aprendizado não realizado em 2020 pelos alunos do 9º ano pode ser superior à evolução de proficiência dos últimos quatro anos. Para alunos do 3º ano do ensino médio, o que deixou de ser aprendido seria inferior à evolução alcançada entre 2015 e 2019.

Outra contextualização com os mesmos estudos, apresentados com uma metodologia diferente, mostra que os alunos deixaram de aprender, em 2020, o equivalente a 72% de um ano típico para o Ensino Fundamental 2 e para o Ensino Médio, no cenário pessimista. Mesmo no contexto mais otimista, o aprendizado só chega entre 14% e 15% de um ano normal, para essas mesmas faixas etárias. 

Daniela Caldeirinha, diretora de projetos da Fundação Lemann, lembra da dificuldade de manutenção de vínculo com as escolas e do desvio de atividades dos alunos, que muitas vezes se vêm obrigados a contribuir com atividades de trabalho. “Nesses segmentos, no Fundamental 2 e no Ensino Médio, estão os alunos adolescentes e jovens. Eles são muito impactados pela interrupção das aulas. Dependendo da condição familiar, da conjuntura em que o aluno vive, esses adolescentes acabam tendo que assumir responsabilidades da família, como trabalhar. Em um cenário de crise social e econômica, é isso que acaba acontecendo”, lembra.

A segmentação do estudo também permite análises e intervenções. Quando observadas as regiões mais afetadas pelas lacunas do ensino remoto, percebe-se que os alunos de estados do Norte e Nordeste deixaram de aprender mais do que estudantes dos estados do Sul e Sudeste durante a pandemia da Covid-19. Os grupos de pessoas negras, com mães com ensino fundamental incompleto ou sem instrução também aparecem como os mais prejudicados pela suspensão das aulas. 

Abismos

Rafael Parente, Diretor da BEĨ Educação e PhD em Educação, alerta para o fato de que o número de alunos sem acesso a nenhuma atividade dos portais digitais chega a 50% em algumas redes estaduais, o que caracteriza uma “catástrofe educacional em curso”. Para ele, é preciso pensar alternativas aos meios tecnológicos, como a utilização de materiais impressos ou dos canais de tevês e rádios, por exemplo, que alcançam a população mais carente.

“Desde o início da pandemia, nós, gestores, pessoas que desenham as políticas públicas e pessoas que implementam as políticas públicas, tínhamos de dar mais atenção e real priorização aos alunos mais pobres, aos mais excluídos, àqueles que realmente podem depender mais da escola, inclusive por questões de alimentação. Todas as nossas políticas, desde o início, não deveriam ter sido voltadas para tecnologias digitais, porque já sabemos, há muito tempo, que existe um fosso entre aqueles que têm acesso a computadores, aos celulares, internet de qualidade, e aqueles que não tem”, avalia.

Nesse contexto, buscar alternativas de aproximação com os estudantes mais afetados pelas lacunas sociais é outra chave para a minimização dos impactos. É isso que acredita Luiz Miguel Martins Garcia, Dirigente Municipal de Educação de Sud Mennucci/SP e presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

“Grande parte das redes, passaram a oferecer algum tipo de atendimento aos alunos, proporcionar um contato da escola com esses estudantes, possibilitando o desenvolvimento de atividades pedagógicas, que estão muito longe daquilo que se espera em uma relação com o professor, mas que não deixou paralisado, fora desse novo cotidiano do aluno, da agenda da escola. Aprendemos muito, desenvolvemos o que foi possível, muita coisa foi feita, e foi positivo, sobretudo no sentido de manter o vínculo com os estudantes.”

Enquanto novas metodologias são estudadas para reduzir a perda da aprendizagem, continuam os debates sobre o retorno às aulas presenciais na pandemia. Especialistas lembram que se trata de um tema complexo. Uma plataforma lançada recentemente, a Escola Segura, está disponível online com informações de protocolos, simuladores e checklist para orientar todas as etapas de planejamento de retornos, por exemplo. O Censo Escolar da Educação Básica de 2020 calcula que o País tem 35,9 milhões de estudantes nas escolas públicas. 

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